Se Gordon Murray fosse um barman, em vez de um respeitado engenheiro, tanto na F1 como no reino dos superdesportivos, a sua fórmula ideal para conceber um cocktail passaria por misturar peso reduzido com um motor com uma sonoridade incrível, devidamente envelopado por um chassi pequeno para ser leve e uns pozinhos de magia para o tornar mais eficaz. Esta foi a receita utilizada para o McLaren F1 de 1992, que agora foi revista e ampliada para o T.50.
No mundo da F1, são os projectistas que mais contribuem para eficácia e para a rapidez dos fórmulas, juntamente com os homens que concebem os possantes motores e os “artistas” que os pilotam. Entre 1969 e 1991, Gordon Murray desenhou alguns dos carros mais espectaculares da F1, tendo conquistado seis campeonatos do mundo, dois com a Brabham e quatro com a McLaren, estes com Ayrton Senna aos comandos. O engenheiro sul-africano, que começou a mostrar obra aos 23 anos, considerou que em 2020 era chegada a altura de comemorar devidamente os seus 50 anos de carreira como projectista, levando a sua Gordon Murray Automotive a conceber o T.50, um superdesportivo que promete agitar a indústria automóvel com a sua criatividade e capacidade de inovação.
A primeira tentativa de Murray para conceber um automóvel de estrada foi em 1991, com a recém-criada McLaren Cars, com o F1 a sair no ano seguinte, do qual seriam fabricadas 106 unidades. O modelo surpreendeu então pelos seus três lugares, com o condutor a ocupar a posição central mais avançada, disposição herdada pelo T.50. E, já na época, o engenheiro fazia questão em ter um motor V12 atmosférico, para apurar o gozo e a sonoridade, e um carro tão leve quanto possível, para deleite da eficiência. Nada parece ter mudado, pois o T.50 retoma exactamente os mesmos valores.
Superdesportivo com um “souvenir” da Brabham
Ainda que não falte quem considere que o T.50 tem algumas semelhanças com McLaren F1, a realidade é que sobressai sobretudo a vontade de conceber um chassi pequeno para ser ligeiro, com recurso a muita fibra de carbono para o tornar num peso-pluma, uma vez que ninguém sabe, como Murray, que o peso é o maior inimigo de um desportivo.
Lá dentro há lugar para três, com o “piloto” em posição central, pelo que as portas são amplas e de abertura vertical, para facilitar o acesso ao interior. A Gordon Murray Automotive anuncia mesmo que só o chassi e a carroçaria não ultrapassam 150 kg, o que deverá ser um dos recordes para a indústria.
A suspensão do T.50 parece herdada de um carro de competição mas, para o fazer curvar na perfeição, o projectista da África do Sul, hoje com 71 anos, recorreu a soluções que fazem crescer água na boca aos engenheiros mais novos. Nada de splitter frontal, para colar a frente ao solo, uma vez que estes não são compatíveis com o acesso a parqueamentos e garagens, pelo que Murray concentrou-se nas asas e difusores activos, capazes de fazer variar a incidência dos apêndices aerodinâmicos para colar ainda mais o T.50 ao solo.
Mas a mais recente obra do homem que deu quatro títulos de campeão a Senna não se fica por aqui. Apostado em comemorar igualmente o momento mais emblemático da sua carreira, Gordon Murray recuperou a ventoinha que instalou nos Brabham BT46 de 1978, conhecidos como o “carro aspirador”, cujo ventilador criava uma depressão sob o chassi, colando-o ao solo. É este o motivo que leva o T.50 a exibir uma ventoinha similar, mas com apenas 40 cm de diâmetro, capaz de girar a 7000 rpm impulsionada por um motor eléctrico a 48V. Afirma Murray que isto permite ao superdesportivo incrementar a carga aerodinâmica em 50% em aceleração e curva, para depois atingir 100% durante as travagens. A ventoinha incrementa ainda a quantidade de ar que alimenta o motor, elevando a sua potência em 49,6 cv.
Motor Cosworth é mais potente do que parece
Para locomover o T.50, a Gordon Murray Automotive recorreu à Cosworth, a quem encomendou um V12 com apenas 3994 cc e pistões pequenos e leves (com cada cilindro a ter apenas 330 cc, o equivalente a um quatro cilindros com 1,3 litros), para permitir ao motor atingir rotações mais elevadas. Daí que, apesar de a Cosworth reclamar para o 4.0 V12 apenas 178 kg, tal não o impede de girar até às 12.100 rpm e fornecer 663 cv.
À primeira vista, a potência deste V12 pode parecer menor do que os seus rivais da Ferrari, Lamborghini e McLaren, mas não poderíamos estar mais longe da verdade. É certo que a potência é esta, mas como se trata de um motor atmosférico, é mais pequeno, compacto e leve, o que aliado a um chassi com apenas 4,3 metros de comprimento, fica muito longe dos 4,5 m de um McLaren 720S, dos 4,6 m de um Ferrari F8 Tributo ou dos 4,9 m de um Aventador SVJ.
Numas contas rápidas, caso os 986 kg do T.50 fossem elevados aos 1510 kg do Ferrari, isso equivaleria ao motor fornecer uma potência de 1015 cv, para manter a mesma relação peso/potência de 1,487 kg/cv. Se o termo de comparação fosse o peso do imponente Aventador (1690 kg), então o desportivo de Murray teria uma potência de 1137 cv e se, no limite, o comparássemos com o Bugatti Chiron (1500 cv e 2070 kg), então a potência equivale a 1392 cv. Isto significa que o peso reduzido vai permitir ao 4.0 V12 brilhar muito mais do que os 663 cv fariam supor.
O motor Cosworth vai acoplado a uma caixa manual de seis velocidades, uma vez que o superdesportivo se destina a quem gosta de conduzir e utilizar a caixa para explorar tudo o que o motor tem para dar, com o T.50 a ser comercializado por 2,6 milhões de euros, antes de impostos e só a partir de Janeiro de 2022, data prevista para o início da produção das 100 unidades que vão ser fabricadas.
Neste vídeo da Gordon Murray Automotive, o piloto Dario Franchitti começa por recordar a passagem de Murray pela F1, antes de mostrar o T.50 (minuto 6.00) e discutir com o projectista as características do superdesportivo.