Carlos Ghosn volta ao ataque e promete que, um ano depois de ter fugido da prisão domiciliária no Japão, onde estava detido desde 2018, vai contar a sua versão da “conspiração” que o colocou atrás das grades. Fá-lo-á num livro que está a escrever e que será publicado antes do final deste ano. Aí, afirma, vai apresentar “provas” e “testemunhos” de que vários membros do conselho de administração da Nissan se uniram para tramá-lo, alegadamente por quererem evitar a todo o custo a fusão entre a Renault e a Nissan.
Numa entrevista à cadeia televisiva Al Arabiya, o gestor falou ainda de lealdade (e da falta dela), de resultados, além de ter explicado por que motivo fugiu para o Líbano. Ghosn só colocou travão na conversa quando instado a falar da polémica fuga que protagonizou, com o argumento de que isso poderia prejudicar os que o ajudaram.
Como seria de esperar, não foi meigo nas palavras. Segundo ele, o Japão fez dele não um prisioneiro, mas sim um refém cujos direitos foram constantemente violados. Ghosn revela até que terá sido ilegalmente perseguido quando caminhava na rua. E faz uma comparação em nada edificante para a justiça nipónica, lembrando que naquele país asiático a procuradoria-geral ganha 99,4% dos processos, uma taxa de condenação que, realça, é superior ao que registava a antiga URSS durante o estalinismo.
Ghosn, que nos Estados Unidos da América chegou a acordo com a Securities Market Commission (SEC) e pagou 1 milhão de dólares de multa, é visado em quatro acusações no Japão – duas por abuso de confiança agravado e outras duas por irregularidades financeiras. Em entrevista, reiterou a sua inocência, defendendo que as acusações de que é alvo não têm qualquer fundamento. Mais, revelou que há seis meses que as autoridades nipónicas não lhe enviam documentação processual.
O gestor dispara também em direcção à Nissan, sugerindo ingratidão por parte do construtor japonês ao descrever, em números, o estado da marca antes e depois da sua liderança. Ghosn recorda que passou a capitanear a Nissan em 1999 e que o fabricante, na altura, agonizava: a dívida ascendia a 20 mil milhões de dólares, as vendas anuais eram de apenas 2,5 milhões de unidades; os prejuízos avolumavam-se. E, sublinha, nenhum banco japonês se mostrava disposto a “ajudar” para salvar a empresa da falência. Dezoito anos depois, sob a sua batuta, a Nissan mais do que duplicou as vendas e passou da dívida a um lucro de 20 mil milhões de dólares. Queixa-se que estes resultados fizeram dele um “executivo invejado” e que, depois das quatro acusações movidas pela Nissan no Japão, passou a ser um pária, sem receber qualquer tipo de apoio, excepto de “2 ou 3%” da sua rede de contactos que se mantiveram leais.
Quanto à Renault, que o acusa de gastar 11 milhões de euros em viagens injustificadas, também tem direito a um “puxão de orelhas”. Ghosn regressa aos números para lembrar que, antes dele, o fabricante francês perdia dinheiro em todos os mercados onde operava, excepto na Europa. Situação que não só mudou, como a marca do losango conseguiu bater recordes de vendas. E, para puxar ainda mais pelos galões, realça que a Covid-19 não pode servir de desculpa para os maus resultados das três marcas da Aliança, atendendo a que os restantes fabricantes – exemplifica com a Toyota e com a General Motors – também tiveram de lidar com o impacto da pandemia.
Carlos Ghosn, que tem tripla nacionalidade (brasileira, libanesa e francesa) explicou ainda que foi para o Líbano porque era aí que planeava passar a sua reforma. Até porque a mulher, com dupla nacionalidade (libanesa e norte-americana), reside em Beirute e não se coloca a questão da extradição. Quando ocorreu a explosão no porto de Beirute, o casal não se encontrava em casa. Segundo apurou a AFP, o prédio onde habitam sofreu pequenos danos devido à onda de choque.
O livro que está a escrever em defesa própria é esperado para os próximos meses, mas dificilmente encerrará esta “novela”. Uma das cenas dos próximos capítulos passa por saber o que deliberará a justiça holandesa, onde Ghosn deu entrada com um processo contra a Nissan e a Mitsubishi exigindo 15 milhões de indemnização por despedimento injustificado. Conforme explicou o advogado do libanês, Laurens de Graaf, “na Holanda, quando uma empresa quer despedir um executivo, primeiro tem de lhe dizer do que está a ser acusado e apresentar provas”. Algo que, sustenta o jurista, não aconteceu no afastamento de Ghosn.