Não queria alimentar “polémicas artificiais” mas, no dia em que voltou ao pleno trabalho depois das férias, António Costa demorou 15 longos minutos a segurar a sua ministra, que esteve debaixo de fogo durante três longos dias por ter desvalorizado responsabilidades no surto de Covid-19 no lar de Reguengos de Monsaraz, que matou 18 pessoas. Passou o sábado, passou o domingo, passou a segunda e foi preciso chegar a terça-feira para, numa visita de trabalho ao Comando Nacional de Emergência e Proteção Civil, António Costa deixar duas palavras de tranquilidade: uma à ministra do Trabalho e Segurança Social, que tem “toda a sua confiança”, outra a todos os seus ministros, que só sairão quando Costa quiser independentemente da pressão que houver na opinião pública. E ainda outra às famílias que têm entes queridos em lares: “Há lares e lares”.

Foram três dias que serviram para o primeiro-ministro alargar o estômago, engolir em seco e fazer a digestão. Palavras do próprio. Porque as “polémicas artificiais” não devem ser alimentadas, senão o balão não para de encher. Daí a calma e a tranquilidade. “Eu não gosto de alimentar polémicas, e sobretudo numa fase de crise como esta, onde há tanta gente a sofrer, não devemos alimentar polémicas, por isso o que faço é alargar o estômago para ter maior capacidade de digestão de muitas das coisas que vou ouvindo. Porque não é de polémicas que o país precisa, o país precisa é de soluções para os problemas”, disse aos jornalistas depois de ter saído em defesa de Ana Mendes Godinho.

“Não houve das palavras da ministra nenhuma tentativa de desvalorização da gravidade, se se tratasse de desvalorizar não tínhamos feito todo este trabalho com as entidades que gerem os lares, que não são do Estado. Se desvalorizássemos a gravidade não tínhamos feito um reforço dos recursos financeiros em 5,5%, nem um esforço de investimento brutal nos equipamentos de proteção individual nos lares, nem tínhamos apostado na testagem de forma a prevenir os riscos”, disse, sublinhando que “não houve qualquer tipo de desvalorização”.

Em causa estão as declarações da ministra do Trabalho e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, que, em entrevista ao Expresso no passado sábado, admitiu que não tinha lido pessoalmente o relatório da auditoria feita pela Ordem dos Médicos ao lar de idosos de Reguengos de Monsaraz, onde um surto de Covid-19 atingiu 162 pessoas e matou 18, e sugeriu que a preocupação do Governo deve ser “estrutural” e não com os casos específicos. Para Costa, contudo, tal não é desvalorizar o problema, é “não confundir a árvore com a floresta”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ministra admite que não leu relatório sobre surto em lar de Reguengos e desvaloriza impacto da pandemia em lares de idosos

A ideia, disse e voltou a dizer António Costa, é não lançar o alarme injustificado junto das famílias, numa altura em que apenas uma pequena percentagem de lares é que estão a enfrentar problemas. “É importante que as pessoas saibam que, felizmente, o número de lares com problemas é uma percentagem diminuta, isto não é o mesmo do que dizer que não temos de nos preocupar. Temos de nos preocupar, mas não há razão para alarme. Senão as pessoas ficam em situação de profunda angústia. Temos de enquadrar e contextualizar a informação”, disse ainda, defendendo sempre que a ministra que tem a tutela dos lares foi rápida na abertura de um inquérito logo em julho quando teve conhecimento do surto naquele lar de Reguengos.

Portanto, unir esforços, sim, “apontar dedos” não. Depois de alargar o estômago, Costa diz que vai “engolir em seco, fazer a digestão” e seguir caminho. Com a certeza de que “não vale a pena pedirem a demissão de membros do governo, porque quando eu não tiver confiança em algum membro do governo eu resolvo o problema”. Recado dado ao CDS e ao Chega que se apressaram a pedir a demissão da ministra, mas também ao PSD que, não o tendo feito, foi bastante duro nas palavras e chamou a ministra a uma audição no Parlamento. Para já, e porque não se mudam generais no meio da guerra, Costa tranquiliza a sua general: “Tenho toda a confiança na ministra pelo trabalho excecional que tem vindo a fazer e que vai continuar a fazer”.