Este ano, a Feira do Livro de Lisboa, o maior evento dedicado ao livro e ao mercado livreiro em Portugal, acontece num período atípico e perante uma situação também ela atípica. A pandemia do novo coronavírus levou ao adiamento do certame, inicialmente agendado para finais de maio e inícios de junho, e fez até pairar a dúvida se haveria ou não condições para a sua realização. Em maio, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), responsável pela organização da Feira do Livro em conjunto com a Câmara Municipal de Lisboa (CML), garantiu que o evento se realizaria e que arrancaria a 27 de agosto, prolongando-se até 13 de setembro.
Para garantir que esta edição, a segunda maior de sempre, com 310 pavilhões, 638 marcas editoriais e 117 participantes, corre tão bem quanto as anteriores, a APEL divulgou esta quinta-feira ao final da tarde as medidas restritivas e preventivas que serão tomadas para garantir a segurança e bem estar de quem quer visitar a Feira do Livro de Lisboa. Apesar de o evento se realizar num espaço aberto, o Parque Eduardo VII, junto ao Marquês de Pombal, o uso de máscara será obrigatório dentro das alamedas e dentro das áreas expositivas, por visitantes e também pelos expositores, haverá lotação máxima dentro da feira e “muito gel desinfetante” por toda o recinto, garantiu ao Observador o secretário-geral da APEL, Bruno Pires Pacheco.
A lotação máxima da Feira do Livro de Lisboa será de 3.300 visitantes em simultâneo, um número que poderá ser revisto caso a organização sinta que é necessário, esclareceu o responsável. “Temos estado em diálogo com a co-organizadora da Feira do Livro, a Câmara Municipal de Lisboa, e definiu-se uma lotação que vai além das recomendações, com quase o dobro do distanciamento social [de dois metros] que é exigido pela Direção-Geral de Saúde”, afirmou Bruno Pires Pacheco. “É uma abordagem conservadora, porque não queremos que haja a mínima sensação de aperto, de excesso de público.” Acima de tudo, pretende-se “que isto corra bem, que isto corra com segurança”.
Para garantir que os números são cumpridos, o staff da Feira do Livro estará sempre atento, mantendo um controlo de quem entra e quem sai das duas entradas principais, na zona norte e sul do parque, e lembrando que é obrigatório o uso de máscara. De uma maneira geral, o espaço onde a evento é realizado, ao longo das duas alamedas do jardim, irá permanecer aberto (as estatísticas dizem que apenas uma percentagem pouco significativa dos visitantes entra na feira sem ser pelas entradas norte e sul), mas poderá ser fechado se a organização entender que a lotação máxima está prestes a ser atingida.
Para que isso possa ser feito rapidamente, os colaboradores terão à sua disposição “baias e fitas para vedar” caso seja necessário “fechar o perímetro”. A APEL não acredita, no entanto, que seja necessário fazê-lo durante os dias de semana, nem mesmo durante a Hora H, quando os preços são mais convidativos e um maior número de visitantes se desloca até ao Parque Eduardo VII. Neste momento, com base nos dados disponíveis, apenas se coloca a hipótese de fechar a feira aos fins de semana.
Apresentações e lançamentos restritas aos três auditórios da APEL. Praças servem apenas para sessões de autógrafos
Para permitir uma deslocação mais fluída do público, a organização decidiu retirar “todos os equipamentos não essenciais” e diminuir a área de restauração, privilegiando o chamado consumo on the go. “Fizemos uma adaptação”, explicou Bruno Pires Pacheco ao Observador, acrescentando que a APEL considera que os equipamentos presentes, em número menor quando comparados aos do ano passado, serão suficientes, ao mesmo tempo que permitirá “libertar mais espaço”. A venda e consumo de bebidas alcoólicas será permitido “segundo as recomendações” das autoridades competentes.
Foi também com o intuito de evitar ajuntamentos que a APEL resumiu as apresentações a três auditórios, dois deles novos. Nos anos anteriores, estas podiam ser realizadas nas diferentes praças, distribuídas ao longo das alamedas, onde também decorriam as sessões de autógrafos. Este ano, estas últimas decorrerão exclusivamente nestes quatro espaços, que deixarão de ter sistema de som disponível para utilização e lugares sentados, ou seja, plateia. Todos os outros eventos, como apresentações de livros, lançamentos ou debates, irão decorrer nos Auditórios Sul, Poente e Nascente, que estão sujeitos a um número máximo de espectadores sentados — 48 no caso do primeiro e 24 nos restantes dois — e de tempo de utilização — 45 minutos. As sessões de autógrafos nas praças não têm limite de duração. Os eventos de show cooking foram cancelados.
[Mapa da edição desta ano da Feira do Livro de Lisboa:]
No comunicado divulgado esta quinta-feira, o presidente da APEL, João Alvim, admitiu que a organização desta edição da Feira do Livro de Lisboa foi “um desafio acrescido”, para “garantir que os visitantes se sintam seguros com todas as medidas introduzidas. As pessoas vão encontrar uma feira mais ‘arejada’, com alamedas mais amplas, um espaço pensado para obter circuitos de circulação mais fluídos”. Isso não significa, no entanto, que as iniciativas vão estar em falta — o programa desta edição conta com 800 atividades.
A Feira do Livro irá funcionar de segunda a quinta-feira, das 12h30 às 22h. À sexta e sábado fechará mais tarde (meia-noite) e ao sábado abrirá mais cedo, às 11h. No domingo, estará aberta das 11h às 11h. A Hora H, com os descontos mínimos de 50% em livros lançados há mais de 18 meses, continuará a funcionar de segunda a quinta-feira, na última hora da feira, ou seja, entre as 21h e as 22h.
Editoras desistem de apresentações devido a restrições nos auditórios
Estas restrições, necessárias em tempos de pandemia, levaram a que várias editoras decidissem não fazer as habituais apresentações e lançamentos de livros, optando por manter apenas as sessões de autógrafos, com apertadas regras de prevenção. Foi esta a decisão, por exemplo, da Tinta-da-China. A editora só vai realizar sessões de autógrafos com autores portugueses, como Ricardo Araújo Pereira, Filipe Melo ou Dulce Maria Cardoso, “com distanciamento e máscaras”, adiantou Bárbara Bulhosa ao Observador. A editora admitiu que, há cerca de dois meses, quando a realização da feira foi anunciada, “tinha pensado” que todos os lançamentos iam ser feitos no Parque Eduardo VII, o que não irá acontecer. Bárbara Bulhosa entende, no entanto, que as medidas tomadas pela APEL são necessárias.
Outras editoras optaram por não realizar qualquer tipo de evento. Foi esse o caso da 20|20, grupo editorial que agrega a Elsinore ou a Cavalo de Ferro, e da Elsinore. “Por uma questão de saúde pública e para não colocarmos autores ou pessoas em risco, não vamos ter eventos”, afirmou Joana Freitas, diretora de comunicação da 20|20, acrescentando que será colocada, junto aos pavilhões do grupo, essa mesma informação. “Não concordamos muito com a realização da feira porque, na realidade, está a acontecer numa altura de grande instabilidade. Houve outros eventos mais ou menos equivalentes que foram cancelados”, disse ainda. A 20|20 sabe que “a maior parte das editoras vão ter eventos” na Feira do Livro de Lisboa, mas mostra-se confiante com a decisão tomada. “A maior parte dos nossos autores até nos saudou a iniciativa”, admitiu a diretora de comunicação.
Também a E-Primatur optou por desistir das apresentações e sessões de autógrafos. “Em termos de apresentações, falámos com vários colegas, e chegámos à conclusão de que não faz sentido dadas as condições reais da feira. É muito arriscado”, começou por dizer ao Observador Hugo Xavier. “Sessões de autógrafos ainda pior. [Andar] a passar o livro para trás e para a frente, autores a debruçarem-se sobre o papel…”, acrescentou o editor, defendendo que existem “outras modalidades” que podiam ter sido ponderadas, nomeadamente a realização de eventos em vídeo.
A Porto Editora decidiu manter os eventos, mas reduziu-os em número e alterou as regras de funcionamento. “Vamos ter sessões de autógrafos, mas só durante o fim de semana”, explicou Paulo Rebelo Gonçalves, responsável pela comunicação do grupo editorial. “Não teremos tantos autores. Também aí tivemos de seguir a regra do bom senso: ter um número razoável de autores, mas não muitos.” A editora, que não desistiu das apresentações, espera poder realizar algumas nos auditórios disponibilizados pela organização, mas aguarda ainda uma confirmação por parte da APEL.
As sessões de autógrafos irão acontecer em dois horários e em eixos de 45 minutos com um intervalo de meia hora para higienização do local. As filas serão “perfeitamente organizadas”, respeitando o distanciamento social. “Nas sessões de autógrafos no nosso espaço, não poderá haver filas de espera como havia. É possível haver uma fila de espera curta, com distanciamento, e vamos controlar muito de perto essa situação. Chegado a um determinado limite, vamos pedir às pessoas para circularem, para não estarem ali, para evitar um ajuntamento. Temos de impor forçosamente essa regra. Não vai ser possível, como acontecia no passado, que as pessoas se sentem à mesa com os escritores, vai haver um distanciamento obrigatório de um metro e meio”, explicou o responsável.
Ao contrário de anos anteriores, os leitores não vão poder levar de casa livros para serem autografados — apenas exemplares comprados no dia da sessão de autógrafos na Feira do Livro poderão ser assinados, uma medida que se aplica tanto à Porto Editora como à Bertrand, que partilham o mesmo espaço.
Segurança é a grande preocupação: “Queremos proteger toda a gente”
A segurança dos visitantes e trabalhadores é a grande prioridade das editoras que, neste ano atípico, participam na Feira do Livro de Lisboa. Uso obrigatório de máscara e viseira por parte dos trabalhadores e a sensibilização dos visitantes são algumas das medidas tomadas pelos representantes de uma indústria em crise, que espera encontrar neste evento, realizado num período diferente e de maneira diferente do habitual e por isso com resultados inesperados, uma bóia de salvação.
No caso da 20|20, a necessidade de garantir a segurança e bem estar de todos levou a um “retrocesso” em relação a 2019. “O ano passado foi o primeiro ano em que abrimos os pavilhões. Revelou-se uma boa aposta e as pessoas gostaram”, começou por Joana Freitas. “Este ano, voltámos a fechá-los. Não vamos ter livre circulação [dentro dos pavilhões] para segurança de quem trabalha e não só.” O uso de máscara será obrigatório para todos os funcionários, “porque queremos proteger toda a gente. Sendo uma das maiores editoras, era impossível não estarmos na feira. Estando, vamos ter as maiores precauções”.
Também nos pavilhões da Tinta-da-China os trabalhadores estarão de máscara e os livros em exposição estarão forrados com papel autocolante para facilitar a desinfeção. Haverá gel desinfetante disponível e as pessoas serão alertadas que devem desinfetar as mãos antes de mexerem nos livros. A E-Primatur optou por ter um pavilhão aberto, para que os visitantes possam ver e tocar os livros sem estar junto à bancada. Os colaboradores da editora usarão luvas e máscaras e será recomendado o pagamento por contactless. “Teremos álcool em gel para toda a gente.”
Na Porto Editora, a segurança sanitária foi, desde logo, “uma preocupação grande”. “A partir do momento em que a APEL nos informou de que a Feira se ia realizar, a nossa preocupação, o nosso objetivo foi, ainda antes de decidir que autores íamos convidar, definir um plano de prevenção e segurança que desse confiança às pessoas”, começou por afirmou Paulo Rebelo Gonçalves, responsável pela comunicação do grupo editorial, ao Observador.
“Os nossos funcionários estão sensibilizados para avisarem as pessoas”, disse ainda Paulo Rebelo Gonçalves. “A circulação vai ser orientada, nas filas para as caixas vai haver regras de distanciamento e estas estarão mais distantes umas das outras. A área central do nosso espaço vai estar completamente desimpedida e à entrada dos pavilhões haverá doseadores com gel desinfetante. Vai haver muita sinalética de informação e sensibilização para as pessoas andarem com máscara”, afirmou o diretor de comunicação, acrescentando que “o acompanhamento online das sessões de autógrafos” será privilegiado. Está ainda a ser preparada uma agenda paralela online, com iniciativas relacionadas com a Feira do Livro de Lisboa. ”
Acima de tudo, o que a Porto Editora pretende é que “todas as pessoas” que vão estar no seu espaço “se sintam bem, seguras e confortáveis. É óbvio que não dominamos todas as variáveis, [a segurança] também parte muito da responsabilidade individual das pessoas que visitam a Feira do Livro, mas a nossa responsabilidade é fazer este plano de segurança”. Não podendo planear a agenda habitual, “riquíssima”, o grupo editorial está a procurar sobretudo “transmitir uma palavra de confiança aos leitores que queiram ir à Feira do Livro. O espaço da Porto Editora e da Bertrand é normalmente um espaço com bastante afluência e queremos que as pessoas saibam que temos um plano de prevenção muito detalhado”.
Uma Feira do Livro “diferente” com um impacto imprevisível
Será “uma feira forçosamente diferente”, mas “nesta altura, é muito importante que o setor do livro”, que atravessa grandes dificuldades, “tenha uma luz, mesmo que ténue, de esperança em relação ao que se está a passar”, considerou Paulo Rebelo Gonçalves. Hugo Xavier também lembrou ao Observador importância da realização da Feira do Livro de Lisboa que, apesar de acontecer numa altura atípica, se realizará no “momento possível”. “Esta é a altura possível e é a que prejudica menos toda a a gente. Estar a projetar a feira mais para a frente era estar a projetá-la para o Natal, e isso era ainda pior.” A Feira do Livro de Lisboa e o Natal são as duas datas mais importantes no calendário editorial. Também a APEL acredita que estas são as melhores datas para o evento: “Não é o período que escolheríamos, mas é uma data que nos continua a parecer boa”, admitiu Bruno Pires Pacheco.
Por se realizar numa altura que não é normal (a Feira do Livro costuma acontecer na primavera) e num contexto que também não é normal, é difícil prever como decorrerá o evento. A APEL está confiante que a Feira do Livro de Lisboa será “muito visitada”, mas os editores não estão tão certos. “É uma total incógnita”, declarou o editor da E-Primatur. Bárbara Bulhosa, da Tinta-da-China, também admitiu ter algum receio de que o público não adira e a feira acabe por não corresponder às espectativas.
“Não sei como vai ser a reação do público em geral. Na realidade, não faço a mínima ideia de como será em termos de venda”, disse ainda Hugo Xavier. “Como todos os editores, esperamos que a feira corra relativamente bem. É a boia de salvação depois do apoio ridículo da DGLAB de 1.500 euros para pagar três meses de operação de uma editora. Se a feira não correr minimamente dentro do normal, vamos ter muitas editoras pequenas e médias a fechar. Já se ouvem vários rumores nesse sentido, há muitos editores a queixarem-se.”
Para o responsável pela comunicação da Porto Editora, “considerando o que está a acontecer no setor, seria bom que a feira servisse pelo menos para reaproximar os livros das pessoas”. “Acho que é mais uma tentativa de recolocar o livro no mapa de atenção das pessoas”, afirmou.