A palavra da polémica vai em título com uma interrogação, mas perguntas foi coisa que não houve no momento em que o primeiro-ministro fez uma espécie de mea culpa, ao lado do bastonário dos médicos, depois de ter sido revelada uma conversa sua em off a chamar “cobardes” a profissionais do setor. Não pediu desculpa pela opinião revelada, nem se disponibilizou para responder a perguntas.
“Respeito, confiança”, “apreço e consideração”, “conversa franca e útil”. Foi com esta adjetivação que o primeiro-ministro tentou encerrar a polémica depois do caso deste fim de semana, em que uma opinião sua sobre o papel dos médicos no lar de Reguengos foi revelada nas redes sociais. O episódio deixou os médicos desconfortáveis e o bastonário pediu uma audiência que teve resposta pronta de Costa e realizou-se, em São Bento, esta terça-feira. O bastonário falou antes e garantiu logo que o primeiro-ministro tinha acabado de lhe transmitir “de forma clara, o respeito e confiança pelos médicos portugueses”.
A reunião foi longa e o sinal de paz entre as partes só apareceu ao fim de duas horas e meia de reunião. A mise-en-scéne em São Bento ia dando a perceber que o primeiro-ministro queria que dali saísse uma mensagem. Os jornalistas que estavam na sala de imprensa (numa cave em São Bento) preparados para as declarações que viessem a acontecer foram informados que alguém falaria, mas lá fora. O primeiro-ministro? “Não está nada previsto”, ia respondendo a assessoria. E a dada altura, no jardim da residência oficial, o mesmo local onde Costa proferiu as polémicas palavras em off, foram colocados dois microfones lado a lado. O segundo é para quem? “Para um membro do Governo”. Para o primeiro-ministro? “Para um membro do Governo.”
Da reunião saiu a indicação para os assessores de que seriam duas pessoas a falar, uma do Governo e outra da Ordem dos Médicos. O segundo microfone acabou por ser retirado, mas aí já António Costa descia a escada da residência ao lado do bastonário Miguel Guimarães. Não havia dúvidas da intenção clara de aplacar o desconforto que a frase dos “cobardes” tinha provocado entre os médicos. Falaram os dois, embora com cerimónia na escolha das palavras.
António Costa não usou a palavra “desculpa“, nem permitiu que lhe fosse feita qualquer pergunta pelos jornalistas. Os esclarecimentos entre as duas partes ocorreram em privado e o primeiro-ministro garantiu que isso aconteceu de forma “muito franca” e, já no final, virou-se para o bastonário e disse: “Espero que todos os mal-entendidos estejam esclarecidos. Acho que testemunhou de forma inequívoca o meu apreço e consideração pelos médicos portugueses e pela generalidade dos profissionais de saúde”. Caso encerrado, como diria Costa (é a frase que usa sempre para responder a qualquer polémica que o envolva). Mas ficou sem se perceber como explicou aos médicos o que disse sobre os profissionais que tinham responsabilidade sobre o lar de idosos da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, em Reguengos de Monsaraz — onde morreram 18 pessoas com Covid-19.
Sobre o caso concreto, o primeiro-ministro garantiu apenas que o Governo “desde junho teve conhecimento, agiu e reagiu à situação do lar de Reguengos”. E logo de seguida repetiu que esperava que o bastonário saísse de São Bento “sem a menor dúvida sobre consideração e apreço que tenho pelos médicos e pelo seu trabalho”.
Já o bastonário, não quis falar sobre o assunto. Disse não haver nada a acrescentar. E seguiu caminho a pedir cuidados para a época outono/inverno: “Temos de prevenir a segunda onda”. O primeiro-ministro disse depois que os cuidados integrados eram uma prioridade para o Governo e que “um idoso internado num lar não deixa de ser um cidadão português”. Saíram com o abraço da paz possível em tempo de pandemia e também possível em tempo de desaguisado público com uma acusação forte vinda da boca do primeiro-ministro sobre um setor central no combate à Covid-19.