Reduzir a emissão de gases com efeito de estufa não implica apenas a utilização de veículos eléctricos e híbridos. Passa também pela compensação de emissões: os automóveis continuam a circular ao ritmo atual, mas as empresas petrolíferas e de energia devem financiar projetos que compensam as emissões. Quem o diz é Pedro Oliveira, presidente do conselho de administração da BP Portugal.
“É claríssimo que empresas integradas de energia, como é o caso da BP, terão de ser protagonistas de primeira linha na transição energética”, afirma. “Há mais do que o peso da responsabilidade, há um peso de missão e de propósito.”
Em entrevista, Pedro Oliveira explica o que é o projeto Drive Carbon Neutral, recentemente lançado pela BP Portugal, analisa o peso da mobilidade elétrica na descarbonização e fala do papel que cabe às empresas, em geral, e às petrolíferas, em particular.
Que papel cabe às empresas na causa da sustentabilidade?
Será um papel cada vez mais relevante e material. O passado recente tem provado, e mais ainda depois da pandemia, que os Estados têm recursos limitadíssimos e não são eficientes a gerir recursos. O mundo empresarial tem mostrado que é melhor a gerir recursos. A agenda da transição energética é também, entre outras coisas, uma agenda de alocação adequada de recursos. Portanto, as empresas, sendo parte do problema têm de tomar consciência que só podem ser parte da solução, nomeadamente as da área energética.
Em concreto, como é que as empresas portuguesas entram na agenda para a sustentabilidade?
Não será um papel diferente do que têm as empresas globais, como a BP, ou as empresas de qualquer outro país. Se estivermos a falar de sustentabilidade do ponto de vista ambiental, há essencialmente três grandes linhas de emissões no mundo: área residencial, que vale cerca de 40% das emissões; a área industrial, cerca de 35%; e a mobilidade, com 25%, sendo que a mobilidade privada ou particular vale cerca de 6 % das emissões totais no mundo. A área empresarial toca de maneira intensa quase todas estas áreas, portanto tem um papel pivot na transição. O grande desafio é este: fazer a transição energética e afetar o menos possível a nossa qualidade de vida. Ou seja, fomentar a transição energética e por consequência reduzir emissões é fácil se comprometermos a qualidade de vida. Podemos parar o mundo e com isso paramos as emissões. A arte de todo este modelo reside em conseguir equilibrar a equação, que tem uma derivada a sofisticar o problema: independentemente de crises circunstanciais, é certo que o mundo vai ver a sua população aumentar cerca de 50% nos próximos anos e com isso a necessidade de energia vai crescer cerca de 30%. Temos, portanto, um desafio dual: maior necessidade de energia e necessidade de reduzir emissões.
Supõe-se que as empresas petrolíferas têm uma responsabilidade decisiva na redução de emissões de gases com efeito de estufa. A BP sente o peso dessa responsabilidade?
Há mais do que o peso da responsabilidade, há um peso de missão e de propósito. Para nós, é claríssimo que empresas integradas de energia, como é o caso da BP, terão de ser protagonistas de primeira linha na transição energética. Já agora, devo referir que não somos só uma empresa de combustíveis, temos unidades de renováveis, de gás natural, extraímos e refinamos petróleo, etc. No início deste ano, a BP foi a primeira companhia do mundo a deixar claro como se via a 30 anos de distância. O nosso CEO lançou uma comunicação, segundo a qual, a partir de 2050, a BP vai ser neutra do ponto de vista carbónico, ou mais cedo ainda. Não foram palavras de circunstância, já estamos a concretizar. A BP Portugal lançou há poucas semanas uma iniciativa única a nível mundial. Nunca uma companhia fez um exercício tão real e pragmático para reduzir emissões factualmente. Estou a falar do programa Drive Carbon Neutral, através do qual estamos a compensar as emissões de todos os nossos clientes em Portugal. Ninguém na área da mobilidade fez isto até hoje. Dizemos que é preciso “reimaginar a energia”, porque queremos introduzir inovação neste programa. Com recursos gerados pelo consumo de combustíveis fósseis, adquirimos créditos de carbono que financiam projectos de redução. Por cada unidade de dióxido de carbono que emitimos por força da utilização dos nossos produtos em Portugal, estamos a adquirir, na mesma proporção, créditos de dióxido de carbono que compensam essas mesmas emissões. Não se trata de uma redução direta das emissões, é certo, mas estamos a compensar as emissões e factualmente a reduzir uma unidade emitida de carbono com uma unidade compensada, o que neutraliza as emissões.
Ou seja, a BP está a financiar projectos que reduzem o dióxido de carbono emitido. Mas que projetos são esses?
São projectos sem fins lucrativos já hoje existentes no México, na Zâmbia, na Índia, e se possível também em Portugal. O nível de seriedade é tal que temos uma matriz para aprovação dos projetos de empresas ou organizações sem fins lucrativos que possam factualmente compensar emissões. Têm de ser projetos incrementais, ou seja, que acrescentem redução e não que já exististam; não podem ter fins lucrativos; e têm de ter uma dimensão de melhoria da qualidade de vida em comunidades ou zonas do globo com necessidades. O Programa Drive Carbon Neutral é global, no sentido em que podemos adquirir créditos de carbono e apoiar projectos em qualquer parte do mundo, mas a BP Portugal é a única empresa que está a tornar acessível este programa a qualquer cliente da marca. Isto nunca foi feito antes. Vamos conseguir retirar dois milhões de toneladas de dióxido de carbono do sistema, sendo que cada cliente emite em média cerca de uma tonelada e meia de dióxido de carbono por ano. Isto envolve recursos financeiros assustadoramente elevados e assustadoramente necessários.
Se a BP não o fizer…?
Se a BP não o fizer está a ter o mesmo comportamento de todos os outros operadores que vendem produtos que emitem. Temos obrigação de encontrar maneiras tangíveis e pragmáticas de compensar as emissões, uma vez que no caso da mobilidade ainda é difícil reduzir emissões sem comprometer a qualidade de vida das pessoas. Não é com uma agenda de veículos eléctricos que amanhã reduzimos as emissões, nem com veículos a gás natural ou hidrogénio. Essas são linhas de atuação muito respeitáveis, que demoram tempo a desenvolver e a dar resultados.
Considera a mobilidade elétrica pouco eficaz?
Não digo que não se deve recorrer à mobilidade elétrica ou a soluções de outro tipo. Deve-se, com certeza, e a virtude dessas soluções será por certo validada pelo mercado. No médio e longo prazo todas as tecnologias terão o seu espaço na área da mobilidade. O que quero dizer é que o mundo não tem tempo para esperar, logo, temos de perceber onde é possível compensar emissões já hoje. Mesmo que toda a futura necessidade de energia do mundo nos próximos 50 anos fosse garantida à força de energias renováveis, ainda teríamos de manter o consumo de cerca de 100 milhões de barris de petróleo. Ou seja, não basta, ao contrário do que se diz hoje, substituir o que existe. Seria preciso substituir o que existe e criar ainda mais 30% de capacidade através das renováveis, o que manifestamente é muito complicado. Vamos ter um peso crescente das renováveis, claro, esperamos até que possam responder às necessidades extra e canibalizar parte das fontes fósseis, mas é impensável que dentro de 30 anos o mundo tenha a capacidade de criar 130% de capacidade extra em renováveis.
Pode acontecer que os consumidores optem em massa, no curto-médio prazo, por veículos elétricos e híbridos, ou não?
Penso que não e sinceramente espero que não. Por isto: a eletricidade com que carregamos os elétricos não é necessariamente 100% limpa. Veículos elétricos 100% limpos ainda são um mito e assim continuarão até termos toda a nossa energia de origem renovável. Além disso, os veículos elétricos continuarão a ter expansão no segmento privado – digo “privado” por oposição à aviação, marinha mercante, transporte de mercadorias, etc. E, como já disse, a mobilidade privada vale apenas cerca de 6% das emissões de dióxido de carbono. Isto quer dizer que se amanhã, em teoria, todos os veículos particulares do mundo fossem elétricos, estaríamos apenas a reduzir 6% das emissões, partindo aliás do pressuposto errado de que toda a energia que alimenta os veículos elétricos é de origem renovável, o que não acontece. Não sou contra os veículos elétricos, de maneira nenhuma, mas temos de atacar em todas as frentes e com muito pragmatismo. O parque automóvel é o mais visível do ponto de vista das emissões, mas é também o menos causal. Não podemos querer resolver 100% de um problema, atuando em 6% da causa.
E se a mobilidade elétrica se estender ao transporte público de passageiros e ao transporte de mercadorias? Aí já estaremos a resolver mais do que 6% do problema.
Há barreiras tecnológicas enormes no transporte de mercadorias, de pesados ou de passageiros, porque a relação entre eficiência e peso é absolutamente decisiva. O gás natural vai ter muito mais relevância no transporte de mercadorias ou de passageiros do que a tecnologia elétrica. Já agora, quanto aos híbridos: as emissões de um híbrido a gasolina são superiores às de um veículo só a gasolina ou só a diesel, por força de uma série de tecnicismos que não vale a pena aprofundar agora. Mas os números estão aí, são conhecidos. Em situações teóricas, aquilo que estou a dizer não é linearmente verdade, mas no mundo realninguém utiliza um híbrido no quadro do que aparece descrito nos catálogos.
A BP Portugal tem estado envolvida desde 2019 com a Universidade Católica no apoio a empresas a área da economia circular. Pode explicar do que se trata?
Temos estado a falar da componente ambiental, mas a sustentabilidade vai além disso, é também consciência social e equilíbrio entre os vários interesses em questão, incluindo acionistas das empresas, consumidores, governos, por aí fora. Ora, o nosso envolvimento com a Universidade Católica deriva de acreditarmos genuinamente que para além da questão ambiental há uma derivada holística relativamente à sustentabilidade. A esfera académica pode desenvolver um papel relevante e queremos estar por detrás disso. Um mundo melhor e mais equilibrado não é só um mundo ambientalmente mais sustentável, é um mundo que incorpora os interesses de todas as partes. Isto implica a remuneração justa dos accionistas que empregam o seu capital nas empresas, implica a defesa do emprego enquanto ele for sustentável e com remuneração justa, olhar para os fornecedores das empresas como entidades que devem ser sustentáveis e não desprezadas, pensar a justa remuneração dos governos, através dos impostos. No fundo, queremos criar um grupo de estudo e de reflexão. No fundo, queremos fomentar um ecossistema de empresas sustentáveis dirigidas por modelos de gestão sustentáveis. A academia é o melhor lugar para disseminar esta abordagem mais holística.
Para terminar, quer partilhar connosco a visão sobre como é que as empresas de energia, incluindo aquelas com actividade na área petrolífera, podem contribuir para a sustentabilidade?
A indústria petrolífera, por força do papel central que sabe que tem no mundo, tem uma excelente prática: tende a replicar todos os bons processos. A indústria petrolífera é extraordinariamente eficiente, tem 100 anos de eficiência. Sempre que um concorrente avança com boas práticas, arrasta toda a restante indústria. Quando a BP anunciou que ia ser carbonicamente neutra até 2050, ou até antes, praticamente todas as outras petrolíferas vieram dizer quase a mesma coisa: a Total, a Shell, a Repsol, a Exxon. Por isso, uma das expectativas que temos com o programa Drive Carbon Neutral é que o mercado veja nesta ideia inovadora uma matriz que pode ser replicada. Não queremos que a redução de emissões através de compensação seja uma vantagem competitiva para a BP, queremos que, no limite, todas as empresas tenham condições de fazer o mesmo.
Saibe mais em Observador ECO