Não foram dez anos fáceis. É esse o balanço que Mariana Santos faz de uma década de ilustrações cunhadas pelo alter-ego Mariana, a Miserável. Recuando no tempo chegamos a uma realidade onde os territórios artísticos estavam muito demarcados e a ilustração era algo mais conservador, associada a editoriais, livros, revistas e jornais. É Mariana quem o diz, ela que começou a desenhar só porque lhe apetecia num momento “em que as coisas estavam a começar a mudar”. “Todos os ilustradores que conhecia na altura tinham outra profissão, a profissão ‘a sério'”, comenta, lembrando ainda os “pouquíssimos cursos” que existiam.
Mariana não conseguiu viver logo da ilustração e ainda hoje agradece o apoio do pai. Apesar dos sucessivos desafios, a artista nascida em Leiria, em 1986, foi abrindo um caminho “miserável”. O nome que “assusta muitas pessoas” fica facilmente no ouvido e faz jus às ilustrações cuja temática central, do ponto de vista do trabalho mais pessoal, ainda não deixou de ser a tristeza ou o choro. Nem de propósito, o primeiro livro inteiramente concebido pela artista, apresentado no sábado na portuense Ó!Galeria, chama-se “Meninos das Lágrimas”.
“O nome ‘Miserável’ acabou por ser um mote para muito trabalho pessoal. Durante estes anos desenvolvi muitas exposições e muitos desenhos. Este tema está sempre por detrás de muito do que faço. Mas é também o facto de eu gostar da honestidade sentimental, da vulnerabilidade... O mundo tende a esconder a moleza do coração. Estive estes anos todos a desenhar sobre uma coisa e agora apetecia-me desenhar gente a chorar. Daí o nome do livro”, explica, não deixando passar uma óbvia associação ao famoso quadro “O menino da lágrima”, que em tempos se multiplicou pelas casas de famílias portuguesas (e também um pouco por todo o mundo). “Encontro beleza nas coisas tristes, tal como muita gente”, diz, lembrando os desgostos amorosos que já produziram canções, filmes e livros.
À parte das lágrimas que facilmente escorrem cara abaixo das figuras de rostos desproporcionais, Mariana também produz trabalhos mais comerciais, com clientes e objetivos determinados. Projetos dos quais também retira prazer. Ainda hoje não consegue identificar um processo criativo fixo, embora aponte frequentemente ideias no telemóvel, frases que ouve das pessoas à sua volta — já dizia a avó que cada “pessoa é um mundo” — e que depois transforma em imagens. “Tenho alguns truques que vou usando porque existem deadlines, tenho uma vida de adulta, preciso de pagar contas. Às vezes tenho de provocar a musa. Há truques para que isso aconteça, mas não tenho uma coisa fixa.”
Recorrer à barreira temporal dos dez anos de trabalho que já passaram é tentadoramente fácil: serve para ilustrar a evolução da artista, que se acha mais madura e que continua a gostar de dizer que não sabe desenhar. “Não quero a responsabilidade de ter desenhos bonitos. Quanto mais errado, quanto mais feio ou quanto menos corresponder àquilo que se acha que é o ideal, melhor. Gosto desse outro lado.” As mais de 40 mil pessoas que a seguem no Instagram tenderão a concordar.
Era um sonho contribuir para a indústria da autoajuda ou até ter um consultório sentimental, mas Mariana continua a afirmar que é apenas uma pessoa “a fazer desenhos e a desvendar a vida”. “Estou muito feliz por fazer o que gosto”, desabafa, sem descurar o trabalho que a pandemia veio roubar a muitos ilustradores que, presentemente, vê passarem por dificuldades. “Sou uma privilegiada em ter trabalho, sobretudo porque vivemos num país em que não há muito dinheiro.” Atualmente, continua, há outros desafios na área, incluindo concorrência feroz, pelo que Mariana tenta dizer às pessoas que estão a começar para não olharem muito para o lado e “apenas para aquilo que querem fazer”.
A ilustradora que num mês pode estar a pintar um mural, a fazer um rótulo para um produto, uma exposição ou a lançar um livro, como é o caso de “Meninos da Lágrima”, não faz tenção de abdicar do que a faz feliz. “Vou continuar a fazer isto enquanto me der entusiasmo. E, hoje, isto dá-me o mesmo ou mais entusiasmo do que quando comecei. Aprendi muitas coisas, errei muito. Fiz coisas que não devia ter feito… as pessoas acabam por aprender. Mas que se mantenha o entusiasmo em criar, em fazer coisas novas, em ter ideias.” Afinal, de miserável não tem assim tanto.