As tensões entre a Arménia e o Azerbaijão escalaram este domingo depois de os dois países se terem atacado mutuamente na região de Nagorno-Karabakh, há muito fonte de conflito entre arménios e azeris. O primeiro-ministro arménio garantiu que estão “à beira de uma guerra” que  pode vir a estender-se para lá do Cáucaso, enquanto o seu homólogo azeri declarou que “não vai entregar as suas terras a ninguém”.  Os combates deste domingo entre o Azerbaijão e as forças separatistas apoiadas pela Arménia, em Nagorno-Karabakh, fizeram pelo menos 23 mortos, incluindo sete civis, de acordo com informações de ambas as partes.

Entretanto, a União Europeia já apelou ao fim do conflito, a Turquia anunciou apoio ao Azerbeijão e a Rússia e o Irão ofereceram-se para mediar o conflito. Putin até já ligou para o governo arménio a pedir o fim das hostilidades. A ONU também já instou os países a procederem a um “cessar-fogo imediato”.

As 23 mortes é o número mais “negro” desde 2016 como resultado deste conflito que já dura há mais de 30 anos. As autoridades do território anunciaram a morte de 16 soldados separatistas, além de uma mãe e um filho, enquanto o Azerbaijão, não quis revelar o número de baixas militares, mas anunciou a morte de cinco civis. “Após o fogo de artilharia (de separatistas arménios em Karabakh), uma família de cinco pessoas morreu na vila de Gachalty”, disse a Procuradoria-Geral do Azerbaijão em comunicado.

Este é o número mais alto de mortes desde 2016, depois dos confrontos entre os beligerantes terem atingido cerca de 100 mortos no total. Na altura, as hostilidades fizeram recear uma guerra aberta entre o Azerbaijão e a Arménia pelo controlo do enclave de Nagorno Karabakh.

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Apesar de reconhecida internacionalmente como parte do Azerbaijão (Nagorno-Karabakh fica dentro dos limites do território azeri), a região é controlada por uma maioria étnica arménia.

Em comunicado, o Ministério da Defesa arménio anunciou que o seu exército destruiu três tanques, dois helicópteros e três drones azeris em resposta a um ataque levado a cabo pelo Azerbaijão durante a manhã deste domingo contra alvos civis, incluindo contra a capital de Nagorno-Karabakh, Stepanakert. “A nossa resposta será proporcional”, declarou o ministério em relação ao ataque do Azerbaijão, acusando o país de ter “total responsabilidade pela situação”, citou a Reuters.

O Azerbaijão negou as declarações do Ministério da Defesa arménio, acusando a Arménia de atacar as suas posições na fronteira. Hikmet Hajiyev, conselheiro do Presidente azeri, Ilham Aliyev, garantiu que o exército arménio lançou ataques “deliberados” ao longo da fronteira de Nagorno-Karabakh com o país. De acordo com o Ministério da Defesa azeri, as tropas arménias atacaram posições civis ao longo da “linha de contacto”, uma zona de minas que separa as duas forças militares, resultado na morte de algumas pessoas e na destruição de infraestruturas.

Segundo a BBC, Ministério da Defesa azeri admitiu a destruição de um helicóptero e de 12 sistemas de defesa aéreos, mas negou as outras perdas referidas pela Arménia. A tripulação que seguia na aeronave terá sobrevivido.

Numa intervenção no Conselho de Segurança das Nações Unidas, este domingo, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliev, adiantou que o ataque levado a cabo a partir de Nagorno-Karabakh provou a morte de “vários” cidadãos, sem avançar números.

Em resposta ao ataque arménio, o exército azeri lançou uma “contra-ofensiva ao longo da fronteira para suprimir a atividade de combate das forças armadas da Arménia e para assegurar a segurança da população civil”.

Nações Unidas pedem o “cessar fogo imediato”

Entretanto, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, instou este domingo o Azerbaijão e as forças separatistas de Nagorno-Karabakh, apoiadas pela Arménia, a “cessar imediatamente os combates” na região disputada, palco dos piores confrontos desde 2016.

O principal dirigente da ONU “exorta firmemente as partes a cessarem imediatamente os combates, iniciarem uma desaceleração das tensões e regressarem sem demora a negociações significativas”, segundo um comunicado do seu porta-voz, Stéphane Dujarric.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla em inglês), por sua vez, apelou também a um cessar “imediato” das hostilidades no território separatista de Nagorno-Karabakh, disputado pela Arménia e pelo Azerbaijão, e a que as partes retomem as negociações para resolver o conflito.

“A NATO está profundamente preocupada com os relatos sobre as hostilidades em grande escala na linha de contacto na zona de conflito de Nagorno-Karabakh”, disse num comunicado o representante especial para o Cáucaso e a Ásia Central do secretário-geral da organização, James Appathurai.

O representante especial insistiu ainda em que as partes “deveriam cessar imediatamente as hostilidades, que já causaram vítimas civis”.

“Não há solução militar para este conflito. As partes devem retomar as negociações para uma resolução pacífica”, sublinhou, assegurando ao mesmo tempo que a NATO apoia os esforços do Grupo de Minsk da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), constituído pela Rússia, Estados Unidos e França.

Primeiro-ministro arménio diz que países estão “à beira de uma guerra” que pode estender-se para além do Cáucaso

O primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinian, classificou os ataques do Azerbaijão como uma declaração de guerra. “O regime autoritário [do Azerbaijão] declarou novamente a guerra ao povo arménio”, afirmou, num discurso transmitido pela televisão estatal arménia. Pashinian considerou que dos dois países estão “à beira de uma guerra de envergadura”, que terá “consequências imprevisíveis” e que poderá estender-se para além do Cáucaso.

Na sua intervenção, de sete minutos, o primeiro-ministro disse que o país está “pronto” para um conflito, indicando “ser claro” que o ódio propagado contra os arménios no Azerbaijão “não podia dar outro resultado que não a guerra”.

O governante pediu à comunidade internacional que intervenha no conflito e que previna uma escalada de hostilidades na região. “Há vítimas mortais e feridos também entre a população civil. Ao utilizar armamento pesado, o inimigo ataca as posições do Exército perto de Artaj [nome arménio de Nagorno-Karabakh) em todas as direções”, referiu.

Pashinian apelou diretamente ao Grupo de Minsk, composto por Estados Unidos da América, França e Rússia, da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa para mediar o conflito em Nagorno-Karabakh e também a “toda a comunidade internacional” para que “leve a sério” a situação.

“Não entregaremos a nossa terra”, garante primeiro-ministro do Azerbaijão

Na sua intervenção no Conselho de Segurança das Nações Unidas, Ilham Aliev garantiu que o Azerbaijão “não vai entregar as suas terras a ninguém” e que irá “restaurar a justiça histórica”. “Estamos na nossa terra. Não queremos a dos outros. Mas a nossa não a entregaremos a ninguém”, disse o presidente

Este domingo, mas já num discurso perante a cúpula militar, Aliev insistiu que o conflito no enclave separatista “não pode ter meias soluções”. “Nunca permitiremos a criação do assim chamado ‘segundo Estado arménio’ em território do Azerbaijão. E os êxitos [na esfera militar] são prova disso”, referiu, lembrando que Nagorno-Karabakh é uma “questão histórica” para o país.

“Já o disse muitas vezes e hoje repito-o: devemos fazê-lo de tal maneira para que o povo azeri fique satisfeito. Temos de restabelecer a justiça histórica e temos de o fazer para restaurar a integridade territorial do Azerbaijão”, frisou ainda.

Lei marcial em todo o Azerbaijão e mobilização da população masculina em Nagorno-Karabakh

Na sequência do escalar das tensões, o governo de Nagorno-Karabakh anunciou este domingo a introdução de lei marcial e a total mobilização da população masculina. Nikol Pashinian fez, através do Facebook, um apelo à “mobilização militar geral”, pedindo que “o pessoal ligado às forças armadas a apresentar-se nas suas comissões militares territoriais”.

Na mesma comunicação ao país, o primeiro-ministro arménio explicou ter decretado a lei marcial e a mobilização geral porque o Azerbaijão “pode começar com ações militares em direção à fronteira” com a Arménia e “recorrer a provocações para desestabilizar a situação na região”.

Pouco depois o Azerbaijão declaro a lei marcial em todo país, bem como o recolher obrigatório na capital, Baku, e em várias outras cidades importantes, após a escalada de violência entre separatistas de Nagorno-Karabakh apoiados pela Arménia e as forças azeris.

“A lei marcial será introduzida a partir da meia-noite, bem como o recolher obrigatório das 21:00 as 18:00 do dia seguinte”, em Baku e noutras cidades importantes do pais, bem como em áreas próximas da linha de frente de Karabakh, afirmou o porta-voz da presidência do Azerbaijão, Hikmet Hajiyev.

União Europeia, França, Alemanha e Rússia apelam ao fim do conflito

O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo apelou a um imediato cessar-fogo e ao início de conversações para resolver a situação na região. “A situação na zona de Nagorno-Karabakh deteriorou-se consideravelmente e instamos as partes a respeitarem um cessar-fogo imediato e a darem início a negociações com o objetivo de estabilizar a situação”, indicou em comunicado.

Alemanha e França mostram-se igualmente preocupados com a situação, com o governo francês a afirmar-se “muito preocupado” com a situação.

Em Bruxelas, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, também se manifestou sobre as “informações sobre as hostilidades” em Nagorno-Karabakh, que considerou “fonte das mais graves inquietações”. “A ação militar deve cessar imediatamente, para impedir qualquer escalada [da violência] A única via possível é um regresso imediato às negociações, sem quaisquer pré-condições”, frisou, através do Twitter.

O Presidente russo, Vladimir Putin, apelou também ao fim das hostilidades no enclave separatista arménio de Nagorno-Karabakh, numa conversa telefónica com o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinian. “Todos os esforços devem ser feitos agora para evitar uma nova escalada do conflito, sendo fundamental a suspensão das ações militares”, afirmou Putin, citado pelo Kremlin em comunicado sobre os assuntos discutidos com o primeiro-ministro arménio, no qual se refere que a Rússia expressou “grande preocupação”. A Rússia já se ofereceu para mediar o conflito, mas não foi o único país a fazê-lo.

Irão oferece-se para mediar conflito e apela ao fim do confronto

O Irão também apelou ao fim da confrontação militar entre a Arménia e o Azerbaijão no enclave azeri de Nagorno-Karabakh e manifestou-se disposto a mediar o conflito entre os dois países vizinhos.

Os dois países, ambos com quem o Irão tem fronteira e com quem Teerão mantém boas relações, entraram este domingo num conflito militar onde ainda está por esclarecer quem deu início às hostilidades ou quantas pessoas, militares e civis, foram vítimas.

Num comunicado, citado pela agência noticiosa oficial Irna, o Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano afirma “seguir de perto” e “com preocupação” as hostilidades entre as duas partes e convidou as autoridades arménias e azeris a darem provas de contenção e a cessarem os confrontos para que se possa abrir uma ronda de negociações de paz.

“[O Irão] Está pronto para utilizar todas as suas capacidades para se estabelecer um cessar-fogo e para se iniciar negociações entre as duas partes”, assegura o Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano.

Turquia manifesta “apoio total” ao Azerbaijão. Primeiro-ministro arménio pede a comunidade internacional que desencoraje turcos

A Turquia manifestou “apoio total” ao Azerbaijão na disputa contra a Arménia, disponibilizando quaisquer equipamentos militares que o país venha a solicitar. Em resposta a esta declaração, o primeiro-ministro arménio apelou  à comunidade internacional que use a sua influência para desencorajar os turcos no apoio à causa azeri.

A região de Nagorno-Karabakh, outrora território azeri, não é dominado pelo Azerbaijão desde o fim da guerra, em 1994. O conflito entre as duas partes data dos tempos soviéticos, quando, em finais dos anos 80, a população de Nagorno-Karabakh, povoado maioritariamente por arménios, pediu para este ser incorporado na vizinha Arménia.

Foi este o mote para a guerra, que durou vários anos e que fez cerca de 25 mil mortos. No final do conflito, as forças arménias assumiram o controlo da região, embora o Azerbaijão mantenha uma forte presença militar ao longo da zona desmilitarizada que separa a região do resto do país.

O Azerbaijão defende que a solução para o conflito envolve necessariamente a libertação dos territórios ocupados, uma exigência que tem sido apoiada por várias resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A Arménia, por seu turno, apoia o direito à autodeterminação de Nagorno-Karabakh.