Uma das maiores pedras no caminho da negociação do Orçamento à esquerda, nomeadamente do BE, é o Novo Banco e novas injeções de capital do Fundo de Resolução na instituição — a deste ano ultrapassou os mil milhões. O partido recusa que o Estado continue a financiar o banco e, perante a impossibilidade de chegar a um acordo satisfatório no imediato para este assunto, o Governo optou por deixar o Novo Banco fora do Orçamento. Mas a solução encontrada pelo Executivo socialista está muito longe de satisfazer as pretensões do Bloco e pode, caso Catarina Martins não recue nas exigências que fez, comprometer as negociações. Pelo menos, é isso que vão jurando os bloquistas.

A ideia do Governo é que na proposta fique de fora a referência ao empréstimo ao Fundo de Resolução que tanto incomoda  o Bloco pelo potencial impacto que pode ter nos bolsos do contribuintes. “O Governo já tornou claro, e público, que o Orçamento não conterá um cêntimo de empréstimo ao Fundo de Resolução. Nessa medida, é efetivamente uma questão que não se colocará no Orçamento“, explica um governante ao Observador quando confrontado com as declarações do Presidente da República este fim de semana.

O Governo colocou em cima da mesa a hipótese de ter a banca comercial a financiar o Fundo de Resolução, mas a ideia do Bloco de Esquerda é outra: ter a banca a injetar diretamente capital no Novo Banco, em vez de o fazer através do Fundo de Resolução.

O objetivo é empurrar para o Fundo de Resolução a solução para o problema de financiamento que vier a ter. Caberá ao Fundo e o Banco de Portugal encontrarem uma alternativa de financiamento, depois de o Governo fechar a torneira do Estado neste Orçamento que aí vem. E a solução — em cima da mesa estão empréstimos da banca ao Fundo de Resolução — poderá será encontrada mais à frente.

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Mas esta solução não deixa o Bloco satisfeito, porque que considera que mesmo esta referência é inaceitável, já que isso quer dizer que o Fundo de Resolução vai continuar a financiar o Novo Banco, daí que tenha que estar inscrito um compromisso de despesa do Orçamento para 2021. Do lado do Governo argumenta-se com a impossibilidade técnica de retirar uma entidade pública, como o Fundo de Resolução, do Orçamento.

Banca a meter capital no Novo Banco. Solução proposta pelo Bloco teria de passar pelo BCE

Percebe-se, assim, o plano que já há muito vinha sendo desenhado no Governo. Na sexta-feira passada, Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, garantiu que o “Estado não irá colocar um euro de dinheiro público no Novo Banco“. Mais tarde, Marcelo Rebelo de Sousa veio reforçar a ideia de que o Novo Banco “não é um tema do Orçamento para 2021”. “Será um tema que a Assembleia da República debaterá à parte, autonomamente. Até porque existe, salvo erro, legislação sobre essa matéria”. Uma referência, na interpretação do Governo, que dirá respeito à lei da transparência na banca, que foi aprovada no Parlamento contra a vontade do PS, e que define como e quando se fazem auditorias no setor e que a escolha do auditor é do Banco de Portugal.

“[O Novo Banco] é um problema que se colocará, provavelmente, se for essa a vontade dos partidos, a seguir ao Orçamento para 2021, mas não dentro do Orçamento para 2021, do que tenho percebido”. Sobre esta parte, o Governo não arrisca interpretação, até porque já tem a resposta pronta no Orçamento para 2021. A única referência ao Fundo de Resolução aparecerá nas tabelas anexas ao Orçamento onde tem de constar a previsão de receitas e despesas de cada uma das entidades que fazem parte do perímetro do Estado, confirma ao Observador fonte do Executivo.

Ficar fora, mas dentro em dois capítulos

Quando explicou os contornos da operação de venda do Novo Banco logo em 2017, Mário Centeno (então ministro das Finanças), reconheceu que o Orçamento do Estado teria de prever todos os anos uma verba para cumprir os compromissos assumidos no quadro desta operação. Esta era uma consequência do acordo quadro assinado entre o Estado e o Fundo de Resolução pelo qual o primeiro se compromete a financiar o segundo até ao máximo de 850 milhões de euros por ano, para cumprir as responsabilidades de capitalização do Novo Banco.

E assim foi desde o Orçamento de 2018 até ao de 2020. Todos contemplaram uma verba para o Novo Banco, até porque esse valor teria de ser em parte financiado com um empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução.

No Orçamento do Estado de 2020, ainda da responsabilidade de Mário Centeno, o Governo inscrevia a recapitalização do Novo Banco no quadro das medidas temporárias de despesa que teriam impacto no saldo das contas públicas com uma estimativa de 600 milhões de euros. Acabou por ser quase o dobro, mais de mil milhões de euros. Mas ainda que a previsão do valor pecasse por defeito, a operação estava explicitamente referida no documento que ao ser aprovado também a aprovou.

A proposta de Orçamento inclui também o empréstimo que o Estado espera fazer ao Fundo de Resolução para responder a este compromisso até ao máximo de 850 milhões, operação que está contabilizada na despesa em ativos financeiros. E esta será, então, a única rubrica — e significativa — que pode desaparecer do Orçamento do Estado, no caso de se confirmar a alternativa de que serão os bancos a emprestar ao Fundo em vez do Estado.

Tabela do Orçamento de 2020 onde está inscrito limite do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução para capitalizar Novo Banco

Já a intervenção financeira do Fundo de Resolução terá de continuar a constar nos quadros da proposta. Em primeiro lugar, na tabela que quantifica as medidas do lado da despesa que têm impacto no défice, e onde entra a injeção de capital no Fundo de Resolução, ainda sob a forma de previsão. Isto porque o Fundo de Resolução é uma entidade que está no perímetro das contas públicas, pelo que qualquer saída de fundos para entidades privadas, como o Novo Banco, vai ao défice público, mesmo que o financiamento dessa operação seja feita por privados via empréstimo. E a proposta orçamental para 2021 deverá incluir uma previsão para as necessidades de capital do Novo Banco, se estas forem asseguradas pelo Fundo de Resolução.

Tabela do Orçamento de 2020 que quantifica impacto de medidas no saldo das contas públicas

Pela mesma razão, as tabelas divulgadas em anexo sobre as despesas e receitas previstas pelos serviços e fundos autónomos do Estado também consideram o gasto que o Fundo de Resolução terá com o Novo Banco, bem como — do lado da receita — a estimativa do empréstimo que receberá para fazer face a esse gasto.

Para sair do Orçamento e sobretudo das contas do défice, como exigiu na semana passada o Bloco de Esquerda, a solução para o Novo Banco teria de passar por retirar o Fundo de Resolução da equação e transferir para entidades privadas a responsabilidade — o Bloco sugeriu que a injeção de capital fosse diretamente feita pelos bancos em vez de indiretamente via empréstimo.

Mas este cenário, para além de exigir uma grande reformulação ao quadro jurídico em vigor e aprovações europeias, poderia ainda ir ao Orçamento do Estado, no caso de estar envolvida uma garantia pública que também teria de ser aprovada, ainda que não de forma explicitada e sem ter impacto imediato no défice. Quando a banca emprestou dinheiro ao Banco Privado Português no início da crise financeira em 2008, beneficiou de uma garantia pública que acabou por ser executada por incumprimento, o que levou a operação entrar no défice.