Eram sete da manhã em Cambridge, Massachusetts, quando Louise Glück, acabada de acordar, recebeu um telefonema do secretário permanente da Academia Sueca para a informar de que tinha sido laureada com o Prémio Nobel da Literatura. A poeta não se lembra do que respondeu a Mats Malm, mas lembra-se de ter duvidado que fosse verdade (não seria a primeira vez que um escritor recebia um telefonema falso, como aconteceu em 2019 com John Banville). “Acho que não estava preparada.”

Passava pouco das sete quando foi pedida a Louise Glück uma primeira reação. Ao telefone com a Academia, a antiga Poeta Laureada dos Estados Unidos da América parecia ainda em choque e sem saber o que responder às perguntas que lhe eram feitas. “É demasiado novo, não sei mesmo o que significa”, afirmou, revelando que ia usar o dinheiro para comprar uma casa em Vermont. “Em termos práticos, quero comprar uma casa em Vermont. Tenho um apartamento em Cambridge e pensei, bem, agora posso comprar uma casa”, admitiu a autora, de 77 anos, esta quinta-feira.

Poeta norte-americana Louise Glück vence Prémio Nobel da Literatura

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Foram precisas algumas horas para Glück conseguir processar o que lhe tinha acontecido. Em entrevista ao The New York Times, mais tarde nesse mesmo dia, a escritora mostrou-se ainda com dificuldades em compreender porque é que os membros da Academia Sueca a tinham escolhido. Ela que é branca e dos Estados Unidos, um país não tido em muito boa consideração nos dias de hoje e que já recebeu “os prémios todos”.

“Fiquei completamente pasmada que tivessem escolhido um poeta lírico branco americano. Não faz sentido nenhum. Agora a minha rua está cheia de jornalistas”, disse, esta quinta-feira, ao New York Times. “As pessoas dizem-me que sou muito humilde. Não sou humilde. Mas pensei, venho de um país que agora não é tido em muito boa conta e sou branca e ganhámos os prémios todos. Parecia-me muito pouco provável que tivesse de lidar com este evento específico na minha vida.”

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A casa de Louise Glück em Cambridge, Massachusetts. “Agora a minha rua está cheia de jornalistas”, lamentou-se (JOSEPH PREZIOSO/AFP via Getty Images)

Louise Glück lançou o seu último livro, Faithful and Virtuous Night, pelo qual recebeu o National Book Award, um dos mais importantes galardões literários norte-americanos, em 2014. E agora, ao fim de quatro anos de trabalho, prepara-se para lançar uma nova coletânea de poemas, sobre “cair” e sobre o “luto”, temas presentes noutras obras suas e que sempre a preocuparam, como admitiu ao New York Times. Mas a perspetiva com que os aborda é agora diferente.

“Escrevo sobre a morte desde sempre. Quando tinha dez anos, escrevia sobre a morte. Sim, era uma rapariga alegre. Envelhecer é mais complicado. Não é apenas o facto de nos aproximarmos da morte, são as dificuldades com que nos deparamos. A graça física e a força e agilidade mentais — essas coisas são comprometidas ou ameaçadas. É muito interessante pensar sobre isso e escrever sobre isso.”

“Penso que escrevo sobre a mortalidade porque foi um choque terrível para mim descobrir na minha infância que isto não dura para sempre”

Descrita como uma poeta que se inspira na sua própria vida e memória, Glück explicou que procura sempre por uma “experiência” que seja “arquetípica”, pois assume sempre que as suas “batalhas e alegrias” não são únicas. “Parecem únicas quando as experiencio, mas não estou interessada em fazer com que o foco caia sobre mim e sobre a minha vida particular, mas antes nas batalhas e alegrias dos humanos, que nascem e são obrigados a existir. Penso que escrevo sobre a mortalidade porque foi um choque terrível para mim descobrir na minha infância que isto não dura para sempre.”

Para falar dessas “batalhas e alegrias” humanas, Glück inspira-se muitas vezes na mitologia clássica. O interesse nos mitos clássicos começou na infância — os seus “pais visionários” costumavam ler-lhe as histórias dos deuses da antiguidade. Quando aprendeu a ler, continuou a explorar esse universo: “As figuras dos deuses e heróis eram mais vividas do que qualquer outra criança no bairro em Long Island”, onde cresceu. “Não era como se estivesse a basear-me nalguma coisa que adquiri mais tarde na vida para dar ao meu trabalho algum tipo de verniz de aprendizagem. Estas eram as minhas histórias para adormecer. E certas histórias ficaram comigo, especialmente a de Perséfone”, afirmou.

Leia aqui dois poemas de Louise Glück, Prémio Nobel da Literatura de 2020

“Escrevo alternadamente sobre ela há 50 anos. Acho que também fui apanhada numa luta como a minha mãe, como todas as raparigas ambiciosas. Acho que esse mito em particular me deu um novo aspeto para essas lutas. Não quero dizer que foi útil na minha vida do dia a dia. Quando escrevi, em vez de me queixar sobre a minha mãe, queixava-me sobre Deméter.”

No final da entrevista, a nova Prémio Nobel da Literatura mostrou-se surpreendida por ter falado tanto quando, no início, achou que não tinha nada para dizer. Questionada sobre se queria acrescentar mais alguma coisa, disse apenas: “A maioria das coisas que tenho para dizer é transformada em poemas. O resto é só entretenimento”.