O PCP quer que seja adiada a apreciação e votação parlamentar da proposta de lei que transpõe uma diretiva europeia sobre serviços audiovisuais, agendada para terça-feira, e que terá implicações nos financiamentos ao cinema e audiovisual.
O grupo parlamentar do PCP entregou esta segunda-feira um requerimento, com caráter de urgência, à Comissão de Cultura e Comunicação para que a discussão e votação da proposta de lei 44/XIV, agendadas para terça-feira, sejam adiadas para depois “do processo relativo ao Orçamento do Estado para 2021”.
No mesmo requerimento, o PCP apela a uma audição pública sobre esta proposta de lei, “aberta não só às entidades da área do Cinema, mas também à participação individual”.
“Durante o final de semana foi pública e notória a posição de múltiplas entidades e personalidades do cinema português que se manifestaram contra a realização do processo de votação na especialidade da PPL 44/XIV”, escrevem as deputadas Ana Mesquita e Diana Ferreira no requerimento.
As duas deputadas sustentam ainda que, nos trabalhos parlamentares sobre aquela proposta de lei, os vários grupos parlamentares assinalaram “a complexidade da matéria em causa e a necessidade de tempo para o desenrolar do trabalho e para a elaboração de propostas”.
“Facto é que continuam a chegar opiniões díspares, colocando problemas complexos, alertando para consequências graves de algumas das medidas previstas e/ou propostas”, lê-se no requerimento.
O requerimento do PCP surge na sequência da divulgação, durante o fim de semana, de três cartas abertas e vários comunicados de representantes do cinema e audiovisual – uns contra e outros a favor – sobre o processo legislativo em curso e sobre as opções estratégicas do governo para o setor.
Em causa está a transposição de uma diretiva europeia, de 2018, que tem como objetivo regulamentar, entre os Estados-membros, a atividade dos serviços de televisão e dos serviços audiovisuais a pedido, conhecidos como VOD (‘video on demand’), como as plataformas Netflix, HBO e Amazon.
A transposição daquela diretiva europeia para o contexto português implica alterações – incluídas na proposta de lei em discussão e votação – que terão consequências no financiamento do cinema e audiovisual.
Depois de ter sido aprovada na generalidade em julho, a proposta de lei desceu à Comissão parlamentar de Cultura e Comunicação, num processo legislativo que – interrompido no verão com as férias parlamentares – contou até há poucos dias com um total de 13 audições de entidades, receção de quase 50 contributos e apresentação de propostas de alteração pelo PS, PSD, PCP, Bloco de Esquerda e CDS-PP.
Enquanto decorre este processo – que o PCP e várias associações de produtores, realizadores, festivais e dois sindicatos querem adiar -, o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, e a direção do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) tentaram apresentar, na sexta-feira passada, numa reunião com vários parceiros do setor, um primeiro passo do próximo plano estratégico, de 2021-2025.
A elaboração deste plano estratégico foi atribuída à consultora britânica Olsberg SPI, presente na reunião de sexta-feira, e que iria explicar, em inglês, a metodologia e calendário de trabalho, o que causou discordância e polémica entre representantes, levando à suspensão do encontro.
O setor está dividido em relação a esta matéria e manifestou-se publicamente no fim de semana com cartas abertas e comunicados para a comunicação social.
A Plataforma de Cinema, que fala em nome de mais de uma dezena de associações, festivais e dois sindicatos, pediu a demissão de Nuno Artur Silva por “delegar numa empresa privada inglesa a definição das políticas públicas para o setor” e apelou a um adiamento da votação da proposta de lei 44/XIV por “manifestamente não existirem condições para levar a cabo de forma séria tal tarefa”.
Os festivais DocLlisboa, IndieLisboa, Curtas de vila do Conde, a agência Portugal Film e o sindicato Cena-STE integram esta plataforma.
Foi ainda divulgada uma carta aberta, assinada por cerca de 300 pessoas, intitulada “Governo português anuncia a morte do cinema português”, apelando a “uma apreciação séria e suficientemente informada para transpor para a Lei Portuguesa uma Diretiva que a grande maioria dos países europeus ainda não legislou”.
Entre os signatários estão nomes como os realizadores, Pedro Costa, Pedro Pinho, João Salaviza e os atores Nuno Lopes e Beatriz Batarda.
Noutra carta aberta, mais de uma centena de outros realizadores, produtores e argumentistas e mais de vinte produtoras de cinema e televisão sublinham a importância daquela diretiva europeia e a necessária aprovação da proposta de lei.
“Representa uma verdadeira oportunidade para o audiovisual e o cinema português, essencialmente por dois motivos: primeiro, porque o custo operativo do ICA será incorporado no orçamento geral do Estado; e segundo, e não menos importante, porque vem aumentar as fontes de financiamento do setor”.
Esta carta aberta é assinada, entre outros, pelas produtoras Ana Costa, Ana Torres, Pandora da Cunha Telles, pelos realizadores Joaquim Leitão e Sérgio Graciano, pelos argumentistas Tiago R. Santos, Nuno Markl e João Tordo e pelas produtoras SPI, Bro, Até ao Fim do Mundo e David & Golias.
A Associação de Produtores Independentes de Televisão (APIT) apela à conclusão do processo legislativo sobre a diretiva europeia porque “é uma verdadeira oportunidade para o desenvolvimento do setor, na medida em que permite alargar as obrigações de investimento aos novos serviços – como a Netflix, HBO, a FOX ou AXN, entre outros -, os quais passarão a investir em produção portuguesa”.
À agência Lusa, o secretário de Estado Nuno Artur Silva afirmou no domingo que com a aprovação daquela proposta de lei, o ICA terá mais maior capacidade de financiamento ao setor e que esclareceu que é este instituto que fará o plano estratégico, com o apoio de uma consultora inglesa, que “tem grande experiência no setor em diferentes países europeus”.