Vítor Dias é informático, do Porto, e até acreditava na importância da aplicação de rastreio do novo coronavírus, a StayAway Covid, quando testou positivo e quis fazer a sua parte. A história é contada este domingo pelo Jornal de Notícias, e mostra um exemplo do que tem acontecido a muitos. Vítor teve de esperar 18 dias até que os médicos lhe dessem um código e, como a aplicação alerta as pessoas com quem esteve nos últimos 14 dias, o resultado é óbvio: “Não serviu de nada”.

Também o jornal Público, no sábado, dava conta de caso semelhante: Filipe, de Setúbal, defendia o uso da aplicação e quando foi diagnosticado não conseguiu introduzir o código no sistema. Porquê? Porque ninguém, nem a Saúde 24, nem o laboratório onde fez o teste, nem o centro de saúde, sabiam como gerar o código — ou quem é que o devia fazer. Passaram mais de 14 dias e o resultado foi o mesmo: não serviu de nada.

Filipe diz que a linha SNS24 remeteu a questão do código para o delegado de saúde, mas o delegado de saúde só ligou sete dias depois e não falou em código nenhum. Vítor testou positivo a 25 de setembro e procurou no PDF do resultado do teste se estava lá o código, mas não estava. Pediu à médica do centro de saúde “insistentemente”, mas a médica “queixava-se de que não conseguia gerar o código no sistema”.

A opinião destes dois utilizadores é a mesma: não faz sentido falar em “obrigatoriedade” se a aplicação não funciona bem na prática. De acordo com dados do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), citados pelo JN este domingo, até ao momento foram gerados apenas 740 códigos pelos médicos e foram introduzidos apenas 216. Isto pressupõe uma atuação em duas frentes: primeiro, sensibilizar e informar os médicos, depois sensibilizar e informar as pessoas — que é o que o Governo tem feito com António Costa a apelar sistematicamente ao uso da aplicação.

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Criadores da app estão “desconfortáveis” e “incrédulos”. Obrigatória? “Não é exequível”, garantem

Nos últimos dias, desde que, na quarta-feira, Costa anunciou após reunião do Conselho de Ministros que o Governo iria dar entrada na Assembleia com uma proposta de lei para tornar obrigatório o uso da aplicação de telemóvel, o primeiro-ministro tem-se desdobrado em explicações sobre os “equívocos” da aplicação. Ainda este sábado, numa conversa com militantes do PS, transmitida online, voltou a dizer que a proposta de obrigatoriedade foi “mal compreendida” e disse que o debate estava a ser feito em sede própria, na Assembleia da República.

Já antes, à margem de uma conferência de imprensa em Bruxelas, tinha procurado desmistificar os “equívocos” da aplicação, dizendo que era anónima, que não usava dados de geolocalização, que ninguém vigiava ninguém, e que os dados não eram armazenados. Mas depressa o debate escalou e até os próprios criadores da app dizem ao Observador estar “desconfortáveis” com a obrigatoriedade do seu uso. “Não é exequível”, dizem.

“Sem evidência científica sólida.” Ordem dos Médicos contra app de rastreio obrigatória

Este domingo foi a vez da Ordem dos Médicos mostrar-se cética: diz que medida é “irrealista” e que não existe evidência científica de que usar uma app de rastreio contribua para a diminuição da incidência de Covid-19.