O Ministério das Finanças confirmou que o orçamento do Serviço Nacional de Saúde em 2021 vai ascender a 12,1 mil milhões de euros. Numa longa resposta ao Observador, o gabinete de comunicação das Finanças revela ainda que o valor previsto para o SNS no OE2020 Suplementar era de 11,3 mil milhões de euros. Foi com base nestes dois valores que António Costa disse na terça-feira que a proposta de Orçamento do Estado para 2021 inclui um reforço do SNS de 805 milhões de euros. Mas nenhum destes valores consta do relatório que acompanha a proposta de OE que foi entregue para análise pelos deputados e que está a ser votada esta quarta-feira.

No relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado para 2021, o Governo tem apenas os valores para toda a Saúde — no qual o SNS tem um peso superior a 95%. Ou seja, o executivo não explicita no documento os números totais do SNS, o que motivou críticas (especialmente do Bloco de Esquerda) sobre os sucessivos números que o Governo ia dando para o reforço do sistema público de saúde. As Finanças afirmam na nota enviada ao Observador que o orçamento de despesa no Serviço Nacional de Saúde” não consta do Relatório do OE porque, de facto, foi mantida a metodologia dos últimos anos”.

Sobre os números que surgem no Orçamento Suplementar – essenciais para se perceber a variação anual – também há novidades: os números que as Finanças agora apresentam também são “inéditos”. Como dizem as Finanças: “Não constam porque, tratando-se de um OE suplementar, a informação é apresentada de forma diferente”. O relatório do Suplementar tem 21 páginas, contra as mais de 300 que os Orçamentos do Estado costumam ter. Mas também não constam dos quadros de despesa que acompanham o suplementar.

No quadro seguinte, que consta da nota enviada, o Ministério das Finanças mostra que o orçamento para 2021 é superior ao que estava previsto tanto no OE Suplementar (11,3 mil milhões) como no OE2020 (10,9 mil milhões). O bolo total em 2021 ascende a 12,1 mil milhões, dos quais 10,4 mil milhões advêm de receita com impostos (RI). Os restantes 1,6 mil milhões de euros têm outra proveniência, incluindo de fundos comunitários.

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Orçamento do SNS. Fonte: Ministério das Finanças

As contas da Saúde têm estado envoltas em polémica, com muita confusão, sobretudo porque às perguntas do Bloco de Esquerda no Parlamento — limitadas às transferências do Estado para o Serviço Nacional de Saúde —, João Leão e António Costa foram sempre respondendo com dados mais abrangentes, de todo o orçamento para o SNS.

O que justifica a diferença? O dinheiro que o SNS tem para gastar não provém apenas de transferências do Orçamento do Estado. O Bloco de Esquerda nota que as transferências ascenderam a 10.315,2 milhões de euros, apenas mais 4 milhões de euros do que os 10.311,2 que o Governo agora estima para 2020 — o que é constatável no relatório do OE2021.

Mas foi mais longe, com Mariana Mortágua a avisar mesmo que, face ao Orçamento Suplementar aprovado em julho, o ministro das Finanças estava a prever uma redução. Uma vez que o OE Suplementar não tem indicação desse valor, o BE fez as contas: no OE2019 o valor orçamentado atingia 9.013,8 milhões de euros e no OE2021 é referido que “a dotação orçamental do SNS já havia beneficiado de um incremento de 1.445 milhões de euros em 2020 (incluindo o reforço do OE Suplementar)”. Ou seja, se assim fosse, em 2021 deveriam estar inscritos 10.458 milhões de euros (a soma dos dois valores) e não os 10.315,2. O Bloco tinha encontrado uma diferença de 143,6 milhões.

Depois de vários “rounds” no Parlamento — primeiro, na audição a João Leão, depois com António Costa no primeiro dia de debate na generalidade e, finalmente, novamente com João Leão — só no debate desta quarta-feira é que o ministro esclareceu o que tinha motivado a dúvida inicial da deputada Mariana Mortágua: “No OE Suplementar o reforço de 500 milhões de euros que foi feito não foi exclusivamente através de transferências do OE. Desses 500 milhões de euros, 300 [milhões] são transferências do OE”, disse João Leão na manhã desta quarta-feira. Conclui, por isso, que mesmo apenas a parte das transferências do OE também aumentam face ao suplementar.

A confusão no Parlamento deve-se ainda ao facto de os bloquistas terem insistido na comparação de 2021 com a despesa estimada para 2020 — que já tem em conta a realidade da pandemia —, enquanto o ministro das Finanças e o primeiro-ministro têm preferido comparar com o que estava orçamentado em dezembro do ano passado.

Os números deixados por António Costa no arranque da discussão da proposta de Orçamento para 2021 entravam em choque – em vários momentos – com o próprio relatório que acompanha a proposta que está a ser votada na generalidade pelos deputados. Em primeiro lugar porque o relatório indicava que o reforço da dotação do SNS seria de 467,8 milhões de euros (e não os 805 milhões de que falava o primeiro-ministro).

Na resposta ao Observador, a equipa das Finanças explica agora os 467,8 milhões – um número que começou por estar no documento como XXX e foi posteriormente acrescentado. “Os 467,8 milhões de euros referidos no relatório correspondem a Receita de Impostos e à diferença entre 10.442,4 milhões de receita de impostos no ano de 2021 e 9.974,6 milhões de Receita de Impostos no ano de 2020”, indicam as Finanças na nota.

Descodificando: este valor corresponde ao aumento da despesa financiada com RI (receitas de impostos) no Serviço Nacional de Saúde, mas comparando com o orçamento inicial, não com o suplementar.

As declarações de António Costa sobre o SNS no arranque da discussão da proposta do OE na generalidade foram alvo de um fact-check no Observador, que as classificou como “enganadoras”. A resposta das Finanças, que pode ler aqui, surgiram no dia seguinte à sua publicação e após novo conjunto de perguntas enviadas pelo Observador.

Fact Check. Orçamento do SNS vai mesmo aumentar 805 milhões de euros em 2021 como disse o primeiro-ministro?