No Hospital de Santo António, no Porto, médicos, enfermeiros e assistentes operacionais voluntariaram-se para dedicar os sábados a “recuperar a lista de espera” de cirurgias de ambulatório, um programa que chegará a mais de centena e meia de doentes.

Paula Fontes “nem esperou muito” pela cirurgia às varizes porque depois de ter sido encaminhada pelo médico “só se passaram dois ou três meses”, conta à agência Lusa. Mas “achava que ia esperar mais porque a pandemia está a fazer estragos nos hospitais este ano”, enquanto as pernas “já lhe pesam há três”, acrescenta.

Esta paciente de 54 anos, residente no Porto, chegou hoje “bem cedo” ao Centro Integrado de Cirurgia de Ambulatório (CICA) do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) que inclui o Hospital de Santo António e a meio da manhã já estava em recobro, prevendo-se que teria alta “no máximo em uma hora”.

Paula é uma das 37 pacientes que este sábado foi operada numa das seis salas disponibilizadas no CICA. Ao todo 52 profissionais de saúde, desde médicos, enfermeiros a assistentes operacionais, decidiram dedicar o dia a “recuperar a lista de espera” de cirurgias de ambulatório. O modelo irá repetir-se até ao final do ano, num total de cirurgias a rondar as 160.

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“Isto não é inédito, mas neste momento em que a nossa atividade hospitalar clássica está muito condicionada pelo combate à Covid-19, temos de ser criativos. A cirurgia de ambulatório não necessita de internamento e cuidados intensivos, pelo que nos dá uma oportunidade de alguma forma manter atividade e recuperar algumas listas de espera”, descreveu o diretor clínico do CHUP, José Barros.

Em causa estão cirurgias de cinco especialidades diferentes. Cataratas, síndromes do túnel do canal do carpo, varizes ou hérnias cervicais são algumas das situações.

“Isto não é uma determinação da administração. São os profissionais que se auto-organizam e voluntariamente se disponibilizam para trabalhar ao sábado (…). Habitualmente são 42 doentes por sábado. Hoje porque há doentes mais complexos de cirurgia vascular, são 37 (…). São cirurgias aparentemente simples, mas que fazem muito pela qualidade de vida das pessoas”, acrescentou José Barros.

É o caso de Júlia Silva, de 67 anos. É a segunda vez que tem de ser operada às cataratas, isto depois de ter deixado de ver “por uma das vistas de um dia para o outro”.

“Aguardei que me chamassem e até achava que agora é que não ia conseguir vaga. Mas chamaram. Da primeira vez [em julho] tive medo de vir. Vim, mas tive medo por causa do [corona]vírus que aí anda. Agora não tenho porque há muita segurança e o mais importante é ver melhor”, descreveu à Lusa antes de entrar para a cirurgia.

Ao lado, o marido Agostinho Silva prepara-se para “ir dar uma voltinha”, mas diz que “nem vai muito longe porque se tudo correr como da primeira vez em menos de uma hora” está a ser chamado para acompanhar a mulher a casa. “Disseram que podia demorar 15 ou 20 minutos. Esta é uma iniciativa excelente”, refere.

“Há alguns doentes que têm pedido para as cirurgias serem adiadas. Mas quando são cirurgias que têm um grande impacto na qualidade de vida e no dia a dia, a pessoa tende a vir. Mas uma vez ou outra há pessoas que pedem para serem adiadas”, conta José Barros.

Segundo o diretor clínico “mesmo em tempo de pandemia” os tempos máximos de resposta neste tipo de cirurgia está a ser cumprido em cerca de 90% e os doentes têm esperado “entre um e quatro meses”, mas o cenário não é igual na cirurgia programada que exige internamento.

“A cirurgia convencional, em alguns hospitais, está a ser desmarcada e provavelmente também teremos de o fazer proximamente porque é cirurgia que obriga a internamento e a ter cuidados intensivos de prevenção. O que obriga à paragem da atividade da cirurgia é a necessidade de usar blocos operatórios como unidades de cuidados intensivos e o recurso a anestesiologistas como médicos intensivistas”, explicou o responsável de um hospital que hoje acolhe 115 doentes Covid-19 em enfermaria e 28 em cuidados intensivos.

Paula e Júlia fizeram o teste à Covid-19 na sexta-feira. Com resultado negativo puderam ser admitidas no programa de recuperação de listas de espera levado a cabo pelo CICA, uma unidade que abriu em 2011 e é dirigida por Maria Sameiro Pereira.

“Cerca de 15% da nossa atividade ficou afetada na primeira vaga [do novo coronavírus]. Já reduzimos em cerca de 7% o défice que temos em relação a 2019, mas só com esforço de todos é possível mais”, descreveu a diretora do CICA.

São seis as salas que estão a ser usadas para este programa. Oftalmologia, ortopedia, neurocirurgia ou cirurgia vascular são algumas das especialidades.

Hospital de Santo António no Porto “resolve” 25 “casos sociais” com ajuda da tutela

O Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) revelou este sábado que “com a colaboração” da tutela “foi possível resolver nos últimos 15 dias” 25 dos atuais cerca de 50 casos de doentes sem retaguarda que permanecem no hospital.

“Existem situações com anos e isto não é caso isolado no Hospital de Santo António [que pertence ao CHUP]. Tivemos uma senhora que fez cá os 100 e os 101 anos. Tivemos um caso de doente de cirurgia vascular que esteve connosco três anos. São casos sociais”, descreveu o diretor clínico do CHUP.

Os casos sociais são situações em que o paciente permanece internado no hospital apesar de já ter condições para regressar a casa, no entanto ou por falta de retaguarda familiar ou de condições de habitação não chega a sair da unidade hospitalar.

“Encontraram-se soluções nas chamadas ERPIs [Estruturas Residenciais para Idosos]. Ao contrário do que se pensam nem sempre estas situações acontecem por abandono da família. Cada caso é um caso, mas nem sempre é por falta de vontade dos familiares em acolher as pessoas. Há situações muito especificas e difíceis”, disse José Barros.

José Barros revelou que “nos últimos 15 dias com a colaboração” da tutela foi possível “encontrar solução” para 25 casos, mas admitiu que ainda existem outros cerca de 25 por resolver.

O diretor clínico destacou esta é “em tempo de pandemia uma boa notícia” porque os chamados “casos sociais ocupam camas do hospital que são fundamentais para situações clinicamente mais graves”.

“Já para não falar dos riscos associados. Estas pessoas [casos sociais] podem já nem estar doentes, mas corem o risco de voltar a ficar por estarem tendencialmente mais expostos a infeções”, acrescentou a diretora do Centro Integrado de Cirurgia de Ambulatório do CHUP, Maria Sameiro Pereira.

A diretora acrescentou que a capacidade de internamento dos hospitais sai prejudicada com os casos sociais, “ainda que muitas destas pessoas considerem o hospital a sua casa e olhem para os profissionais de saúde como familiares”.

O CHUP tem um tempo médio de internamento de oito dias, valor que varia e é diferente em cuidados intensivos.