Ainda não foi batizado, mas já tem três padrinhos: um médico da administração Barack Obama que considera as armas um problema de saúde pública; um antigo diretor da FDA que lançou guerra às empresas de tabaco e à informação alimentar falsa (mas o tiro saiu-lhe ao lado sobre os implantes mamários); e uma cientista que procura justiça e igualdade no acesso à saúde.
Joe Biden é o presidente-eleito dos Estados Unidos e não tardou a apontar o dedo a uma das prioridades da sua administração: o combate à epidemia de Covid-19 que, dia após dia, atinge novos máximos no país. Estes são os três especialistas que escolheu para rosto do programa.
O administrador de saúde pública de Obama
Vivek Murthy tem ascendência indiana, nasceu em Inglaterra e chegou aos Estados Unidos com apenas um ano. Os pais, médicos, estabeleceram-se na Flórida. Vivek Murthy seguiu-lhes os passos: licenciou-se em ciências bioquímicas, depois em Medicina e tirou uma pós-graduação em gestão de empresas.
Durante a universidade, Vivek Murthy fundou a VISIONS Worldwide, uma organização sem fins lucrativos direcionada para a educação sobre a sida nos Estados Unidos e na Índia; e a Swasthya Community Health Partnership, que forma mulher das zonas rurais indianas para a prestação de cuidados de saúde.
Depois de completar a formação em medicina — que passou pela Escola de Harvard — Vivek Murthy fundou ainda a Doctors for America, uma organização de médicos e estudantes de medicina que delineia planos para melhorar o acesso a cuidados de saúde da população norte-americana. Pela mesma altura, co-fundou o TrialNetworks, um sistema de monitorização que procura tornar mais rápidos e seguros os ensaios clínicos para medicamentos.
Em 2011, Vivek Murthy aproxima-se do mundo da política. Barack Obama recruta-o para o Conselho Presidencial para a Prevenção, Promoção da Saúde e Saúde Pública e Integrativa. Dois anos mais tarde, é promovido a Administrador de Saúde Pública dos Estados Unidos, mas só assumiu o cargo em 2014.
Pelo meio, Vivek Murthy despertou debate no Senado por ter afirmado que o acesso às armas (um tema fraturante nos Estados Unidos) era um problema de saúde pública. Quando foi aceite no cargo, tornou-se o primeiro administrador de origem indiana e o mais jovem oficial dos serviços uniformizados em funções.
Desde 2017, após ter sido dispensado por Donald Trump, Vivek Murthy tem-se dedicado à consciencialização para o problema da solidão nos Estados Unidos — uma condição que diz ter encontrado amiúde na prática médica, ao ponto de a adjetivar como epidemia, e que pode estar na origem de muitas doenças mentais.
O antigo diretor da FDA que tentou legislar rótulos, tabaco e implantes
David Kessler é pediatra, tem formação em direito e, durante o internato no Hospital Johns Hopkins, foi consultor de um senador republicano — Orrin Hatch, de Utah — para assuntos relacionados com a segurança alimentar e o consumo de álcool e tabaco. Depois geriu um grande hospital universitário em Nova Iorque e começou a dar aulas.
Foi em 1990, com a entrada na direção da Food and Drug Administration (FDA) a convite do republicano George H. W. Bush, que David Kessler começou a conquistar mais simpatias pelos democratas. Adotou medidas para acelerar a aprovação de medicamentos, principalmente para o tratamento da sida, apostou na segurança alimentar e lançou uma verdadeira batalha aos rótulos com informações falsas. Chegou a mandar apreender quase 91 mil litros de Citrus Hill por a marca afirmar que o sumo de laranja era fresco, quando na verdade era concentrado.
Noutro grande sucesso da FDA sob a direção do pediatra esteve a moratória sobre dispositivos de implante mamário de silicone — uma prática que parecia estar a causar uma série de problemas de saúde. Terá sido o maior acordo relacionado com a utilização de dispositivos médicos nos Estados Unidos, que obrigou as empresas a pagar indemnizações aos afetados e que levou à falência de uma delas. Em 2006, a moratória foi suspensa: não havia ligação aparente entre os implantes de silicone e as doenças em causa.
David Kessler também tentou regular e legislar a venda, compra e consumo de tabaco, sobretudo o consumo de um tipo com alto teor de nicotina, mas com menos sucesso: o Supremo Tribunal decidiu que a FDA não tinha poderes para legislar esta atividade. Ainda assim, o pediatra venceu vários prémios sociais pelos esforços nessa área.
A epidemiologista-cientista que quer igualdade na saúde
Marcella Nunez-Smith é filha de uma enfermeira especialista em saúde comunitária e neta de um médico militar. Estudou psicologia e antropologia biológica no Swarthmore College; e depois medicina pelo Jefferson Medical College. Fez o internato no Brigham and Women’s Hospital, tal como Vivek Murthy.
Marcella Nunez-Smith é professora associada de Medicina Interna, Saúde Pública e Gestão na Universidade de Yale, diretora-fundadora do Centro de Inovação e de Investigação para a Equidade; diretora do Centro para a Participação Investigativa; e vice-diretora do Centro Yale para a Investigação Clínica. Em agosto tornou-se reitora em Yale.
Um dos focos de investigação de Marcella Nunez-Smith é o estudo da saúde e da equidade na prestação de cuidados de saúde em comunidades marginalizadas. Além disso, analisou os fatores de risco e a prevalência de cancro, doenças cardíacas e diabetes no Caribe Oriental; e criou uma ferramenta que permite denunciar e resolver situações de discriminação no acesso à prestação de cuidados.