Continua a guerra de comunicados entre o PS e o PSD à boleia do acordo de governação regional feito nos Açores. Depois de, esta segunda-feira, Rui Rio ter dito que “o PS não tem noção do ridículo” quando o acusa de ter feito um acordo nacional com o partido de André Ventura quando, na verdade, o PSD/Açores fez um acordo regional assente em quatro condições que “em nada ferem a matriz social-democrata”, esta terça-feira foi a vez do PS emitir um comunicado a acusar o PSD de Rio de “vender a alma ao diabo” e de, por isso, merecer “uma severa censura política”.
“A carta entregue por André Ventura ao representante da República nos Açores, revela o que já se sabia: a existência de um compromisso nacional do PPD/PSD de que será apresentada no Parlamento uma proposta de revisão da Constituição tendo em vista uma “profunda reforma no sistema de justiça” e uma reforma do sistema político”, começa a ler-se no comunicado da Comissão Permanente do PS, referindo-se à carta revelada hoje pelo jornal Público que mostra quais os termos do acordo firmado com o Chega nos Açores para que aquele partido se comprometa a viabilizar o governo do PSD/CDS durante “toda a legislatura”.
As verdades e as mentiras na guerra António Costa-Rui Rio sobre o acordo entre o PSD e o Chega
António Costa já tinha acusado este acordo de ser “secreto”, exigindo “explicações” a Rui Rio por ter “pisado uma linha vermelha na direita europeia democrática”. Os termos do acordo foram revelados esta segunda-feira pelo PSD e são quatro: “Redução do número de deputados regionais; criar um gabinete regional de luta contra a corrupção; reduzir a elevadíssima subsidiodependência na região; e promover o aprofundamento da autonomia política no quadro do Estado Político-administrativo dos Açores e da Constituição da República”.
A carta do Chega ao representante da República nos Açores refere dois outros temas caros a André Ventura: a revisão constitucional, com vista à redução do número de deputados à Assembleia da República, e a reforma do sistema de justiça.
Isso mesmo já constava do comunicado enviado pelo Chega às redações. “Sabemos que o PSD Nacional irá entregar na Assembleia da República, ainda nesta sessão legislativa, um projeto de revisão constitucional que compreenderá, não só as propostas constantes do seu programa eleitoral, como alguns aspetos que são para nós fundamentais, tendo-nos sido dado as garantias de que contemplará a redução do número de deputados a Assembleia da República, bem como a vontade de fazer uma profunda reforma no sistema de justiça, que se tem mostrado incapaz de responder às necessidades do país”, explicava o partido de André Ventura a 6 de novembro. Ou seja, o conteúdo do entendimento com o PSD/Açores não era secreto.
Para o PS, no entanto, é esta confirmação de André Ventura que mostra como o PSD de Rui Rio está a ser “capaz de vender a alma ao diabo, hipotecando-se a propostas de reposição da barbárie, como a prisão perpétua ou a castração química, para atingir o exercício do poder”. E é por isso que, para o PS, Rui Rio e o PSD “merecem uma severa censura política, quer por duplicidade com os portugueses, quer por cumplicidade com a extrema direita xenófoba”.
Esta confirmação, através de André Ventura, revela uma nova faceta no PSD e em Rui Rio: a de um PSD capaz de vender a alma ao diabo (hipotecando-se a propostas de reposição da barbárie, como a prisão perpétua ou a castração química) para atingir o exercício do poder; revela também um Rui Rio capaz de recorrer à linguagem dúplice para esconder a verdade dos Portugueses sobre o seu acordo com o Chega e, por último , mas não menos importante, a revelação de um PSD capaz (sendo o primeiro a fazê-lo, mesmo na sua família política) de dar o seu patrocínio político à normalização de propostas populistas, xenófobas e contra civilizacionais”, lê-se no comunicado dos socialistas.
Acontece que os dois pontos em que o PS acusa o PSD de ter vendido a alma ao Diabo — na revisão constitucional e na reforma do sistema de justiça — o Chega de André Ventura fez cedências de raiz e deixou cair as “propostas de reposição da barbárie como a prisão perpétua ou a castração química”, assim como deixou cair a obrigação de o PSD ir atrás do prazo de revisão constitucional do Chega, que terminava por estes dias.
Como explica o Observador neste artigo, Rui Rio sempre disse que ia apresentar um projeto de revisão constitucional nestes termos (redução do número de deputados e reforma da justiça) e sempre disse que o faria até ao final deste ano ou no início do próximo (não o fez antes por causa da pandemia). Além disso, sempre afastou dois cenários: fazê-lo pelos prazos do Chega e com medidas como a castração química para pedófilos. E em relação a isso, nada mudou.