Não haverá um cêntimo do dinheiro do Estado para novas injeções ao Novo Banco no Orçamento do Estado para 2021. A garantia foi repetida várias vezes pelo ministro das Finanças, João Leão, na resposta àquela que foi uma das linhas vermelhas do Bloco de Esquerda para rejeitar a proposta orçamental na generalidade.
Se é certo que ao longo da discussão do Orçamento os bloquistas foram deixando cair as exigências relativas ao Novo Banco, focando-se mais no reforço do Serviço Nacional de Saúde e no novo apoio social, a análise aprofundada feita pelos técnicos do parlamento à proposta orçamental vem dar razão aos argumentos do partido coordenado por Catarina Martins. A solução encontrada pelo Governo para contornar a objeção do BE a injeções públicas no Novo Banco sem uma nova auditoria — desta vez feita pelo Tribunal de Contas — não traz grande diferença em matéria de contas públicas.
Ainda que o empréstimo não seja contraído junto do Estado, como aconteceu nos anos anteriores, “tal não significa que o valor do empréstimo que possa vir a obter junto da banca não concorra para a dívida pública, tanto em contabilidade nacional (aceção de Maastricht) como em contabilidade pública. Obviamente que conta para ambas“. A conclusão da Unidade Técnica de Apoio Orçamental do Parlamento surge no parecer final à proposta de Orçamento para 2021.
Para a UTAO, o modelo posto em cima da mesa pelo Executivo “evita o recurso a dívida direta do Estado de uma forma que aumentará a dívida pública e os juros pagos representarão uma despesa pública com impacto no saldo orçamental. Os juros pagos serão parte da despesa total das AP (administrações públicas) em contabilidade nacional, parte da despesa efetiva das AP em contabilidade pública e diminuirão o saldo das AP em ambas as perspetivas contabilísticas”. Isto porque o Fundo de Resolução faz parte das AP, e os bancos estão fora do perímetro das contas do Estado, tal como o destinatário da injeção. E consoante as condições que vierem a ser contratadas com os bancos, esta modalidade até pode representar um encargo mais elevado para o Estado.
Uma “bravata” que pode sair mais cara: dinheiro para Novo Banco fora do Orçamento
Dito de outra forma, a recapitalização do Novo Banco feita pelo Fundo de Resolução terá implicações na dívida pública e irá também ao défice do Estado, ainda que seja uma medida não recorrente que não afetará o saldo estrutural.
Mais. A UTAO avisa que a proposta de Orçamento traz uma estimativa de quanto essa recapitalização vai custar e indicia uma intenção do Fundo de Resolução de como essa operação será financiada. Mas não representa uma garantia de que a estimativa e a intenção se venham a concretizar. Os técnicos referem também que a projeção sobre o impacto desta operação no défice, apresentada na quarta versão da proposta orçamental, não bate certo com as previsões de despesa do Fundo de Resolução que terá como destinatário o Novo Banco.
Num esforço para desfazer eventuais dúvidas, os técnicos do Parlamento começam por assinalar que há informação “aparentemente contraditória sobre o valor da recapitalização do Novo Banco em duas peças da documentação fornecida” pelo Ministério das Finanças. Os técnicos, tal como os jornalistas e alguns políticos, tiveram de olhar para os quadros anexos com os desenvolvimentos orçamentais das entidades públicas para encontrar a previsão de receita total do Fundo de Resolução (FdR) para 2021 que é de 715 milhões de euros, dos quais 275 milhões de euros dizem respeito a passivos financeiros, que correspondem ao empréstimo a obter junto dos bancos.
No orçamento do FdR está prevista uma despesa com ativos financeiros no montante de 476,6 milhões de euros, com financiamento através de receita de impostos (94,1milhões) e receitas próprias (382,5 milhões de euros) onde está incluído o empréstimo já referido. A UTAO conclui, em linha com o já admitido pelo Governo, que o valor de 476,6 milhões de euros, é “compatível com a operação mencionada de capitalização do Novo Banco ao abrigo do mecanismo de capitalização contingente, ou com outra(s) operação(ões) similares que possam vir a ocorrer num outro Banco/Instituição Financeira”.
Considera por isso seguro afirmar que, no momento em que lançou na base de dados esta informação, o FdR tencionava utilizar a totalidade do empréstimo junto da banca comercial para financiar parcialmente a ou as aquisições de ativos financeiros emitidos por sociedades financeiras que pretende realizar. No entanto, assinala também que o Fundo pode decidir mudar a composição do financiamento “até ao momento em que tiver de se comprometer, de facto, com a aquisição de ativos financeiros”. Existem várias fontes de financiamento que permitem múltiplas combinações alternativas de recursos para financiar a injeção de capital no Novo Banco ou qualquer outra aquisição de ativos financeiros. Ou seja, apesar da vontade manifestada em sede de orçamentação, em sede de execução orçamental, poderá optar por outra combinação.
Ainda que os dados orçamentados mostrem que é “intenção do FdR obter um empréstimo junto da banca comercial e não junto do Estado, contrariamente ao que sucedeu nos três pagamentos anteriores efetuadas ao Novo Banco ao abrigo do mecanismo de capitalização contingente (…) também é seguro afirmar que nada na contabilidade pública orçamental permite concluir que o FdR tenciona aplicar até 476,6 milhões de euros no Novo Banco”, mas apenas que há tesouraria prevista para aquela operação.
A UTAO nota ainda que em 2021 não está prevista qualquer amortização da dívida contraída por este fundo junto do Estado ou da banca.
Números diferentes lançam dúvida
Para além da questão da origem do financiamento, os técnicos também avaliaram o impacto da futura injeção do Novo Banco nas contas públicas. E sublinham que “nada nas peças em contabilidade pública da Proposta de Orçamento do Estado 2021 que a UTAO conseguiu consultar prova que esteja previsto transferir determinado montante para a entidade Novo Banco em concreto”.
A programação orçamental sinaliza que a transferência ao abrigo do mecanismo de capitalização será entre zero e 476,6 milhões de euros. E a UTAO constata que “cruzando informação na quarta versão do Projeto de Plano Orçamental com a informação de contabilidade orçamental do FdR, emerge uma dúvida quanto ao montante da operação de recapitalização do Novo Banco.”
Este documento atribui à recapitalização do Novo Banco, em contabilidade nacional, um valor equivalente a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB), que é a mesma conta enviada à Comissão Europeia na quantificação das operações com efeito orçamental temporário ou não recorrente. As Finanças não detalharam este valor à terceira casa decimal, mas pela projeção para o valor do PIB em 2021, a UTAO admite que os 0,1% representem entre 94,9 milhões de euros e os 295,2 milhões de euros, correspondentes a 0,14% do Produto.
No entanto, e como ficou já explicado em cima, em contabilidade pública, o “mesmo Ministério das Finanças prevê que o FdR gaste até 476,6 milhões de euros na aquisição de ativos financeiros. Esta quantia representa 0,226% do PIB previsto para 2021”. Logo, “não se descortina razão para que a diferença entre o valor no orçamento do FdR e os 0,1% do PIB comunicados no PPO (projeto de proposta orçamental) seja exclusivamente justificável com diferenças na ótica contabilística”.
Impacto do Novo Banco no défice tem furado sempre previsões do Governo. 2021 não deve ser exceção
A UTAO faz a “melhor interpretação possível que se pode fazer desta duas peças informativas” e conclui que o ministério de João Leão “assume já uma despesa do FdR no Novo Banco entre 94,9 e 295,2 milhões de euros, tendo o FdR tesouraria suficiente para, se for necessário ir além desta aplicação, poder despender até 476,6 milhões de euros no capital do Novo Banco.
Mas “seja esse valor qual for, ele tem de ser registado como uma despesa das AP porque o pagador pertence a este sector e o beneficiário pertence a outro sector institucional.” E se as intervenções no sistema financeiro forem superiores a 0,1% do PIB, essa despesa adicional “onerará o saldo das AP nas duas perspetivas contabilísticas, mas não contará para o saldo estrutural”.
E na verdade, a referida injeção até poder ser superior aos 476,6 milhões de euros, a avaliar pelos prejuízos já conhecidos do Novo Banco até ao terceiro trimestre.
Razão pela qual o Conselho de Finanças Públicas sinaliza esta operação como um dos riscos orçamentais para o próximo ano.