O regresso dos festivais de música na primavera de 2021 é a convicção dos promotores portugueses dos maiores eventos do género, depois de um 2020 em que as medidas de contingência face à pandemia da covid-19 impediram a realização de inúmeras atividades culturais e desde logo os festivais, que podem ter tido quebras a rondar os 80%, o que corresponde a menos cerca de 16 mil milhões de euros na economia. “Face à nova realidade da vacina e perante a credibilidade dos testes rápidos, estou convencido de que a partir de abril e maio será possível realizar festivais”, afirma Luís Montez, da Música no Coração, promotora do SBSR e do Sudoeste.

Deve ser anunciada nos próximos dias a criação de um grupo de trabalho para estudar as condições de retoma dos espetáculos. É uma iniciativa conjunta da indústria musical e do Estado, com representantes do Ministério da Cultura. “Certamente vamos encontrar soluções, como está a acontecer na Alemanha ou nos EUA”, confia Luís Montez.

O Ministério da Cultura confirma ao Observador que as reuniões começam “no início do próximo ano”, com o objetivo de “encontrar as melhores soluções e respostas” para os festivais e espetáculos de música ao vivo, “sem nunca descurar” a saúde pública. O gabinete da ministra Graça Fonseca acrescenta que as reuniões desta “plataforma de diálogo” vão acontecer uma vez por mês e nelas será feita a “antecipação de cenários”, a “identificação de soluções” e um “acompanhamento constante da execução de medidas”. A participação do Ministério da Economia não é por enquanto uma hipótese.

A promotora Everything is New, responsável pelo Alive, também revela otimismo. “Perante a informação de que dispomos agora, e com base nos dados científicos que apontam para uma potencial imunidade de grupo na primavera por via das vacinas, os festivais são para realizar”, diz Álvaro Covões. João Carvalho, das promotoras Ritmos e Pic-Nic, acredita “plenamente” num regresso. “Está tudo confirmado para o Primavera Sound. Paredes de Coura já tem 85% do cartaz fechado. Temos é de poder ter o número normal de espectadores, para que os eventos sejam viáveis.” Karla Campos, diretora do Cool Jazz, fala de um “regresso à normalidade” no novo ano, tendo em conta o que se sabe até agora, e acentua que “sem lotações a 100% os festivais ficariam novamente comprometidos”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O otimismo dos empresários é temperado pela incerteza que também demonstram face ao que possa acontecer nas próximas semanas e meses, já que as restrições surgem de um dia para o outro e influenciam os planos a curto prazo. No entanto, o mercado das contratações está a mexer-se, principalmente através de agentes de artistas em Inglaterra, e os cartazes dos festivais vão sendo anunciados, com bastantes nomes a transitarem de 2020 para 2021.

“Mesmo perante as dúvidas, temos de continuar a trabalhar na organização dos eventos. Não podemos parar e ficar à espera, não é assim que as coisas funcionam”, refere Álvaro Covões. “Se tudo correr bem, tenho a certeza de que teremos edições históricas dos festivais”, nota João Carvalho. “A ânsia, a necessidade e a frustração acumulada por causa da pandemia vão fazer com que as pessoas queriam dançar e ser cúmplices, mais do que nunca”, afirma o promotor do Paredes de Coura e do Primavera Sound Porto.

Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos manifestou-se no Campo Pequeno a 21 de novembro

Regresso, mas em que termos?

Para João Carvalho, a utilização de máscaras faciais pode continuar a ser recomendada pelas autoridades de saúde nos espetáculos ao vivo. Quanto ao distanciamento social, há a expectativa geral de que já não seja necessário, até porque obriga a reduzir o número de espectadores e nesse caso os promotores não avançam. Na opinião de Álvaro Covões, os testes rápidos à covid-19 feitos à entrada dos recintos são uma alternativa para as pessoas que entretanto não tenham sido vacinadas. “Quem faz eventos está habituado a cumprir com uma série de normas, como revistar as pessoas ou cumprir regras de segurança alimentar, por isso, a possível obrigatoriedade do teste rápido seria uma coisa banal e viável”, entende Álvaro Covões.

Havendo ou não uma elevada percentagem de portugueses vacinados, Karla Campos é pela realização de testes rápidos gratuitos à entrada dos festivais. Luis Montez também. “Ou as pessoas estão vacinadas ou fazem um teste rápido antes de entrar. Se derem negativo, e desde que levem máscara e desinfetem as mãos, podem entrar e aí até pode ser que não precisemos do afastamento físico”, explica o responsável pela Música No Coração.

Se a verificação da toma da vacina se fará perante um boletim, uma declaração escrita ou uma hipotética aplicação no telemóvel, são hipóteses que Luís Montez coloca. Aventa até a ideia de ser oferecida vacinação à entrada dos festivais, porque “há condições logísticas” para isso, já que as equipas médicas e de enfermagem são desde há muito uma obrigação dos festivais. Luís Montez diz que está em contacto com a mesma farmacêutica que tem fornecido testes rápidos à Cruz Vermelha Portuguesa e aponta a possibilidade de uma compra em massa, por parte de vários promotores de espetáculos, o que faria baixar o preço por unidade.

Contratação de artistas “está a fluir”

O ano que agora termina ficou marcado por adiamentos e suspensões, depois de o Governo ter proibido em inícios de maio a realização de “festivais e espetáculos de natureza análoga” até 30 de setembro, devido à covid-19. Muitos promotores começaram por saudar a decisão, por esta ir ao encontro das preocupações de saúde e permitir cancelar ou adiar sem indemnizações as bandas e artistas contratados para 2020.

A reabertura de salas, com regras estritas, passou a ser viável em junho. Mas em fins de novembro, perante prejuízos avultados e o acumular de restrições aos fins de semana e à noite, houve uma manifestação no Campo Pequeno, em Lisboa, com profissionais da dança, do teatro, da música, do circo e técnicos especializados, numa iniciativa da Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos (APEFE), cujos 40 associados consideram representar 90% do mercado de espetáculos em Portugal. Pediram “respostas urgentes” ao Governo, porque o sector “está a colapsar”.

Por sua vez, Ricardo Bramão, presidente da Associação Portuguesa de Festivais de Música (Aporfest), afirmou também em novembro que “não há respeito pela marcação de eventos que demoram semanas ou meses a serem planeados” e acabam “constantemente alterados por imposições governamentais”.

“Sem extremar”, a ‘manif’ da cultura foi diferente — mas o Governo e os partidos saíram de orelhas a arder

Bilhetes de 2020 são válidos em 2021

Os festivais de música movimentam a cada ano entre dois a três milhões de pessoas em Portugal e geram proventos diretos e indiretos de 18 mil milhões de euros, segundo dados de janeiro último da Aporfest. De acordo com esta entidade, em 2019 realizaram-se 287 festivais musicais, o que representou um ligeiro decréscimo face a 2018 (311).

Quanto à contratação de artistas para atuarem nos eventos de 2021, “está a fluir”, nas palavras de Álvaro Covões, que ainda há duas semanas assinou com um nome de destaque, que não quer divulgar para já. Depois de se ter iniciado a vacinação no Reino Unido, a 9 de dezembro, os promotores começaram pela primeira vez em muitos meses a receber propostas de agentes, sendo certo que é em Inglaterra e nos EUA que estão os principais mercados das contratações. “Pelas regras internacionais, tivemos de adiantar 50% dos cachets em 2020 e esse é agora um custo que não teremos em 2021”, sublinha Luís Montez.

O primeiro grande evento da época dos festivais é o NOS Primavera Sound Porto, com lotação de 30 mil espectadores e datas previstas para 10 a 12 de junho. Tyler, The Creator e Tame Impala encabeçam o cartaz. Ao longo de janeiro devem ser anunciados mais nomes para o NOS Alive, agendado para 07 a 10 julho. Alec Benjamin, Faith no More, Da Weasel, Red Hot Chili Peppers ou Black Pumas já estão confirmados.

O Cool Jazz regressa a Cascais em julho (dias 20, 21, 24, 25, 27 e 28) com John Legend, Miguel Araújo, Lionel Richie e Neneh Cherry, netre outros. O SBSR acontece de 16 a 18 de julho, com ASAP Rocky e Brockhampton como cabeças-de-cartaz, enquanto o MEO Sudoeste tem Major Lazer e Bad Bunny como destaques, de 3 a 7 de agosto. De 18 a 21 de agosto terá lugar o Vodafone Paredes de Coura, com Alex G, Mão Morta, Mac Demarco e Haai no alinhamento.

A venda de bilhetes, que costumava ser forte no período de Natal, não tem tido a mesma expressão, porque muitos dos ingressos comprados a pensar em 2020 são válidos para 2021 (foram convertidos em vales que podem ser trocados por bilhetes para os mesmos eventos ou para outros das mesmas empresas, sendo também possível o reembolso mas só em janeiro de 2022).

O Observador tentou também, sem êxito, ouvir Roberta Medina, do Rock in Rio Lisboa, festival marcado para os dias 19, 20, 26 e 27 de junho de 2021.