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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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"Sem extremar", a 'manif' da cultura foi diferente — mas o Governo e os partidos saíram de orelhas a arder

Foi uma 'manif' "sentada", com oradores a discursar no palco do Campo Pequeno. Juntou artistas, técnicos e promotores de um setor que "está a desaparecer". As queixas e os recados deixados.

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Parecia uma espécie de congresso de partido, com delegados a chegarem ao palco intermitentemente e a falarem à vez. O protesto do setor cultural, “em colapso” e em risco “de desaparecer”, foi uma manifestação sui generis, com lugares sentados, discursos críticos e veementes no palco, mas sem ânimos inflamados, preocupações das autoridades ou cânticos de ordem. Isso mesmo fez questão de sublinhar um dos oradores, Álvaro Covões, promotor da Everything is News e do festival NOS Alive, que pareceu marcar uma linha distintiva face a outras ‘manifs’: “Não estamos na rua, estamos num local onde se cumprem as regras — e a falar português sem extremar”.

O discurso, o último de uma série de intervenções que juntaram profissionais do setor da dança, do teatro, da música, do circo ou dos técnicos especializados (de palco, de som, de luz), marcou o final de uma manifestação em que as ideias expressas foram muitas, mas coincidentes num ponto: é preciso salvar o setor dos espectáculos e eventos ao vivo, que ficou paralisado durante boa parte do ano, teve uma recuperação anémica na reentré e volta agora a deparar-se com mais restrições nos horários nos dias úteis e com fins de-semana exclusivamente matinais, o que afeta brutalmente um setor que funciona sobretudo durante as tardes e noites de sábado e domingo.

O protesto tinha como mote uma pergunta incisiva: “Quem assume a decisão de acabar com a cultura?” Associações do setor, promotores de espectáculos, artistas de várias áreas — atores, cantores, bailarinos — juntaram-se para alertar a diferentes vozes que é preciso pedir responsabilidades a quem tem ainda o poder de evitar que uma área fundamental para o país não sobreviva à Covid-19.

Fotografia do Campo Pequeno durante a manifestação do setor cultural de este sábado (@ FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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Luís de Matos: as “medidas falsas e hipócritas” e os “pagamentos anedóticos” ao Estado

Um dos discursos mais aplaudidos foi o do ilusionista Luís de Matos. Chegado ao palco, o famoso mágico português começou por dizer que não tinha escrito nenhum discurso, mas que já se arrependera ao ouvir os anteriores — de qualquer forma, “quando falo em família não preciso de escrever”. Se não tinha um discurso escrito, enganava bem pela fluência e articulação das críticas deixadas.

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Luís de Matos começou por falar do que lhe aconteceu para exemplificar as dificuldades sentidas no tecido cultural. “Sou a face visível de uma micro-empresa que neste ano de 2020 celebra 25 anos de existência e atividade ininterrupta”. Juntando à sua história a daqueles que trabalham mais diretamente consigo, de forma fixa e constante, há nove famílias que vivem da cultura e do seu percurso como ilusionista. “Às vezes há digressões e podem ser 100, outras vezes podem ser 50, mas nove famílias estão sempre — e nunca recebemos qualquer subsídio do Estado em 25 anos. Não temos qualquer problema com isso, temos imenso respeito por quem recebe, mas nunca pedimos”.

Em março, contou Luís de Matos, foi preciso escolher uma de duas coisas: afundar ou nadar. “Decidimos nadar”. Mas os meses prolongam-se, a quebra de receitas fica mais difícil de contornar e agora “não sabemos por quanto tempo mais vamos conseguir aguentar — os corpos e as cabeças começam a colapsar e é difícil manter a esperança que se revela, como quase todas, absolutamente irrelevante para a situação”.

Luís de Matos a discursar no Campo Pequeno (@ FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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A pandemia da Covid-19 afeta todos os setores, “todos estão a sofrer”, reconhece Luís de Matos. Se o tema é “o que de facto pode apoiar” a sua área de atividade, a cultural, então há duas coisas que são necessárias, prosseguiu o ilusionista. É preciso, desde logo, que “o Governo deixe de anunciar medidas falsas e hipócritas. Mas temos de dizer porque são falsas e hipócritas. São falsas porque não precisamos que haja um Governo iluminado que nos diga que em caso de necessidade podemos pedir dinheiro ao banco. E um Governo dizer que podemos fazer espectáculos às 10h [de sábado ou domingo] é o mesmo que dizer a um restaurante que pode servir jantares ao meio-dia ou dizer às pessoas que podem ir à praia das 3h às 5h da manhã para apanharem sol”.

Articulado, o ilusionista continuava: não basta dizer que o setor cultural foi alvo de “medidas falsas e hipócritas”, é preciso propor soluções e orientar caminhos. Uma sugestão básica deixada “nem custa dinheiro”: é “incentivar os portugueses a ir aos espectáculos”. Não só “não custa dinheiro”, como “é importante para a cidadania de todos nós”. Citando uma conferência de imprensa de António Costa “de há umas semanas”, Luís de Matos lembrou que “foram anunciadas medidas” mas que “só se falou de espectáculos na fase de perguntas e respostas, porque um jornalista lembrou-se de fazer uma pergunta sobre isso”. Não pode ser, entende: “A cultura tem de fazer parte do discurso”.

Outra proposta deixada: congelamento dos pagamentos ao Estado. A metáfora deixada foi a de um mealheiro: “o Estado somos nós, entregamos o dinheiro ao Estado que o gere para o bem de nós”. E deixou a pergunta: faz sentido “continuar a por ininterruptamente dinheiro no mealheiro quando não se tem dinheiro para comer?”

“Os pagamentos ao Estado são simplesmente anedóticos nesta altura. Não adianta explicar o qual importante é a cultura, já vimos que por aí não vamos lá. A única coisa importante a explicar assim sendo é: se nos deixarem sobreviver, nós somos um bom negócio para o país. O país ganha dinheiro”, apontou ainda.

Ainda houve tempo para uma alfinetada: “Era bom que o nosso setor não morresse todo. E aqui falo sobretudo dos técnicos, já agora: era bom que não morressem todos, que não passassem todos a encontrar profissões alternativas, porque depois para o ano não podem fazer campanhas eleitorais nem comícios sem eles”. E para um último pedido “aos senhores governantes” e “aos membros do partido”: “Deixem de nos ignorar”. A cultura, vincou Luís de Matos e vincaram quase todos os oradores, “é segura”.

A mensagem de Covões “ao sr. PM e ao sr. PR”, o recado a Rio e a nota: “Não somos NIFS”

Foi o último dos oradores a falar e se um aparelho de medição de som estivesse instalado no Campo Pequeno, certamente sugeriria que foi um dos mais aplaudidos. Álvaro Covões, promotor da Everything is New e do festival de música NOS Alive que faz também parte da direção da APEFE – Associação de Promotores de Espectáculos, Festivais e Eventos, começou a discursar dirigindo-se ao “senhor primeiro-ministro” e ao “senhor Presidente da República”.

Mostrando um documento, um esboço do “plano de recuperação e resiliência” datado de 14 de outubro — “tem menos de um mês” —, Álvaro Covões criticou: “Nem uma linha sobre a cultura, senhor primeiro-ministro. Não se esqueça de nós”. A António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, Álvaro Covões agradeceu “a permanente sensibilidade com a cultura” mas alertou: “Por favor, passem à atitude”.

“No setor cultural, como aqui foi dito esta manhã, não pedimos ajuda, pedimos investimento. Invistam em nós, para que todos nós, profissionais do espectáculo, possam continuar — e para que no dia em que retomemos [com normalidade] possamos estar aqui a oferecer os nossos espectáculos, a nossa cultura, para ajudar a receber de novo os 27 milhões de turistas”, referiu o diretor da Everything is New.

Álvaro Covões a discursar no Campo Pequeno (@ FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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Se para o Governo as palavras de Álvaro Covões foram duras, a oposição também não escapou. Rui Rio, líder do PSD, recebeu uma mensagem especial: “Doutor Rui Rio, venha um dia ao teatro para perceber e para se sensibilizar. Venha ver um espectáculo, venha entender-nos”.

Também palavras anteriores da ministra da Cultura, Graça Fonseca, mereceram queixas de Covões: “Senhor primeiro-ministro, a ministra da Cultura diz desde março que o Estado português não tem um quadro legal para apoiar o setor privado da cultura. Não foi para isso que se fez o 25 de abril, para mudar as coisas? O 25 de abril acabou com a censura política, mas continuamos com a censura económica”.

Lembrando que quem não tiver a segurança social em dia “não pode ter os apoios”, Covões lembrou: “Nós estamos a viver uma pandemia! Pela primeira vez, precisamos que os governos e os políticos olhem para nós como pessoas. Não somos números, não somos NIFS”. Prosseguindo, apontou: “Escolhemos este palco para lembrar as pessoas mais velhas da política: foi neste palco que pessoas importantes garantiram aquilo que é possível estarmos aqui a fazer, que é falar em liberdade. Hoje estamos aqui a gritar: pensem que o futuro de Portugal para ser livre tem de ter uma cultura forte. Não nos subsidiem, mas invistam em nós”.

O tónico, que já tinha sido apresentado no manifesto que anunciou a manifestação deste sábado, passou por reclamar uma fatia “da bazuca” da União Europeia, do dinheiro “que não vem do Orçamento do Estado, vem da UE”. Covões elencou as propostas já defendidas pela organização do protesto e lembrou que “dezenas de empresas” do setor cultural “já fecharam portas” e “muitas outras lutam diariamente para não seguirem o mesmo caminho, lutam para manter os seus colaboradores e para conseguir trabalho”.

O cantor Tony Carreira também esteve presente na manifestação (@ FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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Houve ainda margem para uma avaliação do investimento público na cultura e na promoção das atividades culturais: “Somos o país da UE com orçamento mais baixo para a cultura. Tudo indica que é 0,39% da mesa do Orçamento geral do Estado — é o que este país investe na cultura”, apontou Covões, acrescentando: “Nas últimas décadas decidiram salvar setores como a agricultura (sempre que há cheias, que as culturas são destruídas, o Governo apoia), o mesmo nas pescas. Muito recentemente tomou-se a decisão de salvar a TAP, a Efacec. Assumam publicamente a vossa decisão: querem ou não salvar a cultura?”

Reclamando um novo “25 de abril para a Cultura”, o promotor da Everything is New e do NOS Alive reiterou: “Voltamos a formular a pergunta: quem assume a decisão de acabar com o setor cultural em Portugal? Digam-nos nos olhos, assumam. Viva a cultura”.

Associação de promotores em uníssono: setor privado da cultura não pode ser esquecido

Se Álvaro Covões foi o último a falar, Sandra Faria foi a primeira. A diretora geral da promotora Força de Produção, que assegurou recentemente o concurso para gestão do Teatro Maria Matos, em Lisboa, é também a diretora da APEFE – Associação de Promotores de Espectáculos, Festivais e Eventos. A APEFE esteve na génese da organização desta manifestação, a que se juntaram muitas outras associações, e por isso coube a Sandra o arranque da manifestação.

A primeira palavra foi de agradecimento aos presentes. Primeiro, aos que se associaram ao protesto e lhe deram heterogeneidade, pelas diferentes áreas da produção cultural representadas: “O motivo que aqui nos traz é trágico, mas é bom ver tanta gente de tantas áreas diferentes da cultura”. Depois, para quem permitiu que a manifestação ali decorresse, com controlo de entradas e saídas e com segurança: “Estão aqui equipas a trabalhar pro bono, que conseguiram que organizássemos aqui a manifestação”.

O humorista Jel (com uma máscara personalizada) e a cineasta Ana Rocha de Sousa marcaram presença na manifestação (@ FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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O retrato da situação foi duro: “A cultura em Portugal está a colapsar”, defendeu Sandra Faria, argumentando que é tempo de “os decisores políticos nos dizerem o que querem para Portugal e para as manifestações artísticas”. Lembrando que o setor junta em Portugal “130 mil trabalhadores”, a diretora da Força de Produção vincou acreditar que a cultura é “um bem essencial do país” e que é “merecedora de um tratamento e olhar em detalhe”.

Enumerando dados já conhecidos da quebra do setor dos espectáculos de 2020 — avaliada em 87%, mas “pode atingir os 90% até ao fim do ano” —, Sandra Faria não se alongou muito mais: sintetizando, pediu “respostas” que considera “urgentes”.

Mais tarde Paulo Dias, também da direção da APEFE, corroborava a mensagem e acrescentava: o setor privado da cultura é responsável por “mais de 80% das receitas de bilhetes” e é “quem mais investe a criar público, substitui-se ao Estado na oferta cultural”. Dos promotores aos artistas, dos agentes aos produtores, dos técnicos às empresas, “todos mas todos estão no chão”, alertou Paulo. “É urgente evitarmos um dos maiores colapsos da nossa sociedade”.

Filipa Peraltinha, bailarina e coreógrafa: “Se não fizermos disto vida, o resto do mundo não sobrevive”

Filipa Peraltinha, bailarina e coreógrafa, foi ao Campo Pequeno “em representação da área da dança” mas nada melhor do que falar do seu percurso e das aspirações dos alunos que ensina para traçar um retrato do setor da dança em Portugal. Porque os problemas, disse esta bailarina e coreógrafa que aos 37 anos está “no início do fim” como bailarina, não começaram agora — agudizaram-se agora.

Notando ter “sérias dúvidas” que em muito pouco tempo conseguisse “falar por todos: bailarinos, criadores, professores, um espectro tão grande”, e que esta era para si “uma forma muito estranha de estar no palco” — por estar a falar e não a dançar —, Filipa Peraltinha lembrou que esta crise “não é de agora mas de sempre”. E deu conta das respostas custosas que tem de dar aos jovens bailarinos que lhe perguntam o que fazer para conseguir trabalho em Portugal: “Um dos conselhos que acabo a dar é o da emigração, que não garante sucesso mas ajuda”.

A mensagem do setor ao Governo é esta: a Cultura esteve sempre a contribuir, agora precisa de apoio (@ FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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Dizendo que em tempos ficava ofendida com a pergunta “o que fazia da vida?” por quem desvalorizava a profissão, a bailarina e coreográfa diz que já não se incomoda tanto porque “em alguns momentos para ser bailarina também tive de ser empregada de mesa, empregada de loja”. Mas defendeu: “Se não fizermos disto vida, o resto do mundo não sobrevive — porque a arte não é dos artistas, é do mundo”, lembrando que são muitas as vezes em que é “uma canção que nos salva de um desgosto de amor” ou que “é a dança que nos lembra da existência do corpo”.

O que pediu aos decisores políticos não foi muito complexo: “Precisamos que o Governo nos dê algum tipo de esperança, que nos mostre que sabe do nosso valor e da nossa importância para a prosperidade de um país livre. Precisamos de existir e o país precisa de nós, a sociedade precisa de mais pensamento e mais cultura”:

“Angústia, abandono, solidão, esquecimento”, queixam-se os técnicos

Mais até do que artistas com carreiras sólidas em áreas menos precárias, como a música (por comparação, por exemplo, com o teatro e a dança), foram os técnicos que ficaram mais descalços com a paralisação dos espectáculos ao vivo. Sem eles não há som, não há iluminação, não há dispositivos cénicos, mas a precariedade já era grande e quando os trabalhos pararam, a situação ficou “dramática”.

Chamado ao palco para comentar o momento atual do setor, o presidente da Associação Portuguesa de Serviços Técnicos para Eventos, Pedro Magalhães, começou por sublinhar a estranheza que é um representante dos técnicos estar a falar ao microfone quando o papel é de assegurar que nada no som falha aos artistas. “Não me sinto muito bem, o nosso espaço é fora do palco, o palco é para os artistas”, explicou.

No exterior do Campo Pequeno os técnicos do setor dos eventos e espectáculos e ao vivo deixaram equipamento em sinal de protesto (@ FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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Vincando que esta manifestação é mais uma demonstração “de que é possível realizar eventos e espectáculos com as devidas regras de segurança” e defendendo que “nunca nenhum espectáculo originou qualquer caso de contágio” — algo que é impossível dizer, porque as autoridades de saúde não conseguem rastrear a origem de mais de 70% das infeções com o novo coronavírus em Portugal —, Pedro Magalhães descreveu o atual momento: “Estamos à beira do abismo, em risco de perder um setor”.

O presidente da Associação Portuguesa de Serviços Técnicos para Eventos deixou alguns números: “Em 2019 realizámos mais de 500 congressos e eventos internacionais, que deixaram na nossa economia mais de 750 milhões de euros. Estes números só foram possíveis pela existência e capacidade das nossas empresas. Também fomos sempre os que estiveram presentes em ações de solidariedade — nós, as empresas e os artistas”. Exemplo mais reconhecível: “A recolha de fundos para os incêndios de Pedrógão”.

Se a contribuição não pode ser posta em causa, é altura de pedir um apoio que a reconheça: “Chegou a hora do Estado olhar por nós”, defendeu Pedro Magalhães, acrescentando: “Para quem está há mais de 8 meses sem trabalhar, a situação torna-se completamente insustentável. Fomos os primeiros a fechar e seremos os últimos a abrir. Queremos uma redistribuição justa dos apoios, de acordo com as perdas. Tem de chegar a todos os que sofrem, aos que têm perdas enormes”.

Reconhecendo que as “medidas iniciais do lay-off” asseguraram a sustentabilidade “nos primeiros meses”, Pedro Magalhães defendeu que é altura de mudar de políticas: “Não é solução colocarmos as pessoas em casa, subsidiadas. As pessoas têm de vir para as empresas, estarem presentes, e o Estado tem de apoiar as pessoas e empresas”. Entre as medidas defendidas pela organização do protesto, o presidente da associação de técnicos citou duas que considera fulcrais: a suspensão das amortizações para este ano de 2020 e o apoio aos sócios-gerentes independentes. “O atual sentimento é angustia, abandono, solidão e até esquecimento”, rematou.

João Carvalho: “Quem assume a responsabilidade de acabar com os festivais?”

Também João Carvalho, promotor dos festivais NOS Primavera Sound, Festival Para Gente Sentada e Vodafone Paredes de Coura, falou na manifestação.

Começando por dizer que “um país sem cultura é um país sem identidade” e que “a cultura foi esquecida”, João Carvalho lembrou que “há centenas de empresas perto de falirem, há fome, há um cortejo de miséria para muitos trabalhadores do setor”.

O promotor do Vodafone Paredes de Coura e NOS Primavera Sound quis ainda contrariar a ideia de que os festivais de música são o “parente rico” do setor cultural e que por isso não precisam de apoios: “Pelo mediatismo dos festivais, a maioria olha para nós como máquinas de fazer dinheiro. Não é verdade. Tenho a certeza que qualquer promotor nesta sala já lidou de perto com a possibilidade de falência. Mas não falimos, trincamos a bala e nunca vamos bater à porta do Estado”.

Recordando que o mercado português é “competitivo” mas apresenta dificuldades aos operadores e promotores do setor — porque “temos dos preços mais baratos da Europa e talvez do mundo” mas as bandas não pedem menos para tocar em festivais portugueses do que para tocar em festivais de outros países “com preços três vezes mais caros” —, João Carvalho diz que as empresas que produzem festivais assumem “um grande risco financeiro”.

Os festivais de música são “eventos com importância grande na economia do país” e posicionam “Portugal como destino turístico de qualidade, até porque trazem milhares de estrangeiros, enchemos hotéis e restaurantes e pomos a economia a mexer”, diz João Carvalho. Mas já aconteceu “imensas vezes” promotores de festivais darem por encerrada uma edição vendo “artistas maravilhados, público eufórico, comércio e hotelaria maravilhados com a receita, câmaras e patrocinadores eufóricos com retorno mediático”, e os promotores “a fazer contas à vida”.

“A tragédia económica do setor tem de ser estancada. Quem assume responsabilidade de acabar com os festivais, de ferir a cultura de morte? Está na hora de agir”, rematou o organizador do Vodafone Paredes de Coura e NOS Primavera Sound.

Agir e Mariza associaram-se ao protesto (@ FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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Os depoimentos em vídeo, de Bruno Nogueira a Mariza — e os restantes discursos

Além dos discursos, também se ouviram oradores à distância, com o recurso a gravação em vídeo. Um deles foi o humorista e ator Bruno Nogueira, que defendeu que “aquilo que afasta o setor da cultura do Governo e vice-versa é que a urgência de diálogo parte só de um lado: do setor da cultura”.

Há um problema no apoio à cultura “que se arrasta ao longo de vários anos” e que o Governo não tenta “resolver”, só “remediar”, defende Bruno Nogueira. “Sentir que o Governo não esteve à altura do que a cultura proporcionou ao país desde sempre deveria desapontar-me mas é só a confirmação de uma coisa que vem no seguimento desse tipo de comportamentos [dos decisores políticos]”, acrescentou, desejando que o Governo “conseguisse entender que o setor da cultura faz parte da identidade e sanidade de um país em qualquer altura da sua vida, mas em particular em alturas em que as pessoas precisam de criar uma espécie de bolha imaginária para suportar tudo o que está a acontecer”.

Bruno Nogueira falou na manifestação a partir de uma gravação em vídeo (@ FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

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Outros dos artistas que deixaram uma mensagem em vídeo foram Ana Bola e José Pedro Gomes — em vídeo único gravado “a dois” —, Carminho, Pedro Abrunhosa e Rui Massena, entre outros.

Ana Bola ironizou com a situação da cultura face à da restauração: “Não temos take-away. Quer dizer, podemos ir a casa das pessoas… mas não creio que seja rentável para ninguém”. Carminho lamentou a falta de apoios: “É muito duro pensar que a nossa profissão, o que fazemos, é talvez a que menos importância terá na cabeça de pessoas que acham que os apoios são necessários e que é preciso ajuda. Parece que não se sente necessidade de ajudar a cultura ou de fazer com que não morra”.

Fernando Ribeiro, músico dos Moonspell, defendeu que a cultura “é a expressão mais democrática que existe em todos os países” e pediu: “Não nos virem as costas”. A fadista Mariza, emocionada, falou da situação de “mais de 20 colaboradores que trabalham comigo direta e indiretamente”, que “desapareceram” do setor.

Pedro Abrunhosa visou o Estado: “Precisamos de ter um ministério da Cultura que seja encarado como arma política à altura de todas as outras estruturas com assento ministerial. Temos de deixar de tratar a cultura como uma coisa acessória. No mínimo, exige-se uma atribuição de 2% das verbas europeias à cultura. No mínimo. E ao governo exige-se uma ação mais consentânea com a dignidade que a cultura merece”. E Rui Massena corroborou, pedindo que “a cultura e a sua economia estejam presentes no discurso público de uma forma prática” e acrescentando que “é altura de os privados serem tratados ao mesmo nível do público, para que se possam equilibrar todos estes postos de trabalho que demoraram anos a conquistar. Está na altura de o Estado tomar conta de nós porque até aqui tomámos conta de nós”.

Ao longo da manifestação, discursaram ainda, entre outros, Carlitos Júnior, da Associação Empresas e Artistas de Circo, o ator José Raposo — que visou Graça Fonseca, dizendo que “hoje devia estar aqui a senhora ministra, é uma coisa que acho inacreditável” —, Ana Raquel, da Audiogest e Associação Fonográfica Portuguesa, o fadista Ricardo Ribeiro e Dino Gomes, do Teatro Sá da Bandeira, que deixou as perguntas: “Até quando acham que vamos aguentar? Quantas salas vão sobreviver, a continuar assim? E as pessoas q trabalham connosco?”

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