Marcelo não tinha, até esta quarta-feira, despido o fato de Presidente, mas desta vez arregaçou as mangas para desferir golpes em André Ventura, que o ataca a toda a hora. E disse-lhe tudo o que tinha guardado, desde acusar Ventura de ser da “direita do medo” até acusá-lo de “demagogia barata”. Isto sem dispensar vestir o fato, a espaços, para dizer sem pejo: “Eu não lhe admito que o senhor diga aqui o que não diz nas audiências em Belém. Lá é outra conversa e outro tom”. Foi um ralhete, mas André Ventura também não teve problemas em continuar a ser indisciplinado com o professor e não desistiu de o tentar colar ao PS e à esquerda: “Será que alguém à direita pode em consciência votar em Marcelo? Que esteja bom da cabeça?”
No ringue, Marcelo começou logo a provocar Ventura quando ainda estava no seu canto, num contra-ataque ao facto de o candidato apoiado pelo Chega ter sugerido horas antes que o chefe de Estado se queria escapar ao debate. Quando o Presidente-candidato informou que esteve durante a tarde em isolamento profilático, Ventura escreveu no Twitter: “Ele há coincidências (quase) providenciais…” Marcelo não deixou escapar assim que tomou a palavra: “A providência divina quis que eu estivesse aqui”.
Já Ventura quis colar Marcelo ao executivo de António Costa, acusando-o de estar “sempre a apaparicar e a elogiar o Governo” e também, por exemplo, de piscar o olho à esquerda e à direita por estar “obcecado com Mário Soares”. Já o candidato apoiado por PSD e CDS assumiu pela primeira vez nesta campanha de forma direta e literal que era de direita: “Há uma diferença entre nós, representamos direitas diferentes”. Marcelo considera-se de “uma direita social, do Papa Francisco, da doutrina social da Igreja” por oposição à “direita securitária, a direita do medo” que cola a Ventura.
Nas várias acusações que fez a André Ventura, Marcelo tentou distanciar-se ainda ao dizer que, ao contrário de Ventura, não é um “líder partidário”, não quer fazer das “presidenciais umas primárias das legislativas” nem tem “agendas paralelas”.
As fotografias de Ventura onde Marcelo gosta de estar
André Ventura mostrou fotografias de Marcelo Rebelo de Sousa para o apertar com momentos do atual Presidente que foram impopulares ou considerados menos felizes ao longo do mandato. O candidato apoiado pelo Chega mostrou a fotografia de Marcelo com moradores do Bairro da Jamaica, enquanto dizia: “[A fotografia] mostra tudo o que a minha direita não é. Marcelo juntou-se a bandidos que tinham atacado uma esquadra policial. Eu represento a direita que nunca vai deixar as polícias estarem sozinhas. Marcelo gosta de se dizer de direita mas gosta de andar de mãos dadas com o eleitorado de esquerda.”
Marcelo assumiu a fotografia e respondeu à letra, dizendo que vai “sem medo” ao Bairro da Jamaica que “não é um caso de polícia, é um caso social”. Questionado pelo candidato do Chega porque tirou a fotografia ao lado dos bandidos e não dos polícias, o candidato apoiado por PSD e CDS disse que já tirou “fotografias em várias esquadras de polícia” e referiu que, para si, “não há portugueses puros e impuros”. E atirou a Ventura, com algum desdém: “Essa distinção diz tudo de si“.
Outra das fotografias foi quando André Ventura mostrou uma fotografia de Manuel Nascimento uma das vítimas dos incêndios de 2017, que morreu sem ver a sua casa reconstruída — como lhe tinha prometido Marcelo Rebelo de Sousa pouco depois da tragédia. Ventura acusou Marcelo de não ter feito o suficiente: “Não acha que ficou muito aquém de chamar o Governo à colação?”
Marcelo voltou a indignar-se com moderação ao garantir que “lutou permanentemente” para que a casa fosse reconstruída e acusou André Ventura de “pura demagogia”, já que “fez o discurso mais violento” de que foi alvo o Governo e ainda lembrou que foi ao terreno: “Eu estive lá (…)”. Ventura disse que sim. Marcelo retorqui: “Ah esteve? Imagino, imagino. Demagogia barata“.
O Presidente-candidato foi sempre à réplica e quando Ventura o acusou de ser “manipulado pelo Governo” e de andar com o PS ao colo, Marcelo ripostou: “O povo português votou duas vezes numa maioria de esquerda no país e nos Açores votou numa maioria de direita. Dá-lhe jeito quando o Presidente respeita uma maioria de direita e já não lhe dá jeito quando o Presidente respeita uma maioria de esquerda”. O candidato apoiado pelo Chega insistiu que, nos Açores, Marcelo “não podia fazer nada“. Neste momento, Ventura chegou a falar por cima de Marcelo que repreendeu Ventura como quem chama a atenção de um aluno da sala: “Vamos falar ou não?” Não ficou sem resposta: “Isto é um debate”.
Voltando a ser questionado sobre o apoio ao Governo, Marcelo insistiu que “vetou quando tinha de vetar” e que “disse o que tinha a dizer ao Governo” em várias alturas como nos incêndios de 2017 ou sobre a Caixa Geral de Depósitos. Sobre o estado de emergência, Marcelo lembrou que aprovou “quase contra tudo e todos” e — ao ser questionado por Ventura sobre se assumia a libertação de presos — respondeu: “Assumo. Não aumentou a criminalidade, está provado.”
O atual Presidente não teve problemas em puxar dos galões das sondagens e dos índices de popularidade: “Custa-lhe muito, mas os portugueses têm apoiado o Presidente”. Pouco depois, quando o candidato do Chega lhe disse que ainda bem que estava a assumir tudo o que foram decisões no país para os portugueses saberem, Marcelo voltou a encher o peito: “Vamos ver dia 24”.
A única convergência entre ambos foi na redução de deputados, que Marcelo lembrou já defender há muitos anos. Sobre, por exemplo, o projeto do Chega de tornar Portugal num regime presidencialista, o candidato social-democrata alertou para os riscos de uma ditadura: “Presidencialismo no passado conduziu à ditadura em Portugal”. Nas entrelinhas, sugeria que podia haver essa deriva num regime presidencialista como o proposto pelo Chega.
A postura combativa do Presidente é a mesma que teve em 2016 quando debateu com Sampaio da Nóvoa. Aliás, nessa altura atacou o candidato apoiado por parte do PS com uma frase que voltou a repetir hoje com ligeiras alterações: “Ele alinha com uma parte do país contra a outra parte do País. O Presidente não pode ser de fação.” Puxando a fita atrás, no Congresso que o elegeu líder do PSD também acertou contas com Pedro Santana Lopes, então bom tribuno e político em fase ascendente que o desafiava. Desta vez, não foi diferente: Marcelo nunca largou as luvas de boxe.