A campanha de André Ventura organizou um jantar-comício no Solar do Paço, em Braga, com 170 pessoas, num espaço de 450 metros quadrados, sem ventilação. Ao Observador, fonte oficial da Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-Norte) garantiu que tinha dado um “parecer desfavorável” à realização do evento.
Quando estava a prestar declarações aos jornalistas, confrontado com a notícia, Rui Paulo Sousa, mandatário nacional e diretor de campanha de André Ventura, defendeu-se dizendo que a ARS não tem de se pronunciar sobre a realização de eventos e que essa é uma competência exclusiva da Direção Geral de Saúde. Além do delegado de saúde da ARS, também a Proteção Civil, avança a SIC, emitiu um parecer desfavorável.
“Não é requisito para o evento a ARS-Norte dar qualquer parecer. O que é requisito é a Direção-Geral de Saúde (DGS) dar um parecer”, disse Rui Paulo Sousa. Ainda de acordo com o responsável da campanha de Ventura, o Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) inspecionou o local e garantiu que havia condições para realizar o evento.
O Chega de Braga foi informado no sábado, às 18 horas, que o evento não estava autorizado. A GNR também foi informada este domingo. Mas a iniciativa aconteceu ainda assim.
Pode ouvir aqui a reportagem da Rádio Observador:
Não é a primeira vez que o número de pessoas presentes nos eventos da campanha surpreende dado o contexto pandémico. A pergunta é recorrente e a candidatura de Ventura responde sempre da mesma forma: todos os eventos são comunicados previamente às autoridades de saúde, com referência à lotação do espaço e ao número de convidados.
Até ao momento, à exceção do jantar-comício em Sintra do último domingo, em que as autoridades recomendaram a redução do número de convidados, a campanha de André Ventura garante que foi sempre autorizada a realizar estas iniciativas.
Este domingo, em Braga, nem o staff do candidato do Chega escondia alguma preocupação. Ainda antes de Ventura chegar, um dos responsáveis pela campanha pedia aos apoiantes que não se levantassem e que apenas aplaudissem o candidato no lugar.
Correu mal. Assim que Ventura surgiu pela porta, os apoiantes de Ventura saltaram como molas. Atrás de Ventura, Filipe Melo fazia sinal, aflito, para que os apoiantes se baixassem. Sem efeito. Assim que Ventura se sentou, abriram-se as gargantas. “É com um orgulho que eu digo chega / É com respeito que me vês / E bate forte cá no meu peito / E é por ti que eu canto, André. Allez, Allez, Ventura allez!. Allez, Allez, Ventura allez…!”. Allez, Allez, Ventura alleeeeez…!”.
Jornalistas recebidos com insultos e ameaças
O jantar da campanha de Ventura decorreu à porta fechada, numa quinta destinada a grandes eventos como casamentos. Os jornalistas estiveram sempre num piso inferior, mas o que ia acontecendo no jantar era perfeitamente percetível. Houve sorteio de rifas, música (chegou a ouvir-se “Pão com manteiga” de Tino de Rans) e cânticos em homenagem a Ventura, geralmente entoados em estádios de futebol.
O clima foi mudando ao longo da noite assim que os apoiantes de André Ventura perceberam que circulavam notícias sobre as condições em que o evento se estava a realizar. Já perto das 23 horas, enquanto a comunicação social esperava para entrar na sala principal para acompanhar o discurso de André Ventura, um dos comensais cruzou-se com os repórteres, visivelmente alterado e atirou sem grande pudor. “Vocês são uns montes de esterco!”
As portas abriram-se finalmente e os jornalistas puderam entrar. Primeiro, com a sala em silêncio. Depois, como assobios e muito rapidamente com cânticos dirigidos. “Pouco importa, pouco importa /Se eles falam bem ou mal / Queremos o André Ventura/ Presidente de Portugal”.
O momento prolongou-se durante largos minutos sem que ninguém da direção de campanha esboçasse um esforço de reação. Ventura acenava com a cabeça ao ritmo da música. No caminho, desde a entrada até ao momento em que câmaras, microfones e jornalistas ficaram a postos, ouviram-se alguns insultos e ameaças. “Era matá-los a todos”, chegou a dizer um dos apoiantes do candidato presidencial.
Rui Paulo Sousa, mandatário e diretor de campanha de André Ventura, tomou finalmente a palavra para fazer uma uma curta intervenção e terminou com uma ideia que provocou novos gritos de protestos: “Os nossos adversários estão lá fora, mas alguns estão cá dentro…”. A sala irrompeu em novos cânticos, mais uma vez contra a comunicação social presente.
No final do jantar, alguns apoiantes de André Ventura ficaram para trás, enquanto rondavam a sala onde estavam os jornalistas e captavam imagens. Tudo acabou sem incidentes de maior a registar.
Ventura promete a reconquista
Antes de Braga, uma passagem por Guimarães. O cenário estava montado para uma chegada cinematográfica: os holofotes, o sol a descer e depois a lua, o castelo de Guimarães ao fundo, o campo de São Mamede como palco de um novo comício de André Ventura, o maior até ao momento, com cerca de duas centenas de pessoas a assistir e fortemente vigiado pela PSP, incluindo por equipas de prevenção e reação imediata da Unidade Especial de Polícia, que circulavam de moto, à volta do recinto improvisado ao ar livre.
A chegada de Ventura fez-se anunciar quando, às 17h53, João Tilly, professor, cabeça de lista do Chega por Viseu e um dos elementos do partido mais interventivos nas redes sociais, começou a aumentar o som das colunas e a dar espaço para que Michael Jackson ensaiasse o seu “no matter if you’re black or white”.
A tríade de Mercedes pretos que transporta o candidato surgiu poucos minutos depois para gáudio dos apoiantes. “Ventura, Ventura, Ventura”, entusiasmava-se multidão, cenário inevitavelmente estranho dado o contexto pandémico. Já com todos no palco, foi Filipe Melo, líder da distrital do Chega/Braga, a dar um cheirinho sobre o que vinha aí. “Em 1121 começou aqui a grande reviravolta e a independência do nosso país. Em 2021, começa com este homem uma nova independência, a IV República.”
Não faltaram, pois, referências a D. Afonso Henriques e aos nomes que fizeram Portugal. Ventura, talvez imbuído pelo espírito, não se conteve e prometeu aos militantes presentes: “Vamos concluir a reconquista no dia 24 de janeiro. Representamos a alvorada. Desta escuridão nascerá a luz. Deixem-nos em paz que nós queremos salvar Portugal. E eu não vou desistir enquanto não salvar Portugal.”
À distância, o grupo de manifestantes anti-Ventura gritava “fascista”. Os apoiantes do líder do Chega devolviam os mimos. “Vai para a tua terra, piolhoso! Vão mas é trabalhar”. Esses e outros convites irreproduzíveis ouviam-se com total nitidez.
Ventura aproveitaria os “gritos histéricos”, como classificou os protestos, para continuar a cavalgada triunfante. “[Os nossos antepassados] deram a vida pelo país em que acreditavam, não cederam perante o sistema ou o politicamente correto. Não podemos ficar assim [encostou o indicador ao polegar] de mudar Portugal. Foi a nós que a providência nos permite transformar este movimento numa oportunidade de Portugal”, continuou.
“Perante este castelo eu me ajoelho em memória de Portugal. Não desistam de Portugal”, rematou Ventura, para a apoteose. No final, uns e outros, manifestantes anti-Ventura e apoiantes do candidato, despediram-se, uns a cantar o hino de Portugal outros a gritar “25 de Abril sempre, Fascismo nunca mais”.