Mais uma dia de campanha de Marcelo Rebelo de Sousa em que o candidato é tirado de campo porque o Presidente quer falar sobre a situação da pandemia em Portugal. E também para enviar recados duros ao primeiro-ministro numa fase especialmente delicada. Ao quinto dia de (curta) estrada eleitoral, o candidato-Presidente desconfinou.

A sessão com os alunos da Nova SBE, em Carcavelos, foi rápida e fechada à imprensa, já que a instituição informou Marcelo que não queria tratar de forma diferente os candidatos presidenciais e tanto Tiago Mayan Gonçalves, como Vitorino Silva já tinham por lá passado sem comunicação social. Mas o candidato-Presidente resolveu rapidamente a situação e relatou ele mesmo cada uma das perguntas que lhe tinham feito e cada uma das suas respostas. Muitas sobre os seus gostos, ms também alguma política. Por exemplo, ficou-se a saber que há um arrependimento nas declarações políticas da vida de Marcelo: “O ‘nem que Cristo desça a terra’. Foi sobre uma ida para o PSD e desceu logo 15 dias depois. Aprendi que nunca se diz nunca”.

E comprava carro a algum dos atuais líderes políticos? E ao líder do Chega, só com uma declaração escrita? “Acredito em todos os líderes partidários igualmente. Era de esperar que não me vigarizasse em relação ao carro vendido e eu também não ia aldrabá-los”, respondeu entre risos à tirada de uma jornalista. Na Nova também lhe perguntaram sobre em que circunstância dissolveria a Assembleia da República: “Se a Assembleia da República votar a censura ao Governo, se o Governo pedir demissão, se eu demitisse o Governo por estar em causa o regular funcionamento das instituições — isto é, violações reiteradas da Constitução — mas além disso era preciso que não houvesse, na mesma composição do parlamento, outra hipótese alternativa de Governo”. Fica escrito o guião para um caso de crise política.

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Mas o dia ameaçava ser ensombrado pela realidade dos números da pandemia — 218 mortos nas últimas 24 horas — e antes mesmo de serem conhecidos, Marcelo avisou desde logo que a gravidade da situação obriga a uma reflexão sobre os fecho das escolas já na próxima terça-feira. Porque não antes, se ao quadro é tão negro? Porque o Presidente quer ter dados mais seguros e isso só acontece na próxima semana, já que há um “desfasamento temporal” entre as medidas e os seus resultados. O cenário ainda vai piorar, avisa aos mesmo tempo que diz que, neste momento, não tem “informação alarmante” dos hospitais. Mas já o fazem pensar se suspenderá ou não a sua campanha eleitoral — ainda que ache que andar na rua nesta altura também ajuda a passar a palavra sobre o estado da situação que é “grave”, vai repetindo.

“O número de mortos reflete aquilo que ocorreu em número de casos entre três semanas a um mês antes”, detalha Marcelo a preparar já um quadro mais difícil para as semanas que estão para vir, uma vez que na última semana foi quando se verificou o salto do número de casos para mais de dez mil por dia.

Ali, numa universidade vazia, aproveitou para assinalar mais uma vez que os estudantes universitários estão em exames e só por não estarem com aulas presenciais é que se mantêm a funcionar. Marcelo disse-o em entrevista à CMTV na noite de segunda-feira, deixando em cima da mesa a possibilidade de fecharem mal regressassem às aulas presenciais.

Já quanto ao ensino secundário, também tinha falado nessa mesma entrevista assumindo que, para este confinamento, “o raciocínio foi: vamos ver durante estes 15 dias se há uma disseminação social. Porque fechar as escolas era liquidar este arranque de ano civil em termos de ano letivo. Vamos esperar para ver. Ainda não temos os números correspondentes a esta experiência. Veremos daqui a uma semana se, de facto, as escolas tiveram o desempenho que tiveram na fase anterior ou se pioraram. Se há um agravamento em termos de números na sociedade que possa ser atribuído às escolas”. Agora assumiu sem subtilezas que essa realidade pode ser alterada, se na próxima terça-feira os especialistas e os partidos se mostrarem mais inclinados nesse sentido.

“É isso que vai ser ponderado na sessão aberta. Vai ser importante ouvir os especialistas dizerem o que pensam sobre as escolas”, disse acrescentando de seguida que “importa tentar apurar uma posição muito clara, concordante sobre essa matéria, quer no universo dos especialistas, quer no universo dos políticos”. E lembra que a questão das escolas “não foi pacífica”, embora tenha sido quanto à manutenção das escolas abertas para os alunos até aos 12 anos, com o primeiro-ministro a afirmar nessa altura que “todos os especialistas foram convergentes em que, relativamente a crianças mais pequenas, até aos 12 anos, nada justifica o fecho das escolas”.

Agora, Marcelo diz que já “é preciso saber se os jovens não vão constituir fontes de contágio em termos de disseminação social igual ou maior à que existe hoje. É essa avaliação que tem de ser feita”.

“Gosto de ser otimista, mas de ter os pés assentes na terra”. Marcelo não gosta da bazuca

Já não é a primeira vez, nestes dias de campanha, que o Presidente-candidato se queixa do excesso de otimismo quando começou a vacinação em Portugal. Voltou ao tema quando falava de outra coisa que o incomoda. O mesmo otimismo com a bazuca — “não gosto da expressão”. O batismo é de António Costa, primeiro-ministro, mas Marcelo continuou e se dúvidas houvesse sobre quem era o alvo, dissiparam-se quando utilizou a palavra “otimista”. Aí era impossível não lembrar o “otimista irritante” que já colou a Costa no passado. “Eu gosto de ser otimista, mas de ter os pés assentes na terra porque depois a concretização é sempre mais complicada do que se pensa”. E aplica a máxima precisamente aos dois episódios: o da vacina e o da famosa bazuca europeia.

A vacina, porque ainda demora a produzir efeitos. E a bazuca porque vai chegar já com o país afundado nos custos do primeiro confinamento. “Sabem em quanto já vai a conta da pandemia? 22 mil milhões e estamos longe do fim. Quando estivermos no fim será de 30 e tal mil milhões. O dobro do Programa de Recuperaçaão e Resiliência e quase tudo o que corresponde a vários anos de Quadro Financeiro Plurianual”. Foi por isso, disse contrariando António Costa, que sempre teve “muito cuidados com a bazuca… é a vacinação a correr e a bazuca como resolução automática dos problemas dos portugueses. Sempre tive dificuldade em aceitar porque a vida é sempre mais complicada do que essas ideias”.

Aliás, apontou mesmo atrasos nos apoios à economia que precisam de ser resolvidos antes. “O ministro [da Economia] deu uma entrevista a dizer que iam ser aplicados em fevereiro e é muito importante o momento da aplicação”, sublinha criticando logo de seguida que na resposta ao primeiro confinamento, “passava imenso tempo” até que as medidas fossem aplicadas e “as pessoas e as empresas ficavam muito aflitas. É muito importante o momento em que são postas no terreno e se vê a repercussão das medidas”.

A bazuca afinal “já vem um anos depois do momento em que surgiu a pandemia”, anota Marcelo que acrescenta insatisfeito sem que o plano tenha ainda saído do papel: “A bazuca foi pensada quando se pensava que a pandemia acabava no outono do ano passado”. Um problema atrás do outro para o Presidente que só sabe onde vai a seguir: para Belém. A seguir, na agenda, claro, porque para Belém vai dizendo que ainda não sabe se vai, só as eleições o dirão. Uma coisa é certa, se lá ficar não troca de carro: “Este estava em ALD e já passei a ser proprietário, agora para trocar eram mais de 400 euros de mensalidade”. Se sair, lá terá de fazer a despesa.