Francisco Ramos, o coordenador da task force para o Plano de Vacinação, demitiu-se. Segundo o próprio, a decisão está ligada a “irregularidades no processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde do Hospital da Cruz Vermelha”, do qual é presidente da comissão executiva. Uma dessas “irregularidades” detetadas terá sido a vacinação de um médico que estava de baixa há um ano, tal como avançou o Expresso e confirmou o Observador. Outro dos casos, segundo apurou o Observador, terá sido a vacinação de um médico reformado.
Na nota enviada às redações com o anúncio da demissão, Francisco Ramos disse que “não se reúnem as condições” para se manter no cargo. “Ao tomar conhecimento de irregularidades no processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde do Hospital da Cruz Vermelha, do qual sou Presidente da Comissão Executiva, considero que não se reúnem as condições para me manter no cargo de coordenador da task force para a elaboração do Plano de Vacinação Contra a COVID-19 em Portugal”, referiu o responsável, acrescentando que apresentou na terça-feira, dia 2 de fevereiro, “à Senhora Ministra da Saúde, a renúncia ao cargo”.
O ministério da Saúde também informou que Francisco Ramos renunciou na terça-feira por “irregularidades detetadas pelo próprio no processo de seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa”. A tutela acrescenta que “o funcionamento da Task Force mantém-se assegurado pelos restantes membros do núcleo de coordenação”. O comunicado era omisso quanto ao facto de essas “irregularidades” estarem relacionadas com o processo de vacinação.
Francisco Ramos sai numa altura em que o plano de vacinação contra a Covid-19 tem sido alvo de críticas devido a diversas denúncias de vacinação indevida, com ‘atropelos’ aos critérios de prioridade definidos. Ainda esta quarta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, defendeu que “quem não cumpre as regras de vacinação deve ser punido”.
Francisco Ramos pediu à IGAS uma inspeção sobre vacinação no Hospital quando detetou as “irregularidades”
Francisco Ramos enviou à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) um pedido de investigação quando teve conhecimento das “irregularidades”. A informação foi adiantada ao Observador por fonte oficial do Hospital.
Questionada sobre as “irregularidades” em causa, a mesma fonte disse que estão ligadas aos “critérios de prioridade da vacinação”, mas não precisou os problemas identificados. “Foram vacinados profissionais de saúde prioritários, mas nesses prioritários encontrou-se irregularidades”, disse. Agora o IGAS “tem de dar o seu parecer e a sua opinião”, acrescentou. A vacinação ocorreu na terça-feira e quarta-feira no Hospital da Cruz Vermelha. Foram vacinados até agora 230 “profissionais de saúde prioritários”, diz a mesma fonte oficial.
Num comunicado enviado mais tarde, o Hospital da Cruz Vermelha confirmou que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) se encontra a investigar. “Nos procedimentos de seleção dos profissionais a vacinar, foram detetadas eventuais irregularidades. Este facto foi reportado à Inspeção Geral das Atividades em Saúde [IGAS], estando já a decorrer uma inspeção a cargo daquela entidade nos termos dos procedimentos de inspeção à execução das normas previstas no Plano de Vacinação contra o SARS-CoV-2″, salienta.
Contactados pelo Observador, nem o Hospital nem a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que detém cerca de 55% da unidade hospitalar, explicaram que problemas foram detetados.
Já ao final da noite, o diretor clínico do HCV, Manuel Pedro Magalhães, assumiu ter sido um dos autores – juntamente com a enfermeira diretora – de um “lapso” que foi descrito pelo hospital, por Francisco Ramos e pelo ministério da Saúde como “irregularidades no processo de seleção” para a vacinação prioritária.
“Estes dois elementos reconhecem que cometeram um lapso, tendo sido atribuída a especialidade de cirurgião a um médico da especialidade de medicina interna, o que permitiu que este fosse incluído na lista de profissionais do HCV a vacinar prioritariamente”, disse o diretor clínico à Lusa sem dar mais pormenores.
Segundo o médico, “perante isto, foi discutido o assunto com a administração do hospital, incluindo o seu presidente”. “Pusemos o lugar à disposição, eu, diretor clínico, e a enfermeira diretora, responsáveis pela inscrição final dos elementos constantes da lista e que foram vacinados entre ontem [terça-feira] e hoje [quarta-feira], na qual consta o lapso”, referiu.
Manuel Pedro Magalhães acrescentou que já tinha colocado o lugar à disposição a partir de 16 de dezembro, altura em que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa passou a ter a maioria do capital da sociedade gestora do HCV.
Vice-almirante Gouveia e Melo é o novo coordenador do plano de vacinação
É o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo quem vai substituir Francisco Ramos como novo coordenador do plano de vacinação contra a Covid-19. O militar já fazia parte, como representante do Ministério da Defesa, da equipa que agora irá coordenar e era responsável pela logística da distribuição. Segundo o Ministério da Saúde, em comunicado, vai assumir “funções de imediato”.
Em declarações aos jornalistas após uma reunião com a Ministra da Saúde, o vice-almirante assegura que irá “apertar as regras” e garantir um maior controlo na vacinação indevida, que considera “lamentável”. “Claro que vamos apertar as regras. Vai haver um aperto do controlo e da consciencialização”, disse, acrescentando que é preciso “analisar as falhas e tentar evitar que elas se repitam”.
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Henrique Gouveia e Melo disse ainda que deverá ser nomeado esta quinta-feira. E defendeu que, “face ao que aconteceu na instituição em que tinha responsabilidade [Hospital da Cruz Vermelha]” e na task-force, a decisão de Francisco Ramos foi “honrada e muito nobre”.
Cruz Vermelha Portuguesa demarca-se
Em comunicado, a Cruz Vermelha Portuguesa demarca-se das “alegadas irregularidades verificadas no processo de vacinação do pessoal do Hospital da Cruz Vermelha” e esclarece que “não tem qualquer responsabilidade nos assuntos de Gestão do Hospital da Cruz Vermelha”.
“O atual Conselho de Administração foi eleito pela Assembleia Geral da Sociedade depois de ter ocorrido a transferência das ações para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no passado dia 14 de Dezembro, num processo exemplarmente transparente e divulgado”, refere a Cruz Vermelha.