Christopher Plummer, que morreu ontem aos 91 anos, não podia nem ouvir falar em “Música no Coração”, de Robert Wise, o filme de 1965 onde interpretou o papel do Capitão Von Trapp, que lhe deu fama mundial e ao qual passou a ser imediatamente associado pelo resto da sua vida e carreira. Plummer chamava-lhe “The Sound of Mucus” (“The Sound of Music” é o seu título original), ou então apenas “aquele filme”. Considerava-o “sentimentalão e pegajoso”, não gostava da personagem de Von Trapp e dizia que a única boa recordação que tinha da fita era ter trabalhado com Robert Wise e com Julie Andrews, de quem ficou grande amigo.

Muito mais tarde, na sua autobiografia, “In Spite of Me” (2008), e em entrevistas posteriores, Plummer mostrou-se um pouco mais tolerante em relação a “Música no Coração”, admitindo que era um filme bem feito e com um apelo coletivo raramente visto. “É um filme para a família, e acho que nunca vimos um filme para a família com esta escala há muito, muito tempo”. E em 2010, lá apareceu com todo o elenco no programa de Oprah Winfrey, para comemorar os 45 anos da estreia. Mesmo assim, nunca deixou de estranhar “a relação invulgarmente sentimental” que as pessoas tinham com “o raio do filme”.

[“A Queda do Império Romano”:]

Como escreveu David Thomson no seu Biographical Dictionary of Film, Christopher Plummer tinha a raríssima qualidade de conseguir ser “uma estrela de cinema, um ator secundário e um muito bom ator de cinema”, assim como um consumado ator de teatro. Estava tão natural e confortavelmente à frente de uma câmara de filmar como nos palcos da Broadway, do West End londrino ou do seu Canadá natal.

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Morreu o ator Christopher Plummer, o capitão Von Trapp do filme Música no Coração. Tinha 91 anos

Foi o ator mais velho a ganhar um Óscar (aos 82 anos, o de Melhor Ator Secundário, em 2012, por “Assim é o Amor”, de Mike Mills, num homem que assume a sua homossexualidade após a morte da mulher). Era também um de apenas nove atores a ter ganho a chamada Tripla Coroa da representação (Óscar, Emmy e Tony).

[“Waterloo”:]

Ator da velha escola, completo e de porte distinto, espirituoso, controlado e avesso a exibicionismos, mestre do detalhe e da subtileza na composição dramática, Christopher Plummer preferia interpretar vilões a heróis (“O diabo é muito mais interessante do que Deus”, como gostava de dizer).  Ainda antes de rodar o primeiro filme, “Lágrimas da Ribalta”, de Sidney Lumet, em 1958, já tinha feito Shakespeare no Canadá e em Inglaterra, na Royal Shakespeare Company, e sido dirigido por Elia Kazan na Broadway, que na altura disse: “Este rapaz canadiano há-de ir muito, muito longe.” E se foi.

[“O Informador”:]

No cinema, e ao longo de mais de 60 anos de trabalho, Plummer apareceu em filmes tão variados como “A Floresta Interdita”, de Nicholas Ray (1958), “A Queda do Império Romano”, de Anthony Mann (1964),  “Waterloo”, de Sergei Bondarchuk (1970, como Wellington), “O Homem que Queria Ser Rei”, de John Huston (1975, a fazer de Rudyard Kipling), “Processo Arquivado por Ordem Real”, de Bob Clark (1979, na pele de Sherlock Holmes), “Algures no Tempo”, de Jeannot Szwarc (1980), “Star Trek VI: O Continente Desconhecido”, de Nicholas Meyer (1991), “Eclipse Total”, de Taylor Hackford (1995), “O Informador”, de Michael Mann (1999), “O Novo Mundo”, de Terrence Malick (2005) ou “Infiltrado”, de Spike Lee (2006). Um dos seus maiores arrependimentos era ter recusado o papel do feiticeiro Galdalf em “O Senhor dos Anéis”, de Peter Jackson (“Não queria passar quatro anos a filmar na Nova Zelândia. E fiz mal.”)

[“A Última Estação:]

[Assim é o Amor”:]

A sua primeira nomeação a um Óscar chegou já tarde, mas por um dos seus melhores papéis, o de um Tolstoi em final de vida em “A Última Estação”, de Michael Hoffman (2009). Depois de ganhar em 2012 pelo citado “Assim é o Amor”, Christopher Plummer tornou-se no ator mais velho a ser nomeado para uma estatueta da Academia, pela sua interpretação em “Todo o Dinheiro do Mundo”, de Ridley Scott, em 2018, com 88 anos, personificando o multimilionário J. Paul Getty. Um dos seus últimos papéis foi o de um famoso e espinhudo autor de livros policiais em “Knives Out: Todos São Suspeitos”, de Rian Johnson (2019).

[“Todo o Dinheiro do Mundo”:]

Plummer trabalhou até ao fim, porque era da opinião de que, em qualquer profissão, “a reforma significa a morte. Por isso, quero continuar sempre.”. Estava a fazer a voz de uma das principais personagens da animação de longa-metragem “Heroes of the Golden Masks” quando morreu. Helen Mirren disse que ele era “um monumento ao que um ator pode ser. Um grande ator no mais verdadeiro sentido da palavra.” Christopher Plummer foi muito, infinitamente mais do que o Capitão Von Trapp de “Música no Coração”, “esse tipo aborrecido”, como lhe chamava. Coisa que Plummer nunca foi na tela, no palco ou na televisão.