A consistência e abordagem tradicional às relações externas da nova administração de Joe Biden vão beneficiar Portugal, disse à Lusa o cientista político e professor da American University, Paul Manuel.

“Com o Presidente Biden e esta administração, com o Departamento de Estado de volta e capaz de fazer o seu trabalho, veremos muito melhores relacionamentos e políticas mais consistentes”, afirmou o académico, que lidera o Leadership Program da School of Public Affairs na universidade sediada em Washington, D.C.

Segundo Paul Manuel, na relação direta entre Portugal e os Estados Unidos “nunca houve o sentimento de que Trump fosse particularmente hostil” e o ex-Presidente não foi visto como uma grande ameaça às relações bilaterais.

No entanto, Trump “era errático”, nunca se sabia o que ia fazer, e isso constituía um problema.

Aquilo de que qualquer relacionamento precisa é estabilidade, transparência e consistência, e é isso que a nova administração está a trazer, a política externa da velha guarda”, acrescentou.

Algumas questões imediatas que interessam a Portugal e à comunidade luso-americana passam pelo regresso do português como língua crítica ao programa federal Startalk, do qual foi retirada em 2020, e a aprovação da legislação que dará aos cidadãos portugueses acesso aos vistos E-1 e E-2, reservados para pessoas que queiram entrar nos Estados Unidos para trocas comerciais ou investimentos significativos.

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“Penso que vamos ver uma abordagem muito mais favorável a isso por parte desta administração”, considerou Paul Manuel.

No contexto mais global de relações internacionais, o professor frisou que “está a dar-se uma restauração” e um recalibrar das ligações.

“O discurso de Biden no Departamento de Estado foi uma indicação clara de que as coisas voltaram ao normal, que nos vamos focar na diplomacia”, analisou.

“As pessoas que foram eliminadas, o chamado ‘deep state’ de que Trump não gostava, todas elas estão de volta”, continuou.

Ainda assim, manter-se-ão efeitos do mandato anterior, considerou o académico.

Uma das lições na aliança com os europeus”, afirmou, “é que o Presidente Trump encorajou-os a tornarem-se mais independentes, autossuficientes, e provavelmente essa não é uma má ideia”.

Mesmo que muitas coisas voltem ao que eram com Biden, “talvez seja preciso ter um plano B ou tornar os interesses europeus um pouco mais independentes”.

Esse processo poderá ser feito de forma ponderada e concertada, uma vez que houve uma normalização das relações entre os poderes.

“A Europa tem agora tempo de sobra para fazer os ajustes que não pôde fazer com o presidente Trump, quando foi tudo repentino e errático, parecendo vir do nada”, disse Paul Manuel.

“O que Trump fez em termos de política externa foi um choque para o sistema”, descreveu o cientista político. Mesmo com o ex-Presidente fora do cenário, não é certo que aquilo que aconteceu esteja ultrapassado em definitivo, até porque o fenómeno do populismo e da polarização está em crescimento, sustentou.

A Europa tem de tomar maior responsabilidade pelo seu interesse próprio, a sua defesa, a sua política comercial, e tem os meios para o fazer”, disse o luso-americano.

“Mas penso que tem de lhe dar mais atenção, para se proteger contra a possibilidade de outro Presidente populista”, acrescentou.

A redefinição encetada pela nova administração também está a acontecer num momento em que Donald Trump é alvo de um segundo processo de destituição, ao qual o mundo irá assistir a partir de terça-feira.

Paul Manuel frisou que o governo de Joe Biden tentará manter-se focado na sua agenda e não deixar que o julgamento desvie a atenção dos seus objetivos iniciais.

“Os primeiros 100 dias são tradicionalmente os mais importantes, quando há uma janela de políticas que é aberta”, afirmou.

“Do ponto de vista de estratégia política, faz sentido para a administração Biden não passar muito tempo a pensar nisto”, defendeu.

Isso explica os parcos comentários do atual inquilino da Casa Branca em relação ao processo: “O Presidente Biden tem sido muito inteligente na sua abordagem, afirmando a necessidade de prestação de conta e apoiando o ‘impeachment’ na generalidade, mas não dizendo mais que isso”, notou o académico.

O seu foco está na pandemia de Covid-19 e na rápida distribuição de vacinas, porque, disse, “uma vez que possamos voltar ao normal, a economia vai levantar voo e todos os problemas associados com o confinamento, económicos e sociais, desaparecem”.

Uma vez ultrapassada a pandemia, Biden vai focar-se mais naquilo que tem sido importante na sua carreira em Washington, que é trabalhar com os dois lados e conseguir aprovar legislação.

“Poderemos ver um esforço em relação à infraestrutura”, disse Paul Manuel, “e poderá haver trabalho bipartidário para melhorar o sistema de saúde”.