O ministro das Finanças reconhece que os valores gastos no apoio às empresas em 2020 ficaram aquém dos montantes disponibilizados pelo Governo, em particular no que toca ao diferimento do pagamento de impostos. No entanto, João Leão avisa que isso está a mudar.  “Em 2021 vamos ter de gastar muito mais em layoff. Temos já cerca de 212 mil trabalhadores, apenas no layoff simplificado e vamos ter de reforçar muito além do previsto, não só neste regime, mas também depois no apoio à retoma progressiva”, que é o regime que lhe sucede.

Toda a execução de despesa será muito mais elevada, afirmou o ministro numa audição no Parlamento. Isto por causa do efeito muito mais forte que a pandemia está a ter e os seus impactos na economia (por via do segundo confinamento). João Leão, que respondia à deputada do CDS, Cecília Meireles, aproveitou para mandar uma farpa para o PSD. “Para gáudio do PSD, vamos gastar mais e ter mais défice e podem voltar ao discurso de que estamos mal”. E deixou a garantia: “O Governo não hesitará em apoiar a manutenção do emprego”.

Nesta audição João Leão defendeu a manutenção da cláusula de escape orçamental que permite aos países do euro furar os limites da dívida e do défice para responder à pandemia. “É importante haver espaço orçamental e não estarmos sujeitos a uma pressão para começar a reduzir os apoios e perder a capacidade para estimular a economia.” Leão foi mais longe e até acenou com a necessidade de rever a médio prazo as regras orçamentais, lembrando que o impacto da crise foi assimétrico e que afetou mais os países com finanças mais fragilizadas e também mais dependentes do turismo.

A diferença (cerca de 3.000 milhões) entre os milhões anunciados e os gastos

Os gastos com a pandemia, abaixo dos valores previstos e orçamentados em 2020, foram um dos temas centrais desta audição, com o ministro a reconhecer que nem todos os apoios disponibilizados foram usados. Cecília Meireles confrontou João Leão com os apoios anunciados pelo ministro da Economia, Siza Vieira, num powerpoint no início de dezembro, e os valores que foram executados no final de 2020, para distinguir a “realidade da propaganda”.

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Há uma diferença de mais de dois mil milhões de euros entre os 3.900 milhões de alívios de tesouraria por via fiscal e contributiva anunciados e os 1.400 milhões de euros de perda de receita executados no final de 2020, assinala a deputada. Cecília Meireles aponta ainda para uma diferença de 500 milhões de euros entre 1700 milhões de euros previstos para o layoff e apoios sociais e os 1.279 milhões gastos. Afinal, concluiu a deputada, os apoios à economia não foram os 22 mil milhões de euros anunciados, mas 19 mil milhões de euros. “As empresas não quiseram?”, pergunta a deputada.

João Leão sublinhou várias vezes a distinção entre apoios a fundo perdido, como o layoff, e o diferimento nos pagamentos ao Estado. E destacou que há uma diferença entre os recursos colocados à disposição, os apoios potenciais a que as empresas se podem candidatar, e na adesão destas a esses apoios. No caso do IRC, Leão assinala que a crise está a ter um impacto desigual nos setores. O IRC teve um comportamento mais positivo, porque muitas empresas preferiram pagar os impostos no tempo previsto e não adiar.

Já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, sublinhou que aderiram os que mais precisaram, destacando a responsabilidade das empresas no pagamento das prestações negociadas com a Autoridade Tributária. A receita recorde de IRS foi explicada pela manutenção do emprego (apoiada pelo layoff), e dos salários, e pelo facto de que os rendimentos mais elevados, e que pagam impostos, terem sido menos afetados. Mendonça Mendes assinala também uma redução do valor dos reembolsos.

Já à espera de críticas sobre a menor despesa em 2020, o ministro das Finanças optou pelo ataque. Numa audição regimental na Comissão de Orçamento e Finanças, João Leão trouxe números que, no seu entender, demonstram que o Governo fez mais do que tinha previsto, por exemplo, nos gastos em saúde.

Assim, afirmou que no orçamental suplementar aprovado no verão do ano passado estavam previstos 500 milhões de euros adicionais para o SNS para fazer frente aos gastos com a Covid-19 e a despesa acabou por ser de “686 milhões de euros, acima do limite orçamental”. Já no que toca ao orçamento da Segurança Social, a execução ficou perto do orçamentado. 1.906 milhões de euros orçamentados e 1.915 milhões de euros executados.

Contas de 2021 terão de ser refeitas, depois do rigor de 2020 (que Salazar aplaudiria, diz PSD)

Isso sobre 2020. Já para 2021, Leão admite que já terá de refazer as contas que tinha feito em outubro. O ministro das Finanças admitiu que, no Programa de Estabilidade (que será entregue em Bruxelas em abril), o governo vai ter de rever significativamente o cenário macroeconómico de 2021 e rever em alta o défice para 2021.

“A evolução da pandemia conduziu a medidas de confinamento que vão ter um impacto significativo, em particular nos setores mais afetados pela necessidade de distanciamento social. (…) Tal implica que no Programa de Estabilidade teremos de rever significativamente o cenário macroeconómico para 2021 e teremos de rever em alta o défice orçamental para 2021”, disse. “Estamos confiantes que 2021 será um ano de recuperação económica devido a esta recuperação muito intensa no segundo semestre deste ano”, acrescentou o ministro, confiante que a evolução do combate à pandemia [nomeadamente através da vacinação] não deixará de dar resultados também para as contas nacionais.

Mas já a preparar o que aí viria, Leão continuou ao ataque, recordando que “em três câmaras municipais de referência do PSD” o executado ficou em 63% do orçamentado. “E é válido para câmaras do PSD, mas também do PS e dos outros partidos. É normal e existem razões para não ser tudo executado”, disse.

Mas as críticas do PSD surgiram na mesma. O deputado Duarte Pacheco também não deu tréguas a João Leão, dizendo que o ministro demonstra “desespero” nas suas explicações, “misturando o passado e o futuro na discussão”. “Tudo para não dizer que assume que decidiu cortar na despesa e privilegiar as contas públicas”.

“Já estamos habituados: convosco a despesa ficou sempre abaixo do que foi autorizado pelo parlamento”, disse o deputado, acrescentando que “em todas as apresentações e documentos que trouxer ao parlamento, [os partidos] terão de dar um desconto, não sei se de 20 ou 30%”.

“Sabe quem está a aplaudir, onde quer que esteja? O doutor Oliveira Salazar, que deve estar a aplaudir o rigor das suas contas”, atacou Duarte Pacheco, do PSD.

“Só tem uma preocupação: uma preocupação salazarista que faz com que mesmo em estado de desgraça opte por salvar as contas públicas”.

João Leão não se ficou. “Na área da Saúde gastámos mais do que viemos cá pedir, senhor deputado. E na Segurança Social gastámos ligeiramente acima”, insistiu. “Os orçamentos em contabilidade pública não se executam a 100%. Isso não existe. É impossível, não posso vir cá ao parlamento buscar o dinheiro que não se executou. Não é assim que funciona”.

Fisco sem solução para pais que escondem senha do filho

O deputado do PAN, André Silva questionou o Governo sobre as dificuldades que país divorciados sentem para registar as despesas dos filhos no seu IRS por causa da confidencialidade das senhas de acesso. Este não é um problema novo e, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que tem sido difícil encontrar uma solução.

António Mendonça Mendes diz que a culpa não é da Autoridade Tributária que não pode emitir mais do que um número fiscal por contribuinte. O problema, sublinha, são os pais que “em vez pensarem nos filhos, pensam neles próprios e escondem a senha de acesso da criança ao portal” do outro pai (ou mãe). “É o que se passa e não conseguimos encontrar solução para um problema que é de mediação familiar e em que os adultos não se entendem sobre as despesas das crianças que cada um pode deduzir no seu IRS.

Bloco de Esquerda questiona nomeação de Vítor Fonseca para Banco de Fomento

A deputada bloquista Mariana Mortágua aproveitou a vinda de João Leão ao parlamento para questionar a nomeação de Vítor Fernandes, um antigo quadro do Novo Banco, do BCP e da Caixa Geral de Depósitos, para chairman do Banco de Fomento. Mortágua aludiu ao papel de Vítor Fernandes na concessão de créditos problemáticos da Caixa nos tempos em que Armando Vara fez parte da administração do banco público. A deputada bloquista recordou que o nome de Vítor Fernandes também surgiu no decorrer da última comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da CGD, que analisou muitos dos negócios que resultaram em perdas para o banco.

“Foi precisamente o PS que insistiu em incluir o nome de Vítor Fernandes no relatório final” como tendo tido participação na concessão dos créditos problemáticos, disse Mariana Mortágua. Vítor Fernandes nunca terá estado inibido pelo Banco de Portugal de exercer atividade no setor bancário.

Na resposta, João Leão acusou Mariana Mortágua de, ao puxar o tema desta nomeação [que compete ao ministro da Economia, Pedro Siza Vieira], de estar a tentar desviar as atenções.