Mais de cinco horas, uma hora e meia das quais a ouvir mais de 40 deputados colocar questões, uma ministra e dois secretários de Estado. A ministra da Saúde levou Lacerda Sales e Serras Lopes para a apoiarem durante a audição na comissão e acabaram por repartir as muitas perguntas que os deputados quiseram colocar. Mas havia de ser Marta Temido a dar mais informações sobre a nova estratégia de testagem que quer ver implementada. O pedido já foi endereçado à DGS e respetivos especialistas, a resposta espera-se para breve, mas ainda não está fechada. O objetivo é alargar a quantidade de testes realizados, a qualquer pessoa que seja contacto de um caso positivo e não apenas a contacto de alto risco e, para isso, consoante o grau de exposição poderão ser usados tipos de teste diferentes. Os testes PCR deverão manter-se para contactos de alto risco, mas os testes rápidos de antigénio ou os mais recentes que recorrem à saliva poderão ficar para os outros contactos.

Mas para avançar com a testagem massiva será necessário aligeirar procedimentos. Um deles poderá ser o de deixar cair a necessidade de ter uma prescrição médica para realizar o teste, “em locais simples” e “gratuitos”. Caberá ao Estado o pagamento dos testes, tal como acontece atualmente com os testes PCR feitos depois de ter indicação médica para tal. Com a maior flexibilização do sistema de testagem o Governo espera conseguir rastrear mais rapidamente os possíveis casos positivos, quebrando cadeias de contágio.

Em relação ao atraso nos inquéritos epidemiológicos, que aumentou a reboque da escalada do número de casos em janeiro, Lacerda Sales deu conta de que há atualmente “4 mil inquéritos em atraso”, um número bem inferior aos 56 mil que havia até há poucos dias. A recuperação foi possível com o recrutamento de mais recursos humanos, quer profissionais, quer voluntários para apoiar nessa tarefa, detalhou ainda o secretário de Estado da Saúde.

Em relação à atividade programada, extra-covid, Marta Temido deu conta de que em 2020 se realizaram menos 1,2 milhões de consultas de especialidade hospitalar e 126 mil cirurgias que no ano anterior.

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“Nos hospitais, a atividade assistencial de dezembro de 2020, comparada com 2019, registou uma diminuição nas principais linhas de atividade, designadamente na consulta de especialidade hospitalar. Em dezembro de 2020 havia menos 1,2 milhões de consultas face ao volume de 12,4 milhões de consultas que se tinham realizado em 2019”, apontou Marta Temido durante a comissão, esclarecendo que a quebra de atividade foi também extensível às cirurgias, com uma “descida de 126 mil cirurgias face a um volume de 704 mil cirurgias em 2019”. Já os episódios em serviço de urgência caíram 1,8 milhões face aos 6,4 milhões registados no ano anterior.

Vacinação não é maior porque não há doses disponíveis. Compra autónoma de Portugal seria “o pior” cenário possível

Numa altura em que a média de vacinação da União Europeia é inferior a países como Israel, Reino Unido ou Estados Unidos da América, a ministra da Saúde respondeu a questões sobre uma eventual quebra das patentes das farmacêuticas rejeitando a ideia que isso poderia ser a solução para o problema: “Ficaríamos com a fórmula para fabricar, mas não teríamos como”. Temido diria mais tarde que 90% da penicilina disponível no mundo provém da China ou Índia, tal como 60% do paracetamol para explicar que além dos constrangimentos de capacidade de fabrico há também “problemas em termos de matéria prima e acabamento de alguns produtos farmacêuticos”.

Para explicar como seria má ideia se Portugal tentasse ir comprar diretamente às farmacêuticas — além do acordo que existe na União Europeia —, Marta Temido recordou o que aconteceu em 2020 quando todos os países tiveram necessidade de reforçar as unidades de cuidados intensivos das várias unidades hospitalares com ventiladores: “C ompras autónomas seria o pior que nos pode acontecer”. Aquilo que Portugal, na condição de assumir a Presidência do Conselho da União Europeia, está a fazer é fomentar a “colaboração entre várias companhias para suprir falhas”, explicou a ministra da Saúde.

A atualização de números relativamente às vacinas administradas em Portugal ficou a cargo do secretário de Estado da Saúde Diogo Serras Lopes. Segundo o responsável até esta quarta-feira Portugal já fez “415 mil inoculações desde 27 de dezembro”. Não deixando de notar os desvios que aconteceram nos casos e pessoas não prioritárias já vacinadas, Serras Lopes afirmou que “brevemente haverá uma campanha de comunicação mais intensiva”, à medida que o plano vai avançando para outras franjas da população mais abrangentes.

Antes, Ricardo Baptista Leite tinha questionado a ministra da Saúde sobre o que irá acontecer com os “quase 860 mil utentes do SNS que estão sem médico de família” e “o que teria acontecido se Portugal não tivesse optado por não contratar as 800 mil doses da vacina”. Na resposta, Serras Lopes disse que “as vacinas nunca estariam prontas antes do final de 2021”, logo “não chegariam a tempo de ser úteis” e de contribuir para acelerar o ritmo de vacinação no país.

Já em relação às dúvidas que têm surgido sobre a forma de contacto dos mais velhos para a vacinação, Marta Temido garantiu que os portugueses “podem ficar perfeitamente tranquilos”, porque o esquema de contactos criado pelo SNS para os convocar para a vacinação não falhará.  “Se não for por SMS é por carta, se não for por carta é por chamada telefónica. As pessoas podem ficar perfeitamente tranquilas, o SNS tem um esquema de contacto com cada um para que as pessoas sejam de facto contactadas”, apontou Marta Temido, que diz que Portugal terá acesso “a maiores quantidades de vacinas” a partir de agora.

A ministra da Saúde apontou ainda a ferramenta criada pelas autoridades de saúde que as pessoas acima de 50 anos prioritárias para vacinação podem a partir de sexta-feira consultar — para verificar se constam nas listagens de prioridade.

PSD fala em “momento sombrio” e CDS em “falta de adesão à realidade e falta de preparação e planeamento”

Ao longo das mais de cinco horas, várias foram as oportunidades para os partidos da oposição apontarem falhas — além dos pedidos de esclarecimento — à estratégia do Governo ao longo da pandemia. Com Manuel Carmo Gomes a ser citado algumas vezes, o CDS levou recortes de jornais onde se podiam ler críticas de médicos e o PSD frisou o “momento sombrio” que o SNS atravessou durante o mês de janeiro.

“Sabíamos que podia ocorrer, era necessário ser antecipado. Sabíamos que teria um custo humano, que se verificou com a brutal mortalidade no país”, começou por dizer o deputado do PSD Ricardo Baptista Leite, adjetivando o mês de janeiro como “sombrio” na história do SNS.

Ana Rita Bessa, do CDS, haveria de ironizar com a questão da requisição civil, questionando a ministra sobre uma eventual “requisição civil dentro do SNS” já que, considerou, o “estado é caótico” dentro das unidades do Serviço Nacional de Saúde. Quer PSD, quer CDS questionaram a tutela sobre o necessário investimento nas unidades de cuidados paliativos, depois de aprovada a lei da morte medicamente assistida, mas Marta Temido não tinha tempo disponível para responder aos deputados.

Já na ronda alargada de questões dos deputados, Álvaro Almeida voltou a subir o tom das críticas à gestão da pandemia feita pelo Governo, apontando que Portugal “foi um dos três países que menos gastou no combate à pandemia”. O deputado do PSD criticou a opção do Governo de ter deixado parte da capacidade de endividamento autorizada por gastar.

“Dos 13 mil milhões de endividamento autorizado, só foram gastos 10 mil milhões. O Governo foi um dos três que menos gastou no combate à pandemia”, frisou Álvaro Almeida, acrescentando ainda que bastaria “uma fração dos 3 mil milhões para que se pudesse recuperar todas as consultas e com isso se pudesse reduzir a mortalidade”.

Cinco mil portugueses esperam por cirurgia oncológica. Plano de retoma da atividade assistencial priorizará estes doentes

Na sequência das questões lançadas pelos deputados sobre os atrasos na área oncológica, Marta Temido referiu o Programa Nacional para as Doenças Oncológicas e a necessidade que em 2021 todos “se mobilizem para responder de forma o mais eficientemente possível ao que ficou por fazer”. Marta Temido acrescentou ainda que há “cinco mil utentes inscritos para cirurgia oncológica”.

Está a ser trabalhado um plano com o objetivo de minimizar atrasos na atividade cirúrgica oncológica e Marta Temido diz que as regiões que terão “a maior preocupação” do Governo são Lisboa e Vale do Tejo e Algarve por serem “as que tinham mais inscritos além do tempos máximos garantidos”.

Algumas das questões dos deputados versavam a também diminuição da capacidade assistencial e de realização de rastreios — que podem dar origem a uma maior pressão no SNS no futuro — e Lacerda Sales atualizou os números relativos aos rastreios realizados em 2020. Destacou o aumento da cobertura geográfica de alguns dos rastreios e o aumento da adesão a rastreios específicos e garantiu que, “após este momento difícil, a aposta será feita na atividade assistencial destes rastreios”.