A renovação do estado de emergência foi novamente aprovada, mas o tom das críticas da oposição à gestão que o Governo vem fazendo da crise pandémica são cada vez mais intensos. Apesar de ter conseguido aprovar o decreto, o Executivo socialista deixou o Parlamento praticamente isolado. “O que seria de Portugal se o PSD também tivesse votado contra o estado de emergência?”, chegou a questionar Rui Rio.

À semelhança do que tem acontecido nas últimas semanas e meses, esta quinta-feira votaram contra a renovação do estado de emergência as bancadas do PCP, PEV, Iniciativa Liberal, Chega e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. Também o Bloco de Esquerda manteve a abstenção.

Mas foram as palavras vindas da bancada do PSD que mais urticária causaram à ministra da Saúde e à bancada do PS. O deputado social-democrata Carlos Peixoto acusou o Governo de ter deixado a coordenação do plano “a um profissional do PS” que haveria de se revelar “um amador”, sem designar explicitamente Francisco Ramos, que se demitiu da função na semana passada para ser substituído pelo vice-almirante Gouveia e Melo.

Rui Rio, por sua vez, acabaria por reforçar as críticas ao Governo socialista. “Quem nos governa não tem estado plenamente à altura das responsabilidades que foi chamado a assumir. Falhámos no planeamento da segunda vaga o que implicou que ela se juntasse a uma terceira onda de dimensões dramáticas; tardámos a confinar, mantivemos as escolas abertas para lá do aceitável, sendo hoje bem claro que elas são um dos principais focos de contágio atual”, afirmou.

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O não-pedido de desculpa de Marta Temido

Marta Temido não gostou de ouvir as críticas de Carlos Peixoto e questionou o “nível de linguagem” usado pelo deputado social-democrata. Antes, já o deputado socialista Pedro Delgado Alves tinha criticado Peixoto pelo “declínio da qualidade da linguagem num dos momentos mais difíceis da historia do país”.

Carlos Peixoto sentiu-se ofendido pela ministra e pediu a Ferro Rodrigues a palavra em defesa da honra. “A ministra e o deputado socialista responderam à incomodidade dos factos e das verdades com uma coisa que não aconteceu. Se fosse a eles estava mais preocupado com a desgraça dos factos e dos números do que com a linguagem, porque fomos o pior país do mundo e isso é o que deve concentrar o Governo: concentrem-se em governar”, afirmou.

Na resposta que lhe é reservada nestas situações, a ministra haveria de “pedir desculpa” — mas apenas e só para voltar à carga.

“Se o ofendi peço desculpa, porque o que me ensinaram em casa foi a pedir desculpas. Passamos momentos muito graves e nesses momentos o equilíbrio entre todos é muito importante. [Mas servir os portugueses] é também não ficar silenciosos perante adjetivações que não consideramos adequadas face ao esforço de muita gente para agilizar os processos”, disse. O tom seria este ao longo de todo o debate.

Manipulação de dados, falta de informação e de propaganda

Mantendo a torrente de críticas, o PSD, pela voz de Rui Rio, acusou o Governo de fazer “propaganda política” num momento difícil. “É tempo de todos assumirmos as nossas responsabilidades em nome das vidas que temos de ajudar a salvar e em respeito pelo sacrifício que os profissionais de saúde estão a fazer”.

O PAN acusou o Governo de ter uma “obstinação em manipular dados” e usou como exemplo até as escolas. Segundo o partido o Governo fala em “nove mil infeções em contexto escolar”, mas a “DGS indica a existência de 50 mil” o que, considerou a líder parlamentar “gera desconfiança e descrebiliza o próprio Governo”.

Já o CDS criticou a falta de informação nos relatórios sobre a aplicação do estado de emergência que o Governo apresenta na Assembleia da República. João Gonçalves Pereira apontou a falta de informação relativa à vacinação ou aos apoios às empresas, como exemplos de dados que o CDS considera que deviam constar do relatório e que não são detalhados pelo Executivo.

O Governo respondeu sempre com um dado: o número de vacinados. Até esta quinta-feira às 8h30 da manhã, repetiram Eduardo Cabrita e Marta Temido, foram administradas 422.546 doses, 303 mil portugueses receberam a 1ª dose, e 133 mil que receberam também a 2ª dose.

Por outro lado, a quebra no do ritmo de vacinação deve-se às farmacêuticas que se atrasaram na entrega das vacinas contratualizadas com a União Europeia. O plano está traçado, a capacidade instalada, mas não há vacinas suficientes. Foi esta a linha de argumentação usada pelo Governo no debate. “O avanço na vacinação crescerá tanto quanto tenhamos vacinas disponíveis”, disse o ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita.

Falta de planeamento para aulas à distância em toda a linha

Além da vacinação, a alegada falta de preparação para o ensino à distância foi outro dos temas quentes da tarde. Este é já o segundo ano em que o país enfrenta um confinamento geral e, com ele, o necessário encerramento dos estabelecimentos escolares, mas os meses que separam o regresso às aulas em 2020 e o novo confinamento em 2021 não foram suficientes para que as condições de acesso às aulas à distância fossem garantidas a todos os alunos.

Com as escolas fechadas, o Bloco de Esquerda anunciou que apresentará na próxima semana propostas para que os pais que estão em casa com os filhos sejam pagos a 100% e para que possam optar entre o teletrabalho e o apoio aos filhos.

Já o PCP que se tem mostrado frontalmente contra o recurso ao estado de emergência pediu ao Governo que encontre “uma resposta equilibrada quanto aos impactos económicos e sociais” considerando que a atual situação é “insustentável”. “O estado de emergência e o confinamento são exceção, não são solução”, apontou o líder parlamentar João Oliveira.

E os comunistas insistem na necessidade de Portugal encontrar “medidas para a diversificação de aquisição de vacinas”, mesmo depois da ministra da Saúde já ter dito no Parlamento na quarta-feira que essa seria “a pior coisa que podia acontecer a Portugal”, com um cenário semelhante ao da aquisição de ventiladores no ano passado a repetir-se. Portugal faz-se valer da capacidade de negociação da União Europeia para não ficar para trás na receção das vacinas que estão contratualizadas.

Aos ataques da oposição, o PS respondeu com exemplos vindos dos Estados Unidos para justificar o atraso na entrega de computadores aos alunos do ensino público. O deputado Porfírio Silva, na intervenção de abertura do debate sobre a renovação do estado de emergência, que apontou a existência de “cerca de um milhão de contentores imobilizados no interior dos Estados Unidos” que terão material eletrónico, para explicar o atraso na chegada de encomendas de milhares de computadores.

Com os partidos a insistir na necessidade de preparar, desde já, o desconfinamento, o Governo vai deixando garantias de algumas mudanças: mais testes, linhas vermelhas para considerar as datas para desconfinar quer no número de infetados, quer na pressão das unidades hospitalares. Até lá, os decretos de Marcelo Rebelo de Sousa deverão chegar de 15 em 15 dias às mãos dos deputados para serem discutidos no hemiciclo.