Os médicos de família reduziram entre 30 a 50% o encaminhamento de doentes para consulta de especialidade nos hospitais, disse esta sexta-feira à Lusa o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), considerando esta situação “dramática”.

“Nós temos estado a sinalizar esta situação desde abril passado em termos de resposta à doença não-Covid e temos dado nota que o estrangulamento maior que existe é a nível dos cuidados de saúde primários que foram envolvidos em muitas atividades burocráticas para responder à doença Covid-19”, adiantou Alexandre Lourenço.

Segundo dados divulgados pelo Movimento Saúde em Dia, liderado pela Ordem dos Médicos (OM) e a APAH, os centros de saúde fizeram menos 11,4 milhões de consultas presenciais em 2020 comparativamente a 2019 (-38%). Também se realizaram menos 25 milhões de exames de diagnóstico (-25%) e ficaram por fazer milhares de rastreios aos cancros da mama, do colo do útero, do cólon e reto.

“As referenciações para os hospitais têm uma redução entre os 30 a 50%, isto é dramático porque no limite até podemos vir a ter números historicamente baixos a nível de cirurgias e doentes em espera para cirurgia, mas não é por termos realizado mais cirurgias – até porque realizámos menos 120 mil [em 2020] – é porque não temos doentes para intervencionar ou fazer outros tratamentos medicamentosos da área do cancro”, alertou. No seu entender, é preciso encontrar respostas que não se baseiem na rede atual porque “não está minimamente funcional”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Nós não podemos dizer que estamos a dar uma boa resposta” porque ao direcionar-se a resposta para os doentes Covid-19, que eram os mais urgentes, “ficaram milhares de portugueses para trás”, muitos deles desconhecendo que estão doentes. “Estes doentes necessariamente vão ter uma deterioração do seu estado de saúde, vão chegar aos hospitais em fases mais avançadas das suas doenças em que a nossa capacidade para tratar fica muito condicionada”, advertiu.

Para Alexandre Lourenço, é essencial “ativar os cuidados de saúde primários”, retirando alguma atividade burocrática aos médicos de família e enfermeiros, e criar-se “vias verdes” para rastreio de doenças oncológicas e identificação de grupos prioritários que devem ter consultas imediatas e presenciais.

“O nosso papel é curar e tratar das pessoas, mas sabemos que vamos ter aqui muito sofrimento que poderia ter sido evitado”, salientou.

O bastonário da OM considerou, por seu turno, que há “uma falha muito grande” na realização de exames e rastreios: “a dimensão do problema é muito maior do que se pode pensar”, porque os dados que existem no Portal da Transparência do SNS referem-se a doentes que já estão no sistema, o pior são os que “não chegam a entrar nos cuidados de saúde primários e nos hospitais”.

“Nós que estamos no terreno vamos verificando isso, que começaram a deixar de se fazer consultas, a adiar-se cirurgias, os meios complementares de diagnóstico e houve uma fase em que ficaram completamente parados em março, abril do ano passado”.

Nos meses de verão, “as coisas melhoraram um bocado”, mas nunca em nenhum mês se atingiu um valor semelhante ao mês anterior de 2019, tirando janeiro e fevereiro em que foram feitos mais atos porque não havia ainda a pandemia. Miguel Guimarães lamentou que não se tenha avançado com a anunciada ‘task force’ para tentar recuperar a atividade não-Covid-19. “Chegaram a ser ensaiados alguns meios semelhantes àqueles que já existiam, utilizando os chamados cheque-consulta, mas foi uma coisa muito transitória que não resolveu o problema”.