A prisão do rapper catalão Pablo Hasél no início desta semana provocou uma onda de protestos violentos que dura há três dias em Espanha e que já levou a dezenas de detenções, estragos avultados e uma ruptura dentro do governo de coligação. O centro dos protestos é a capital e a maior cidade da comunidade da Catalunha, Barcelona, onde, segundo as autoridades locais, os danos provocados pelos manifestantes podem chegar aos 500 mil euros.

Os eventos que levaram ao escalar da violência nas ruas aconteceram entre segunda e terça-feira. Pablo Rivadulla Duro, mais conhecido pelo nome artístico Pablo Hasél, devia ter-se entregado voluntariamente até às 20h sexta-feira para cumprir a pena de nove meses de prisão a que foi condenado por enaltecer o terrorismo e atacar a Coroa espanhola no Twitter, mas tentou escapar à prisão, que classificou como uma “humilhação indigna”.

Na segunda-feira, barricou-se com dezenas de apoiantes no interior da reitoria da Universidade de Lleida, localidade catalã de onde é originário. Na terça-feira de manhã, a polícia invadiu a universidade, sendo recebida com a descarga de vários extintores. Hasél foi detido e levado para a prisão de Ponent de Lleida para cumprir a pena que lhe foi imposta pelo Tribunal Nacional em 2018.

O rapper de 33 anos já tinha sido condenado pelo mesmo crime, por canções divulgadas entre 2009 e 2011 no Youtube. Segundo o El País, em temas como “Libertad presos políticos”, “Obama Bin Laden” e “No me da pena tu tiro en la nuca”, Hasél defendia a luta armada e a atividade de organizações terroristas. Noutras, pedia a morte da família real. A pena de dois anos de prisão foi suspensa porque o artista não tinha antecedentes. Desta vez, não teve tanta sorte — foi declarado culpado por glorificação do terrorismo em mensagens publicadas no Twitter entre 2014 e 2016, nas quais enalteceu membros da ETA e GRAPO condenados por atividades terroristas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Numa altura em que vários artistas e personalidades foram julgados por violações à polémica Lei de Segurança Pública de Espanha de 2015, Pablo Hasél tornou-se um símbolo da liberdade de expressão que, na opinião dos seus apoiantes, a sua condenação viola.

Terceira noite de manifestações com Espanha. Já foram detidas 80 pessoas nos protestos. Porta-voz do Podemos apoia “jovens antifascistas”

Unidas Podemos apoia “jovens antifascistas”. PP quer afastamento de membros do governo que não condenaram violência

Os protestos pela libertação de Pablo Hasél, concentrados na região da Catalunha, geraram uma onda de violência que dura há três dias e que não parece prestes a acalmar. O balanço feito nesta quarta-feira pela polícia espanhola deu conta da detenção de pelo menos 80 pessoas, um número que será agora maior após mais uma noite de confrontos entre manifestantes e polícia. De acordo com o El País, esta quinta-feira à noite, as autoridades detiveram outras 16 pessoas em Barcelona e Valência. Os prejuízos são avultados. Em Madrid, estima-se que os distúrbios de quarta-feira na zona da Puerta del Sol tenham provocado estragos de 200 mil euros. Em Barcelona, os danos rondarão os 400 mil, podendo atingir os 500 mil euros.

As manifestações levaram a uma cisão ainda maior entre os dois partidos no poder, o PSOE e o Unidas Podemos, e a uma nova crise política no país.

No início da semana, o Unidas Podemos colocou-se imediatamente do lado dos manifestantes, manifestando-se contra a condenação do rapper e a atuação da polícia, sem condenar a onda de violência que tem varrido várias cidades. O porta voz do partido, Pablo Echenique, expressou no Twitter “todo” o seu apoio “aos jovens antifascistas que estão a pedir justiça e liberdade de expressão nas ruas”.

Já o líder da bancada parlamentar, Jaume Asensanunciou que o Podemos tudo irá fazer para que seja concedido um indulto a Hasél. Asens, que se mostrou na segunda-feira solidário para com todos aqueles que foram “alvos de represálias” da parte da polícia, defendendo que ser rapper não pode ser “um delito” em Espanha, veio entretanto dizer que “a violência não é a solução”.

Pedro Sánchez condena manifestações em Espanha: “Numa democracia não é admissível o uso de qualquer violência”

A posição tomada pelo Podemos foi criticada por vários membros da oposição espanhola e também do governo de coligação. O líder do PP, Pablo Casado, apelou a Sánchez para que afaste todos os membros do executivo que não condenaram de maneira clara os acontecimentos dos últimos três dias. Ana Belén Vázquez Blanco, porta-voz do mesma organização partidária na comissão de Interior do Congresso dos Deputados, acusou Pablo Iglesias de ser “culpado do que se está a passar nas ruas e o senhor Sánchez de ser responsável”.

Dentro do governo, a vice-presidente do executivo, Carmen Calvo, e o ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, mostraram-se também contra a violência e as posições tomadas por Enchenique e Asens. Esta sexta-feira, Grande-Marlaska, defendeu a atuação das forças policiais, que garantem “os direitos e liberdades contra uma minoria que, com um conceito errado de direitos, faz uso da violência”,  e condenou o “uso injustificável da violência”.

No mesmo dia, o também socialista Guillermo Fernández Vara, presidente da região da comunidade da Extremadura, lembrou em entrevista à Canena Ser que o rapper não foi detido por apenas “opinar”, mas por apelar à violência e terrorismo. “Ninguém se questionou porque é que Hasél foi parar à prisão. Não se vai parar à prisão por opinar, mas por encorajar o terrorismo e também por apelar à violência”, afirmou. “Há um partido que tenta governar e outro que tenta que não haja governo”, declarou Vara. “Os governos não se manifestam e nem existem para fazer condenações, existem para governar. O Podemos coloca muitas vezes na agenda aquilo que permite marcar a diferença e não o que permite obter consensos.”

Ao fim de três dias, Pedro Sánchez quebrou o silêncio

A par da troca de acusações e do escalar da violência nas ruas de algumas das principais cidades em Espanha, os últimos dias dias têm sido marcados por um silêncio da parte do líder do governo espanhol, quebrado apenas esta sexta-feira. À margem num evento em Mérida, na Extremadura, Pedro Sánchez falou aos jornalistas para condenar as manifestações violentas e para defender que “numa democracia plena não é admissível o uso de qualquer tipo de violência” e que “a violência é um ataque à democracia”.

“A democracia tem uma tarefa pendente, a de ampliar e melhorar a proteção da liberdade de expressão. Existe um amplo consenso dentro da sociedade de que é preciso proteger melhor a liberdade de expressão. O governo disse que ia melhorar a proteção legal”, disse, referindo-se à intenção do atual executivo de alterar o código penal do país para eliminar as penas de prisão por ofensas envolvendo a liberdade de expressão, especialmente quando se trata de uma forma de expressão artística.

“Numa democracia plena, e a democracia espanhola é uma democracia plena, não é admissível o uso de qualquer tipo de violência. Não há exceção. Porque não é uma liberdade, é um ataque à liberdade dos outros”, afirmou, garantindo, segundo o El País, que o governo “fará frente a qualquer forma de violência e irá garantir a segurança dos cidadãos”.

“A democracia protege a liberdade de manifestação, de expressão, inclusivamente dos pensamentos mais infames e absurdos. Mas não a violência. A violência é a negação da democracia”, disse ainda, fazendo eco das críticas dirigidas aos membros do Podemos.

Até ao momento, Pablo Iglesias não se pronunciou sobre a situação.