O plano de reestruturação da TAP, apresentado em dezembro  de 2020, prevê que a empresa tenha uma posição líquida de tesouraria negativa já em março, isto se não receber um financiamento adicional por parte do Estado. A análise à liquidez faz parte do plano enviado pelo Ministério das Infraestruturas ao Parlamento esta segunda-feira aos deputados do CDS. Este documento contém muita informação rasurada e tapada, em nome da confidencialidade, mas, pela consulta efetuada pelo Observador, a análise de liquidez indica que sem financiamento estatal adicional a TAP SA terá uma posição líquida de tesouraria negativa em março de 2021.

O documento admitia que a situação de tesouraria prevista para o próximo mês poderia ser melhor do que a estimada, reduzindo as necessidades de financiamento, se a situação melhorasse. Ora quer o presidente executivo, quer o presidente não executivo, confirmaram esta terça-feira no Parlamento que a operação dos primeiros meses do ano está a ser pior do que o previsto.

A TAP está a operar a 7% da atividade que tinha em fevereiro de 2020 e o cenário para março não é muito diferente, fruto da evolução da pandemia e das restrições às viagens para fora de Portugal e, em particular, para os mercados fundamentais como o Brasil. Isso significa que a receita da empresa estará abaixo da prevista no plano feito em dezembro, ainda que o presidente da TAP tenha referido que este acomodava o arranque mais negativo da operação em 2021.

Por outro lado, Miguel Frasquilho admitiu que as negociações do plano de reestruturação com a Comissão Europeia vão demorar mais tempo do que o inicialmente previsto, ultrapassando o prazo indicativo do final de março. Isto apesar de acreditar que o plano será aprovado. Este prolongamento, que é justificado com a negociação dos acordos de emergência com os sindicatos, significa que um novo apoio do Estado não poderá chegar dentro do horizonte temporal previsto no plano, isto porque só depois de Bruxelas dar luz verde à reestruturação é que o Estado dar novo auxílio à empresa.

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Negociação da TAP em Bruxelas derrapa para depois de março. Nova ajuda só com plano aprovado

Além disso, o presidente do conselho de administração da TAP indicou que o corte de salários negociado com os sindicatos nos acordos de emergência só será implementado em março, quando inicialmente se previa que pudesse ter efeitos retroativos a partir de fevereiro. Uma situação que irá pressionar mais a tesouraria da empresa.

Miguel Frasquilho foi questionado na audição parlamentar — pelos deputados do CDS, João Gonçalves Pereira e do PSD, Carlos Silva — , sobre as necessidades de tesouraria da TAP para este ano e sobre quanto tempo teria a empresa capacidade para continuar sem novo apoio do Estado. Mas preferiu não dar um valor, nem um prazo para até quando a TAP tinha tesouraria. Referiu apenas que as necessidades de liquidez são acompanhadas quase diariamente para que a empresa não entre em situações de estrangulamento.

O Observador também questionou a TAP sobre se a previsão de liquidez do plano se mantinha e que medidas seriam tomadas para acautelar o risco de eventuais rupturas, mas não obteve respostas até agora.

O Ministério das Finanças informou no início do ano que os 1.200 milhões de euros do empréstimo do Estado à TAP atribuído no ano passado já teriam sido todos pagos. No entanto, o Observador sabe que essa verba tem sido gerida de forma muito criteriosa e com o envolvimento do Governo e ainda há fundos do empréstimo a entrar na empresa. E mesmo que o plano fosse aprovado por Bruxelas até ao final de março, o novo financiamento poderia demorar semanas a materializar, sobretudo se fosse obtido junto de privados com aval do Estado. O Governo também já abriu a porta a novo empréstimo do Estado à TAP.

Primeiro cheque de 1,2 mil milhões de euros foi todo entregue à TAP em 2020

O plano entregue aos deputados indica que a TAP vai precisar de 772 milhões de euros para chegar ao final do ano com uma tesouraria a zeros, mas este valor terá de ser complementado com uma almofada, o que elevará o montante para os 970 milhões de euros já referidos pelo Governo para 2021. O documento refere ainda que a TAP não terá nesta fase acesso ao mercado de capitais sem aval do Estado, situação que poderá mudar a partir de 2022 se se verificar um fluxo de tesouraria positivo.

Bancos aceitaram dar mais um ano e meio, para lá da moratória

O plano mostra também que a TAP negociou o adiamento da retoma dos pagamentos de empréstimos bancários em 1 ano e meio, para além da moratórias das prestações que atualmente está em vigor. O montante total adiado de dívida representa uma média de 16% do total da dívida bancária. O documento refere a intenção de uma reestruturação da dívida financeira, nomeadamente no que diz respeito aos prazos, mas é omisso, tanto quanto as partes rasuradas permitem perceber, em relação à dívida obrigacionista.

O presidente executivo apontou 1,3 mil milhões de euros de economias obtidas com o adiamento da entrega de aviões e pagamentos a entidades financeiras associadas a contratos de leasing operacional relativos à frota. O plano consultado pelo Observador indica que uma das entidades com quem foi negociado o adiamento de pagamentos de juros e capital por um ano e meio, em benefício da tesouraria no curto prazo, foi o Novo Banco. O montante total adiado representa uma média de 32% das locações totais, acrescenta o plano, sendo que os valores de poupança estão tapados.

Para ilustrar que os trabalhadores não são os únicos a quem são pedidos esforços e sacrifícios, Ramiro Sequeira referiu igualmente poupanças de 220 a 225 milhões de euros por ano com os fornecedores. O documento refere uma negociação com cerca de 1.000 fornecedores. Alguns destes fornecedores são empresas do próprio grupo TAP ou participadas pela TAP, como a Groundforce, que atualmente dependem fortemente do cliente/acionista.

A Groundforce, a Cateringpor e a Manutenção e Engenharia do Brasil estão entre os ativos classificados como “não nucleares” e em relação aos quais há opções a considerar. E se nos dois primeiros casos são referidas reestruturações, na M&E Brasil já foi assumida a intenção de venda e Miguel Frasquilho revelou no Parlamento que a TAP deixará de usar a unidade do Brasil (no Rio de Janeiro) para fazer a manutenção dos aviões até ao final deste ano.

Metade das páginas tem rasuras

O plano enviado tem cinco capítulos, desenvolvidos ao longo de 12 pontos. É a partir do capítulo dedicado ao plano de negócios que há mais informação tapada, sobretudo quando estão em causa metas financeiras, comparações com empresas internacionais, valores de poupanças ou cortes de custos previstos e rácios de custos operacionais por modelo de avião e lugar. Mas também há indicadores aparentemente inofensivos do ponto de vista do segredo comercial, como a redução de consumo de combustível e evolução de emissões de CO2 previstos com a nova frota, que surgem parcialmente obliterados.

O documento mostra ainda que a TAP SA deverá ter fechado o ano com um resultado operacional negativo superior a 900 milhões de euros, o que compara com 47 milhões de euros positivos em 2019. De acordo com informação já tornada pública, o plano prevê que a empresa tenha um cash-flow positivo a partir do final de 2023 e tenha capacidade para começar a pagar dívida em 2025

Alguma da informação tapada foi já sendo tornada pública, alguma até nas audições realizadas esta terça-feira com os gestores da TAP. Por exemplo, quer Ramiro Sequeira, quer Miguel Frasquilho avançaram valor de 1,5 mil milhões de euros para a poupança obtida nas negociações dos prazos de entrega da nova frota junto da Airbus, com os lessors (empresas de leasing que financiam compras de aviões) e fornecedores.