A ONU revelou ter informação de que “graves violações do direito internacional, possivelmente constituindo crimes de guerra e crimes contra a humanidade“, foram cometidas no estado etíope do Tigray e quer “uma avaliação objetiva e independente dos factos”.
“Uma análise preliminar da informação recebida indica que graves violações do direito internacional, possivelmente constituindo crimes de guerra e crimes contra a humanidade, podem ter sido cometidas por múltiplos atores no conflito, incluindo as Forças de Defesa Nacional da Etiópia, a Frente de Libertação do Povo de Tigray, as Forças Armadas Eritreias, e as Forças Regionais de Amhara e milícias afiliadas”, revelou em Genebra a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, citada num comunicado emitido pelo seu gabinete.
“Com múltiplos atores no conflito, negações generalizadas e o apontar de dedos, há uma clara necessidade de uma avaliação objetiva e independente dos relatos, às vítimas e sobreviventes destas violações não devem ser negados os seus direitos à verdade e à justiça“, acrescentou a responsável.
Bachelet “instou”, por conseguinte, e mais uma vez, o governo da Etiópia a “conceder” ao seu gabinete e a outros monitores independentes “acesso à região do Tigray, com vista a estabelecer os factos e contribuir para a responsabilização, independentemente da filiação dos perpetradores”.
A ex-presidente chilena manifestou igualmente preocupação com as detenções esta semana no Tigray de jornalistas e tradutores que trabalham para os meios de comunicação locais e internacionais, e, ainda que os jornalistas tenham entretanto libertados, deu relevo a “comentários preocupantes por parte de um funcionário do governo de que os responsáveis pelos ‘meios de comunicação internacionais enganosos’ seriam considerados responsáveis”.
As vítimas e testemunhas de violações e abusos dos direitos humanos não devem ser impedidas de partilhar o seu testemunho por receio de represálias”, disse a Alta Comissária.
“Continuam a ser partilhados connosco relatos profundamente angustiantes de violência sexual e baseada no género, execuções extrajudiciais, destruição generalizada e pilhagem de propriedade pública e privada por todas as partes, bem como relatos de combates contínuos no centro de Tigray, em particular”, enumerou Bachelet.
Além disso, acrescentou, “continuam também a surgir informações credíveis sobre violações graves do direito internacional dos direitos humanos e do direito humanitário por todas as partes em conflito em Tigray, desde novembro do ano passado”. “Sem investigações rápidas, imparciais e transparentes e sem responsabilizar os responsáveis, receio que continuem a ser cometidas violações com impunidade e que a situação permaneça volátil por muito tempo”, concluiu a Alta Comissária.
O gabinete dos Direitos Humanos das Nações Unidas indicou que tem recebido informações sobre os combates em curso em toda a região, particularmente no centro da região de Tigray, bem como incidentes de pilhagem por vários atores armados. Fontes “fidedignas”, na avaliação da ONU, partilharam informações sobre o assassinato de oito manifestantes pelas forças de segurança entre 9 e 10 de fevereiro em Adigrat, Mekelle, Shire e Wukro.
Mais de 136 casos de violação foram também notificados em hospitais de Mekelle, Ayder, Adigrat e Wukro na região leste de Tigray entre dezembro e janeiro, com indicações de que existem muitos mais casos não notificados. O governo afirmou que estão em curso investigações sobre os casos de violência sexual.
O gabinete de Bachelet também conseguiu corroborar informações sobre alguns dos incidentes ocorridos em novembro último, apontando para bombardeamentos indiscriminados em Mekelle, Humera e Adigrat no estado de Tigray, e relatos de graves violações e abusos dos direitos humanos, incluindo “assassinatos em massa em Axum, e em Dengelat, no centro de Tigray, pelas forças armadas da Eritreia”, segundo o comunicado.
O governo da Etiópia informou esta quarta-feira que está a investigar “alegações credíveis de atrocidades e violações dos direitos humanos” no estado de Tigray, incluindo na cidade de Axum, onde foi documentado um massacre de várias centenas de pessoas.
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A Comissão de Direitos Humanos etíope (EHRC, na sigla em inglês), constituída pelo governo, está a investigar alegações relativas a Axum e a outros locais, e sinalizou a sua vontade de “colaborar com agências relevantes das Nações Unidas”, indicou o gabinete do primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, numa declaração.
A comunicação social internacional também tem pressionado Adis Abeba para que lhe seja autorizado o acesso a Tigray, mas nos últimos dias vários jornalistas etíopes a trabalhar com meios de comunicação social estrangeiros foram detidos, pouco tempo depois de serem autorizados a entrar naquele estado etíope. Mais tarde, foram libertados.
A declaração do gabinete de Abiy Ahmed, Prémio Nobel da Paz em 2019, diz expressamente que as forças de defesa etíopes “garantirão a segurança” dos jornalistas nas áreas de Tigray sob o controlo das forças federais, e que quaisquer jornalistas que deixem essas áreas “não serão impedidos de circular, mas fá-lo-ão por sua própria conta e risco”.
A pressão internacional cresce sobre o segundo país mais populoso de África para que permita a realização de investigações independentes sobre alegadas atrocidades cometidas durante o conflito que começou em 04 de novembro entre as forças federais etíopes e suas aliadas e as forças estaduais, leais aos agora fugitivos líderes de Tigray, quadros eleitos da Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF, na sigla em inglês), partido que dominou durante décadas o governo da Etiópia, antes da tomada de posse de Abiy em 2018.