Os juízes do Tribunal Constitucional preparam-se para chumbar o diploma que despenaliza a eutanásia. A decisão final só será tomada no início da próxima semana, apurou o Observador, mas a inclinação da maioria dos juízes será mesmo para não deixar passar a lei que foi aprovada pelo Parlamento no início deste ano.
A informação foi confirmada pelo Observador junto de várias fontes que acompanham o processo: na composição atual do Tribunal, haverá uma maioria que já se terá expressado contra o diploma e que até terá ido, na argumentação, mais longe do que Marcelo Rebelo de Sousa, quando enviou as suas dúvidas sobre a constitucionalidade da lei ao TC. Falta agora confirmar a votação, numa reunião plenária agendada para o início da próxima semana.
Quando o TC recebe um pedido de fiscalização preventiva — ou seja, antes de a lei ser promulgada, como neste caso — o processo é distribuído a um juiz, que apresenta um memorando, e esse memorando é discutido pelos magistrados, sendo então votada a orientação do tribunal. É nesta altura que se percebe para onde pende a maioria dos juízes. Depois disso, já com essa orientação definida, é elaborado um projeto de acórdão, que é depois discutido e votado em plenário (é esse passo que deve ser dado no início da próxima semana).
Este é mais um obstáculo a uma lei que já enfrentou vários: em 2018, os projetos apresentados por PS, Bloco de Esquerda, PEV e PAN acabaram chumbados por pouco, numa série de votações cruzadas que deixou o diploma dos socialistas — o que ficou mais perto da aprovação — a apenas cinco votos de passar no Parlamento.
Já depois das eleições legislativas de 2019, estes partidos, a que se somou o Iniciativa Liberal, voltaram a apresentar projetos para legalizar a morte medicamente assistida e conseguiram uma margem de aprovação confortável (mais de 40 votos de diferença).
O obstáculo seguinte foi Marcelo: a 18 de fevereiro, já depois de ser reeleito para um segundo mandato em Belém, o Presidente da República enviou a lei para pedir a sua fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional. O tribunal teria, então, um prazo de 25 dias, que termina na segunda-feira, para se pronunciar.
Ora Marcelo optou por uma solução criativa: em vez de recorrer ao argumento sobre o direito à vida (o artigo 24º da Constituição estabelece que o direito da vida é “inviolável), o presidente e constitucionalista preferiu concentrar-se no uso que a lei faz de “conceitos altamente indeterminados”, como o de “sofrimento intolerável”, e apontar a “total ausência de densificação do que seja lesão definitiva de gravidade extrema”. Ou seja: Marcelo duvida da forma como, na prática, se determinarão conceitos indefinidos na hora de decidir quem pode recorrer à eutanásia.
No texto em que justificava o pedido de fiscalização preventiva, o presidente especificava que o seu requerimento não ia no sentido de perceber se a eutanásia, “enquanto conceito, é ou não conforme a Constituição”. Marcelo queria, sim, perceber se “a concreta regulação da morte medicamente assistida operada pelo legislador” nesta lei em concreto, que resulta de um consenso alcançado entre todos os partidos que apresentaram projetos no Parlamento, “se conforma com a Constituição, numa matéria que se situa no ‘core’ dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, por envolver o direito à vida e a liberdade da sua limitação, num quadro de dignidade da pessoa humana”.
Se a maioria dos juízes do TC confirmar a inclinação que já expressou e chumbar a lei, ou parte dela, na próxima semana, os partidos poderão voltar a apresentar uma nova versão do diploma para tentar contornar o chumbo. No entanto, é a argumentação que o próprio TC usar que vai definir a margem de manobra com que os partidos poderão contar, na esperança de virem a obter um resultado diferente.