O Tribunal Constitucional considerou que o diploma que despenaliza a morte medicamente assistida não está conforme à Lei Fundamental. O juiz conselheiro Pedro Machete anunciou que o Tribunal “pronunciar-se pela inconstitucionalidade” de normas de quatro artigos do diploma. O TC considera que o princípio da inviolabilidade da vida humana — que não tinha sido invocado pelo Presidente da República — não está em causa, mas sim as condições em que é possível praticar a eutanásia . Tal como o Observador tinha adiantado na quinta-feira passada, a maioria dos juízes já tinha dado um primeiro sinal neste sentido. Foram sete os juízes (do total de 12 — neste momento) que votaram pela inconstitucionalidade da lei e o Presidente da República vetou lei logo de seguida, devolvendo-a à Assembleia da República.
Tribunal Constitucional prepara-se para chumbar lei da eutanásia
O presidente do TC, João Caupers, votou pela inconstitucionalidade do diploma, bem como mais seis juízes conselheiros: Pedro Machete (vice presidente, independente), Lino Ribeiro (independente), Fátima Mata-Mouros (indicado pelo CDS), José Teles Pereira (indicado pelo PSD), Joana Costa (indicada pelo PS) e Maria José Rangel Mesquita (indicada pelo PSD). Contra esta pronúncia votaram os outros cinco juízes: Mariana Canotilho (indicada pelo PS), José João Abrantes (PS), Maria da Assunção Raimundo (PS), Gonçalo de Almeida Ribeiro (PSD) e Fernando Vaz Ventura (PS).
João Caupers explicou a decisão, dando especial destaque à norma relativa às condições em que a morte medicamente assistida não é punível e argumentam que ela têm de ser “claras, precisas, antecipáveis e controláveis”. Neste ponto, dão razão ao Presidente da República que apontava a falta de objetividade de alguns dos conceitos na determinação da morte antecipada. Nomeadamente na “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico” que consta no diploma e que os juízes dizem suscitar “imprecisão”. “Não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado”, disse Caupers.
Mas discordam da preocupação presidencial no que diz respeito ao conceito, que também consta no diploma, de “sofrimento intolerável”, pois consideram que “embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional”.
Os juízes conselheiros que chumbaram o diploma, consideram, no entanto, existir latitude constitucional suficiente para acomodar a despenalização medicamente assistida em Portugal, desde que noutros termos. Isso mesmo ficou claro quando o presidente do TC afirmou que “o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias”.
Os juízes admitem que “uma sociedade democrática, laica e plural dos pontos de vista ético, moral e filosófico, que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe, legitima que a tensão entre o dever de proteção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções político-legislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa”.
Isto desde que preserve “em termos materiais e procedimentais os direitos fundamentais em causa, nomeadamente o direito à vida e a autonomia pessoal de quem pede a antecipação da sua morte e de quem nela colabora”.
Quando recebeu o diploma aprovado pela Assembleia da República no final de janeiro, o Presidente decidiu reencaminhá-lo para o Tribunal Constitucional, pedindo a fiscalização preventiva da constitucionalidade. Marcelo Rebelo de Sousa não usou o argumento do direito à vida, levantando antes dúvida sobre a formulação de determinados termos do diploma, como a “situação de sofrimento intolerável”.
Eutanásia. Os motivos de Marcelo para mandar o diploma para o Tribunal Constitucional
A lei que despenaliza a morte medicamente assistida em Portugal foi aprovada no Parlamento a 29 de janeiro com os com os votos a favor do Bloco de Esquerda, PEV, das deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira, e também da grande maioria dos deputados do PS, PAN, Iniciativa Liberal e 14 deputados do PSD, incluindo o líder do partido Rui Rio. Nos votos contra junatram-se PCP, CDS, Chega, nove deputados do PS e 55 deputados do PSD. E abstiveram-se dois deputados do PS e duas deputadas do PSD.
Artigo alterado depois de detalhada a fundamentação dos juízes