O vice-almirante Gouveia e Melo diz que está já prevista para abril, quando se iniciar a segunda fase, a criação de postos de vacinação rápida ou massiva e o lançamento de uma nova página de Internet, ficando as farmácias reservadas para quando se detetarem limitações no sistema de administração de vacinas perante a maior disponibilidade esperada no segundo trimestre.
“No mês de abril, vai haver uma necessidade de começar a meter esses postos de vacinação rápida em execução. É um desafio, mas é um desafio que julgo que vamos superar todos. As autarquias, o Ministério da Saúde… está a ser tudo organizado para que nesse momento as coisas aconteçam da melhor forma e o mais célere possível”, afirmou em entrevista à agência Lusa.
O coordenador da ‘task force’ responsável pelo plano de vacinação explica que o processo de diálogo entre autarquias, Administrações Regionais de Saúde (ARS) e Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) já existe e esteve apenas “em pausa” para evitar “falsas expectativas” face à escassez de vacinas disponíveis nesta primeira fase.
“O processo de organização está bastante trabalhado e evoluído. Estou convencido de que nós, rapidamente, conseguimos pôr esses postos de vacinação rápida a trabalhar. Tem é de haver vacinas para os colocar a trabalhar. Não faz sentido abrir um posto que pode administrar 500 ou 600 vacinas num dia e depois ter 50 vacinas para administrar”, afiançou.
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Com uma média de cerca de 23 mil inoculações diárias, o processo tem assentado na comunicação com os cidadãos por SMS, os quais registam uma taxa de sucesso de marcações entre os 50 e os 54 por cento. Os restantes utentes são alcançados através de marcações diretas pelos centros de saúde, com o apoio das autarquias, sublinhou Henrique Gouveia e Melo, que anunciou também o lançamento de uma nova plataforma eletrónica.
“Está em curso e vai entrar em produção já em abril um meio alternativo através de um ‘website’, em que as pessoas poderão ter a capacidade de se autoagendarem no processo de vacinação em determinados locais pré-definidos”, realçou, sem deixar de evidenciar que o sucesso de marcação deverá subir com o progressivo alargamento a uma população mais jovem.
Relativamente às farmácias, o coordenador da ‘task force’ refere que “é uma das opções que está já identificada para entrar em ação se for necessário”, alertando para a importância de “agentes exteriores que não sobrecarreguem o sistema existente” e tecendo elogios à capacidade logística destas estruturas.
“As farmácias estão bem apetrechadas. O sistema logístico das farmácias é muito complexo, mas muito positivo, bem estruturado e claro que as vacinas que serão disponibilizadas para as farmácias serão aquelas que poderão ser conservadas num frigorífico normal. Claro que cumprindo regras determinadas pela Direção-Geral da Saúde, mas, fazendo isso, as farmácias são, com certeza, um ator importante no processo de administração de vacinas”, asseverou.
Sobre o arranque da segunda fase, que cataloga como “uma fase de transição”, o vice-almirante esclareceu que o processo vai acelerar com a inclusão de pessoas com mais de 65 anos “de forma indiscriminada” e pessoas com mais de 50 anos, mas com um conjunto de doenças “do tipo 2 e não do tipo 1, porque essas eram as mais críticas e estão na primeira fase”.
Embora lide ainda com a reduzida disponibilidade de vacinas e a suspensão temporária da administração da vacina da AstraZeneca, o coordenador da ‘task force’ manifesta a sua convicção na proteção de 70% da população até agosto. E nem a distinção do conceito de imunidade de grupo e de proteção da população altera o seu pensamento.
“Continuo confiante de que até ao fim do verão teremos 70% de proteção da população. O conceito de imunidade de grupo e de proteção são dois conceitos diferentes (…), uma dose é uma grande proteção, pelo menos para a doença mais crítica. O que posso dizer é que 70% da população estará vacinada com a primeira dose no fim do verão”.
Gouveia e Melo defende aquisição da vacina russa em caso de aval da EMA
A vacina russa Sputnik V contra a Covid-19 deve ser adquirida para o lote de vacinas de Portugal, caso tenha avaliação positiva da Agência Europeia do Medicamento (EMA), defende o coordenador da ‘task force’ responsável pelo plano de vacinação.
“Defendo a aquisição de todas as vacinas que sejam possíveis trazer ao processo português, desde que tenham qualidade, as garantias necessárias de reguladores credíveis e possam ser administradas em território nacional”, afirma em entrevista à agência Lusa o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, salientando: “Se tivermos a possibilidade de trazer mais vacinas, acelerando a proteção da população e contribuindo para libertar a economia e a sociedade da pandemia, julgo que todo o português de bom senso deseja isso”.
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O atual portefólio de vacinas assegurado por Portugal inclui as vacinas desenvolvidas por Pfizer/BioNtech, Moderna, AstraZeneca, Janssen (todas já autorizadas pelo regulador europeu para introdução no mercado), Sanofi/GSK e CureVac (ambas numa fase mais atrasada). No dia 4 de março, a EMA anunciou o início de uma “análise contínua” da Sputnik V para aferir a sua conformidade com os requisitos da União Europeia ao nível de eficácia, segurança e qualidade.
Num momento em que Portugal regista cerca de 1,2 milhões de vacinas administradas, das quais perto de 850 mil correspondem à primeira dose e 350 mil à segunda, Henrique Gouveia e Melo reivindica uma “taxa de execução muito elevada” face ao que foi entregue pelas farmacêuticas e nota que “o ‘stock’ [de vacinas] é inferior a 10% da vacinação”, apesar de um ligeiro acréscimo com a suspensão temporária da vacina da AstraZeneca.
“Os nossos ‘stocks’ são de segurança para as segundas doses. Nós antecipamos ao máximo a vacinação dos portugueses — com algum risco até nos ‘stocks’, mas um risco calculado e mitigado — para que a taxa de vacinação seja a mais elevada possível com a disponibilidade de vacinas que temos em território nacional”, frisa.
Paralelamente, o responsável pela ‘task force’ assume a possibilidade de um novo alargamento do prazo entre a toma das duas doses — como foi decidido no início de março em relação à vacina da Pfizer/BioNtech, que passou de 21 para 28 dias, e que classifica como “um primeiro passo” – para poder vacinar mais pessoas num menor espaço de tempo.
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“Eventualmente, depois de termos indicações mais seguras de que alargar mais tempo não prejudica a eficácia da vacina, julgo que devemos alargar, mas só depois de termos essas indicações”, observa, sem deixar de fixar a meta de “perto de um milhão de pessoas com a primeira dose de vacinação” até ao final deste mês.
Com o processo de desconfinamento a decorrer em paralelo com a vacinação, Henrique Gouveia e Melo mostra algum receio de que “ideias de descontração possam comprometer todo o esforço” do último período de confinamento e lembra que isso depende de “todos”, independentemente de uma maior fiscalização ou de sanções mais pesadas. “Não tenho, evidentemente, funções políticas, nem funções policiais. Portanto, enquanto coordenador da ‘task force’, apelo à consciencialização das pessoas para os seus comportamentos, porque isso pode ter uma influência tremenda no nosso futuro”, conclui.
“Para mim isto é uma guerra”
O coordenador da ‘task force’ para a vacinação defende que a pandemia é um combate que “não se pode perder”, que para si é mesmo “uma guerra” e, por isso, usa o camuflado. “Se olhar para os combates anteriores, que conflito é que prejudicou tanto a economia portuguesa, que conflito é que matou tanto em tão pouco tempo”, pergunta o vice-almirante Gouveia e Melo, em entrevista à Lusa. E realça: “Se isto não é um combate, então o que é um combate?” O coordenador do plano de vacinação contra a Covid-19 alerta, além do mais, para o facto de Portugal estar “a travar um combate que não pode perder” e que “todos os portugueses” têm de ter a noção disso.
De um ponto de vista pessoal, o vice-almirante, nomeado a 3 de fevereiro, diz que encara a sua função como crítica, “que tem que ser feita com o esforço que for necessário”. “Para mim é uma guerra”, diz, “um combate pessoal, um combate de grupo, [em que] o combatente do outro lado não é um ser humano, mas um vírus e nós temos que puxar todos os recursos que temos para combater esse vírus”, destaca. E acrescenta: “Encarei [a nomeação] como um desafio, por um lado, por outro como uma obrigação enquanto militar, que jurei fazer tudo pelo meu país”.
Essa é a razão por que Gouveia e Melo descartou o seu uniforme da Marinha, e decidiu usar sempre o uniforme de combate, o camuflado operacional, o único que é comum aos três ramos das Forças Armadas, além do significado simbólico de que se reveste para a instituição e a população em geral. “[O uniforme] quer dizer que não estou sozinho e sou ajudado pelos três ramos das Forças Armadas, tenho pessoas a trabalhar comigo da Marinha, do Exército e da Força Aérea”, diz. E explicita: “É muito importante passar a mensagem que não é uma única pessoa, mas que são as Forças Armadas que estão a ajudar ao processo. Eu sou, digamos, a ‘ponta do iceberg’”.
Neste sentido, o coordenador da “task force” assume ter uma dupla responsabilidade: “Tenho não só o sentimento de responsabilidade, de conseguir desempenhar a minha função o melhor que posso, a bem de todos os portugueses e de todos nós, mas também a responsabilidade e o sentimento que de alguma forma represento as Forças Armadas e o esforço das Forças Armadas, portanto, para mim falhar é impensável”, sublinha.
Questionado se já tinha tomado a vacina, Gouveia e Melo é perentório na recusa, “enquanto não tiver a certeza de que grande parte dos portugueses, na sua maioria, estão vacinados”. E mesmo se for convocado para tal, verá: “Com três estrelas já ninguém me obriga a vacinar”.
Gouveia e Melo admite que possa nascer “um novo conceito” nas Forças Armadas
O vice-almirante Gouveia e Melo, coordenador da ‘task force’ para a vacinação para a Covid-19, defende que o envolvimento militar na atual pandemia vai ser decisivo para o surgimento de um “novo conceito” das Forças Armadas (FA). “Acho que desta experiência vai nascer ou não um novo conceito”, realça numa entrevista à Lusa. “Se a experiência for positiva, naturalmente haverá uma análise positiva desta ‘construção’. Se for negativa, haverá também uma análise negativa desta construção”, sustentou.
Segundo o coordenador da “task force”, embora a participação das FA em missões civis esteja prevista na lei e seja frequente – como nos fogos ou em outros momentos críticos — é realizada sempre a título excecional e “nunca tinha acontecido nesta dimensão”. Para Gouveia e Melo, poderá, todavia, despontar um “novo conceito” de uso das FA, que “não são só feitas para combater, são feitas para ajudar a população do seu país, umas vezes combatendo, outras vezes estruturando, outras vezes ajudando”.
Neste aspeto, o vice-almirante destaca a resiliência, a organização, a capacidade de trabalhar sob ‘stress’ e incerteza e a rapidez na resposta das Forças Armadas, “qualidades que podem ser úteis ao país” e que este “deve descobrir” que podem estar disponíveis quando precisa delas.
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De acordo com o coordenador da “task force”, houve “algum divórcio da sociedade” relativamente às FA, sentimento que se foi esbatendo, tendo a sociedade amadurecido depois do 25 de Abril. “Este é um momento de amadurecimento, em que havendo capacidades disponíveis no país, num momento de crise, devem ser chamadas para ajudar o país”, remata. O coordenador da “task force” adianta que, tendo as FA essa capacidade, “não faria sentido não [as] chamar, por preconceitos ideológicos ou outro tipo de preconceitos quaisquer”.
“Estas coisas vão acontecer de forma natural, sem que isso tenha o significado de uma interferência das Forças Armadas na sociedade civil”, destaca o vice-almirante, para quem esse significado “tem de ficar claro”.
Segundo o vice-almirante e ex-adjunto para o Planeamento e Coordenação do Estado-Maior General das Forças Armadas, “as Forças Armadas não interferem na sociedade civil, ajudam a sociedade civil quando ela, em momentos de crise, precisa das Forças Armadas”. No fundo – afirma – apesar de esta possibilidade estar prevista na Constituição desde 1986, só agora “o sistema amadureceu”, há “maior consciencialização” do serviço público prestado pelas FA e há “menor dificuldade em chamá-las quando é necessário”.
“Da parte das Forças Armadas, [tem de se] evitar a tendência da ingerência, portanto, nós [os militares] só estaremos disponíveis para estas funções, quando nos chamarem e quando for mesmo preciso, e não transformar a nossa atividade numa atividade que levou a muitos problemas no passado”, destaca.
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Para o coordenador da “task force”, foi isso “que levou também muitas resistências psicológicas a esta união de esforços, que hoje se faz porque a nossa democracia na realidade amadureceu”, sublinha ainda, para acrescentar que “isto faz parte das democracias modernas”. “Felizmente, estamos numa democracia do século XXI na Europa e está amadurecida a nossa democracia”, remata.
Questionado se esse “sucesso” das FA pode ser uma “reabilitação” da imagem da instituição aos olhos da opinião pública depois do caso do furto e recuperação de armas de Tancos, o vice-almirante reconhece que isso contribuiu para uma imagem negativa das FA, mas acredita que a população faz “o balanço” com outros acontecimentos que contribuem para uma imagem inversa.
“O que posso garantir é que todos os elementos das Forças Armadas estão desejosos de esquecer Tancos, não esquecer no sentido (…) de varrer para baixo do tapete, mas esquecer no sentido de fazer coisas positivas, para nos reafirmarmos enquanto modelo de Forças Armadas modernas (…) e capazes que o país precisa de ter em todas as situações, quer em situações de perigo externo, quer em situações de perigo interno, como é o caso desta pandemia”, conclui.
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