O ritmo de vacinação contra a Covid-19 no país é atualmente de 22 mil doses por dia, mas Henrique Gouveia e Melo, que coordena a task force para a vacinação, indica que há capacidade para muito mais. Para já, há atrasos das farmacêuticas, mas quando a situação for normalizada, o vice-almirante entende que Portugal terá capacidade para multiplicar por cinco ou bem mais esse número: “Nós conseguimos, usando a capacidade máxima, ir das 100 às 150 mil vacinas por dia nos períodos normais — e nos fim-de-semana duplicar isso“, explicou o vice-almirante Gouveia e Melo em entrevista à TVI 24.

Os centros de saúde, “na vacinação da gripe, por exemplo, chegaram a ter dias em que fizeram mais de 60 mil vacinas por dia”, nota. “Estamos numa região confortável”, em que a capacidade instalada “tem treino, tem cultura, tem instalações e está espalhada pelo país inteiro”. O vice-almirante lembra que há 1.200 centro de saúde, dos quais 910 têm condições para vacinar.

Para já, está previsto que o ritmo de vacinação no segundo trimestre — se o calendário das farmacêuticas não tiver mais disrupções — aumente “para 81 mil vacinas por dia”, obrigando o país a “ter de encontrar outras soluções” na passagem do primeiro para o segundo trimestre, que “podem passar por novos métodos de administrar a vacina”. Por exemplo, “postos de vacinação rápidas, ou postos de vacinação massiva, alargar o período — ao fins-de-semana — ou usar outros agentes, como as farmácias”. “Todas estas opções estão em aberto e podemos usá-las em simultâneo”, acrescenta Gouveia e Melo.

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E Portugal está já a preparar esse cenário? “Eu como militar, o que posso dizer é que um bom treino ajuda à boa execução. Nós já estamos a treinar isso”. O vice-almirante adianta que a DGS e o Hospital Militar em Lisboa, em acordo, “estão a fazer um ensaio para definir as metodologias”, que servirá para “replicar” esse modelo.

Gouveia e Melo garante ainda que, “não há falta de recursos” para o processo de vacinação, tendo em conta que “é uma prioridade máxima” do Governo e do país e adianta que, para colmatar eventuais falhas de comunicação entre as unidades de saúde e pessoas que fazem parte dos grupos de risco, vai ser criado um portal em que os utentes se podem inscrever se não forem contactados — caso as bases de dados não estejam atualizadas. Questionado sobre a situação das aldeias remotas, o vice-almirante responde que a task force está a envolver as autarquias do país.

“Um verão normal não teremos”

Gouveia e Melo, que agora dirige a task force para o processo de vacinação contra a Covid-19, entende que os meses do verão ainda serão condicionados pela pandemia. “Julgo que um verão normal não teremos, porque o processo de vacinação antes de começar o verão ainda não estará na fase em que há imunidade de grupo, de acordo com os especialistas”, diz o vice-almirante em entrevista à TVI 24. Essa imunidade deverá ser alcançada apenas no final do verão, recorda, tendo em conta o calendário do plano de vacinação. E no Natal?Há expectativa de ter toda a população vacinada” nessa altura, reitera o vice-almirante. Isto “se não houver mais atrasos” das farmacêuticas.

Questionado pela TVI 24 se Portugal pode chegar a um momento em que tenha de administrar a vacina da AstraZeneca a pessoas acima de 65 anos, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo diz que “esse cenário existe sempre”.

“A DGS não disse que não era uma vacina indicada”, sublinha o coordenador da task force para o processo de vacinação contra a Covid-19. Gouveia e Melo lembra que a vacina foi aprovada acima de 18 anos pelo regulador europeu, no mês passado, embora tenha havido países a considerarem que os testes feitos pela Universidade Oxford e a AstraZeneca acima dos 65 anos não suficientes para comprovar a eficácia completa da vacina.

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O vice-almirante considera que há uma espécie de teste de laboratório em tempo real nos países que não colocaram qualquer obstáculo à vacina. “Essa dúvida está a ser tirada na realidade, porque ela está a ser aplicada no Reino Unido e nos EUA sem restrições”, recorda Gouveia e Melo. “Portanto, essa dúvida, como está a ser aplicada a centenas de milhares de pessoas, perto de milhões de pessoas, muito rapidamente há-de ser retirada”.

Pode então haver mais tarde uma revisão da norma da DGS sobre esta vacina? “Exatamente”, responde o vice-almirante à TVI 24, nomeadamente “se se mantiver uma escassez” de vacinas no mercado. Para já, no entanto, não está previsto o uso desta vacina em Portugal acima de 65 anos.

“É melhor ter uma vacina que não produz efeitos negativos e só produz efeitos positivos. Pode haver a dúvida de quanto é esse efeito positivo, mas se eu lhe perguntar se prefere ter um comprimido que não tem efeitos negativos e pode produzir efeitos positivos — não sei exatamente quanto — a senhora prefere não tomar o medicamento?”, questionou o vice-almirante.

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Gouveia e Melo admite também que alargar o prazo para a segunda dose “é uma solução possível”. “Todas as soluções são possíveis”, responde quando questionado sobre se Portugal poderá alargar para lá dos 21 dias o intervalo de tempo entre doses. Apesar de ser recomendado aquele intervalo, o coordenador da task force para o processo de vacinação contra a Covid-19 nota que, de acordo com os estudos, “não há nenhum problema em termos dos efeitos gerados nos anticorpos” se a segunda dose for administrada para lá desse período.

“Eventualmente, é uma solução que pode ser adotada. Neste momento, Portugal e outros países da Europa ainda não adotaram essa solução, enquanto outros adotaram essa solução”, admite. “Ainda estamos num terreno de alguma indefinição, mas no futuro pode ser um caminho”.

Vacinações indevidas “minam confiança” mas “não têm significado estatístico”

“Imagine que tem um caso em um milhão. Acha que tem significado?”, questionou o vice-almirante Gouveia e Melo sobre os casos de vacinação indevida no país. Embora reconheça que “mina a confiança, certamente”, Gouveia e Melo entende que “não tem significado estatístico”.

“Qualquer caso é mau, quem abuse de uma situação de privilégio e se queira meter à frente na fila — de um bem que é escasso e que pode salvar outra pessoa — é criticável, condenável e não deve fazer isso”, disse, na mesma entrevista.

“Vamos fazer tudo, dentro das normas existentes, para garantir que isso não aconteça”, garantiu.

Já fechámos a norma para que não haja desculpas de interpretação da norma, mas também é preciso perceber que na situação atual, em mil casos houve um — em cada mil vacinas que foram administradas houve uma em que não temos a certeza se cumpriu com as regras”.

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“É preciso ter ideia desta proporção — em mil casos não houve 100 ou 500, não, em mil casos houve uma que não cumpriu com as regras”, entende Gouveia e Melo. “Desejávamos que fossem zero vacinas e vamos tentar fazer tudo para que sejam zero vacinas” usadas de forma indevida, sublinha, embora reconheça que isso é o mesmo que “desejar que na população não haja um único roubo”.

O vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, que surgiu na entrevista vestido com a farda militar, garante que o Estado português está a levar a sério o caso das vacinações indevidas: “Vamos atrás das pessoas — se for necessário — que são precursoras dessas quebras para, de alguma forma, as penalizar por uma atitude que não devem ter”.

Em todo o caso, Gouveia e Melo acredita que, depois de publicada a norma da DGS, as vacinações indevidas vão ficar por aqui. “Julgo que não teremos muitos mais casos, o que teremos é uma investigação dos casos que existem, em profundidade”, considera o vice-almirante

Tal como o Governo, Gouveia e Melo entende que o processo de vacinação é um processo que “está controlado e é de sucesso”, sublinhando que das perto de 500 mil vacinas que chegaram a Portugal, 40 mil foram para as regiões autónomas e, das restantes 460 mil, “400 mil já foram aplicadas”. Restam 60 mil vacinas que “constituem uma reserva para as segundas doses”. O vice-almirante entende, por isso, que “o plano [de vacinação] está a correr bem“.

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