O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse no programa Grande Entrevista, da RTP3, que acredita que o objetivo da União Europeia — de ter 70% da população adulta vacinada até ao fim do verão — ainda é “atingível”. O responsável pela pasta das relações diplomáticas assumiu que o processo está a “decorrer com alguns percalços” — “a Astra Zeneca tem um problema de capacidade de produção” –, mas mostrou-se optimista. Na mesma entrevista, Santos Silva falou ainda das vacinas russas e chinesas escolhidas pela Hungria e República Checa, do passaporte de vacinação, do investimento da bazuca e sobre como tem corrido a Presidência portuguesa da União Europeia, incluindo os polémicos gastos.

Começando pelas vacinas, o ministro referiu que “a compra antecipada permitiu que os laboratórios produzissem uma vacina naquilo que foi a mais rápida criação de uma vacina da história da humanidade”. Porém, e com cada vez mais países a suspenderem a vacina contra a Covid-19 da Astra Zeneca, incluindo Portugal, reconheceu que há “percalços” a corrigir. “O que estamos a fazer a nível europeu é compensar com fornecimentos adicionais, por exemplo, da Pfizer”, referiu. Mas Santos Silva mostrou estar descansado quanto ao processo.

Por um lado, afirmou que a Astra Zeneca tem de compensar os problemas de produção que tem tido na Europa, mesmo que isso implique ter de recorrer às fábricas no Reino Unido. Por outro, reiterou que a atual suspensão não tem nada a ver com esse processo: “Foi uma decisão de política pública”. “A EMA [Agência Europeia do Medicamento] o que diz é que temos de avaliar e promete uma primeira avaliação amanhã [esta quinta-feira]“, refere. Mesmo assim, defende, este “é um atraso facilmente recuperável”.

Augusto Santos Silva sublinhou ainda já ter sido “vacinado com a primeira dose [da Astra Zeneca]” e não sentir nada.

“O que a Hungria fez põe em causa o princípio da unidade e segurança”

Ainda quanto às vacinas, o político elogiou o esforço europeu para aquisição das vacinas, elogiando o método de compra conjunta: “Estaríamos muito pior se estivéssemos num mercado a disputar [sozinhos] com a França, com a Alemanha ou com o Reino Unido“, disse. “A decisão de compra conjunta permite acelerar o processo de evolução da vacina […] Temos todo o interesse em fazer parte desta estratégia de vacinação”, continuou.

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Já quanto a outros países, como a Hungria ou a República Checa, estarem a optar sozinhos por adquirir outras vacinas, caso da russa Sputnik V ou da vacina chinesa, o governante deixou críticas: “O que a Hungria fez põe em causa o princípio da unidade e da segurança”.

De acordo com Santos Silva, “não nos podemos esquecer que fazemos parte de um mercado que permite a liberdade de circulação de pessoas”. “O que queremos é retomar isso”, continuou. Lançado farpas a estes estados-membros, disse que “o problema das vacinas russas ou chinesas não é serem chinesas ou russas”, é não terem sido aprovadas pela EMA.

Por fim, quanto ao tema da vacinação, o ministro referiu que um documento que registe se um cidadão europeu está ou não vacinado é uma boa solução. “Isto facilita a circulação”, disse. Além disso, não dá relevância às críticas de que isso possa criar desigualdades por falta de acesso aos imunizantes — referiu que continua a ser o objetivo da União vacinar toda a população até meio de 2022. E lembrou: “Se tiver um teste negativo posso entrar [noutros estados-membros]”.

A descoordenação no início da pandemia e uma ligação com o Brasil só revista no final de março

Na entrevista, Santos Silva falou também da questão do controlo de fronteiras. “Na gestão das fronteiras não temos sido tão articulados quanto isso”, desabafou. Contudo, referiu que nesta área “Portugal e Espanha têm sido exemplares”.

A boa articulação não foi regra na Europa e Santos Silva abordou o que correu menos bem na coordenação do controlo de fronteiras com outros países, nomeadamente com o Reino Unido.

Já quanto a estados não europeus, o ministro destacou o caso do Brasil. “A situação é muito difícil e tive muita pena da decisão que tomei, a suspensão de viagens mantém-se até ao fim do mês”, assumiu. Nessa altura vai “reavaliar-se” a situação.

Santos Silva lembrou também que “há muitos meses que o Ministério dos Negócios Estrangeiros recomenda que não se façam viagens” para outros países, a não ser em situações de extrema importância.

A bazuca para barragens e a Presidência da União Europeia

Para o final da entrevista ficaram os temas dos 16 mil milhões de euros a que Portugal vai ter acesso da União Europeia e o ponto de situação quanto à Presidência portuguesa da UE.

Quanto ao primeiro tema, da bazuca, o ministro lembrou que “foi a primeira vez que a União Europeia aprovou um plano de empréstimo tão elevado”. Depois, falou de alguns investimentos que o Governo quer fazer mas para os quais ainda tem de convencer Bruxelas: “Construir estradas e um sistema de recursos hídricos [barragens] não se inscreve na transição digital, mas inscreve-se na transição climática”.

De acordo com Santos Silva, “as barragens servem para gerar mais eletricidade e resolver o problema de seca extrema recorrente em oito concelhos no Alentejo”. Já quanto ao investimento em estradas, o argumento ecológico para convencer Bruxelas vai ser a criação de “pequenos investimentos para ligações entre Portugal e Espanha” e, depois, para fechar ligações da rede principal para a rede secundiária. “Se libertarmos trânsito é bom para o ambiente”, justificou.

Os oito milhões em ajustes diretos da Presidência da UE que incluem fatos, bebidas e chocolates. Há empresas com 15 dias a faturar milhares

Por fim, assumiu que “o confinamento tem limitado a visibilidade da Presidência Portuguesa da União Europeia”. “Fora disso, a presidência está a decorrer normalmente”, continuou.

A terminar, quanto aos polémicos gastos em ajustes diretos que chegaram até ao Provedor de Justiça Europeu, Santos Silva questionou — referindo-se a produtos portugueses que vão ser consumidos por responsáveis estrangeiros nos eventos e reuniões organizados por Portugal: “Não estamos a promover o nosso setor agro alimentar?”