Título: Se com Pétalas ou Ossos
Autor: João Reis
Editora: Minotauro
Ano da Edição: fevereiro de 2021
Páginas: 198
Preço: 14,90€
Dois anos depois de Quando Servi Gil Vicente, sobre o servo do autor de Auto da Barca do Inferno, João Reis regressa com um novo romance, Se com Pétalas ou Ossos. A personagem principal, Rodrigo Oliveira, é um escritor neurótico que, após três livros publicados e algum reconhecimento, parece ter perdido a inspiração, a vontade de trabalhar e o rumo na vida. Desorientado, perde-se em divagações e deambulações desconexas, adiando por tempo indeterminado a entrega de um manuscrito que não é capaz determinar.
A menos de um mês do término do prazo de entrega, Rodrigo viaja para a Coreia do Sul, para se instalar numa residência literária em Seul. O objetivo é terminar o livro, provavelmente em tempo recorde, já que das cerca de duas centenas de páginas que os seus editores esperam que entregue, escreveu apenas quarto. À medida que o dia da entrega se aproxima, a “pressão”, os emails e chamadas telefónicas vão aumentando, mas estes pouco efeito têm no escritor. Cada vez mais abatido, Rodrigo afunda na inércia e nada faz, agarrando qualquer desculpa, como a posição em que se encontra a secretária em que escreve, para continuar a adiar a conclusão do manuscrito.
A história desse manuscrito, que impulsiona a ação de Se com Pétalas ou Ossos, nunca nos é revelada. Provavelmente porque o romance de João Reis não tem a escrita como tema, mas o não escrever. O não fazer coisa alguma. E nisso o protagonista, Rodrigo, é um campeão, como se torna logo evidente nas primeiras páginas, onde o vamos encontrar a seguir da janela do seu apartamento as averiguações da polícia, que investiga o súbito desaparecimento de uma escritora espanhola, Rute Gorigoitia, que vive na mesma residência.
Instalado em Seul para escrever, Rodrigo faz tudo menos escrever. De manhã, bebe copos de água, lê passagens de uma obra sul-coreana e desenvolve teorias sobre os poucos habitantes da residência literária, que incluem um marreco que vive da venda de bonecos em lojas da cidade e uma carrancuda sobre a qual nada mais é dito além de ser mal-encarada. De tarde, passeia pelas ruas da capital sul-coreana na companhia da namorada, Beatriz, possivelmente grávida, com quem tem uma relação estranha e pouco estável. Por vezes, vagueia sozinho, perdido em pensamentos delirantes, acabando envolvido nas situações mais ridículas.
Essas são tão inusitadas que é impossível não questionar se não serão fruto da sua imaginação. É que Rodrigo têm a mania da perseguição e raramente tem alguma coisa boa a dizer sobre alguém. Isso aplica-se sobretudo aos colegas de profissão (“essa corja invejosa e corrupta que, aos olhos da sociedade, constitui a fina flor da cultura”), em relação aos quais tece as mais duras críticas. Rodrigo admite que é “uma pessoa irascível”, o que até é uma característica da sua família, mas é “essa horda de calhordas tidos por escritores e gente afim” que mais o “enfurece”. Ao ponto de nunca se ter visto “como colega deles, dos escritores, que não passam na sua quase maioria, de rematados calhordas incapazes de escrever uma obra meritória”.
Esse tipo de ataque é recorrente ao longo de Se com Pétalas ou Ossos, como se o bloqueio artístico de Rodrigo se devesse mais à aversão que tem pelo meio literário e editorial português do que a falta de inspiração. No caso da edição, esse sentimento parece radicar nas imposições das editoras, cujas ambições comerciais impossibilitam os escritores de darem asas à sua imaginação. Essa questão é apresentada logo no início da narrativa, quando Rodrigo revela que sofre de pés frios, uma condição que gostaria de abordar literariamente. Mas os seus editores dizem sempre “que é tema que não vende”, que os pés frios “não são um tema que agrade às pessoas”. “Os pés são desprovidos de charme e pouco eruditos, são demasiado comezinhos para citações e prémios literários”, afirmam. O melhor é que evite o tema e “também abordar outros assuntos polémicos”.
Esse e outros “bons conselhos”, como lhes chama Rodrigo com ironia, impossibilitam o escritor de escrever a obra que quer escrever, levando-o a cair na banalidade das histórias que vendem. Esta realidade, aliada à impossibilidade de lidar com os prazos e pressões constantes, levam-no ao extremo e a uma apatia que só se resolve quando, terminado o prazo da entrega do manuscrito do seu novo romance, sem livro escrito e sem ideias, decide tomar uma decisão drástica — deixar de ser escritor, optando por uma vida mais fácil e por um emprego medíocre, mas com menos chatices, num país do norte da Europa. A ideia agrada à namorada — sentados num autocarro, seguem juntos rumo a essa nova vida.
Escrito com humor, Se com Pétalas ou Ossos é um livro que explora as dificuldades da profissão de escritor, a pressão dos prazos, exercida por um meio onde a rapidez de produção parece ser mais importante do que a qualidade da produção, e a inspiração que por vezes falha e se perde perante as dificuldades da vida.
Artigo alterado a 22/3/2021. Corrigido o nome do protagonista