O vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, coordenador da task force responsável pela implementação do plano nacional de vacinação contra a Covid-19, foi esta quarta-feira à Assembleia da República responder às perguntas dos deputados sobre o decorrer do processo de vacinação. No Parlamento, Gouveia e Melo deu números, perspetivou os próximos passos da vacinação, respondeu às dúvidas sobre a AstraZeneca e assumiu que o país não estava preparado para uma operação de larga escala — pelo que as falhas serão inevitáveis.
Quem já está vacinado?
Segundo Gouveia e Melo, Portugal atingiu no último domingo a barreira do meio milhão de pessoas já vacinadas com as duas doses. “No domingo passado, foram alcançadas as 500.275 segundas doses administradas em Portugal”, esclareceu Gouveia e Melo. Apesar de o boletim da DGS esta manhã ainda dar conta de 472 mil pessoas vacinadas com a segunda dose, o vice-almirante clarificou que os dados da DGS se reportam exclusivamente a Portugal continental e que a task force congrega os números do continente e das ilhas. Os primeiros a receber as vacinas foram os profissionais de saúde, ainda em dezembro, seguindo-se os idosos residentes em lares e depois toda a população idosa.
Também no domingo passado, foi atingida a marca dos 80% de idosos acima dos 80 anos já vacinados com as duas doses, acrescentou Gouveia e Melo.
Em simultâneo, estão a ser também vacinados os elementos de outro grupo prioritário — as pessoas com idades entre os 50 e os 80 anos e com um conjunto de doenças graves associadas —, bem como os membros da comunidade educativa. Respondendo a críticas sobre a inclusão de professores e funcionários das escolas nas prioridades antes de estarem vacinados todos os idosos, Gouveia e Melo esclareceu que não é a task force que define a s prioridades, mas assinalou que a vacinação da comunidade educativa está a servir como teste à capacidade do país de vacinar vários milhares de pessoas num só dia — um teste essencial para o desafio do verão.
E em que ponto está o processo de vacinação?
Gouveia e Melo deixou uma data concreta: até 11 de abril, deverão estar vacinados, com as duas doses da vacina, todos os idosos acima dos 80 anos, todos os residentes em lares de idosos e todas as pessoas entre os 50 e os 80 anos que têm um conjunto de comorbilidades consideradas como fatores de grande risco para a Covid-19. “Naturalmente, poderão ficar pequenas bolsas que não conseguimos contactar, mas a grande maioria estará fechada, em princípio, até 11 de abril”, observou Gouveia e Melo.
No fim-de-semana seguinte, vai acelerar a vacinação em massa entre a comunidade educativa. Cerca de 200 mil pessoas serão vacinadas “já na transição da primeira para a segunda fase“, numa altura em que os prioritários estarão praticamente todos vacinados, e o processo servirá também “para testar as nossas metodologias de vacinar 100 mil pessoas de uma vez, que temos de testar antes de maio, antes de entrarmos com esses ritmos de vacinação” na população em geral.
Quais os próximos passos?
Segundo o vice-almirante, o plano de vacinação está agora focado em aumentar a escala. Com a vacinação dos dois principais grupos prioritários de pessoas mais vulneráveis praticamente terminada até ao dia 11 de abril, a task force de vacinação irá concentrar-se em garantir que ninguém fica de fora.
Em primeiro lugar, é preciso chegar às tais “pequenas bolsas” de prioritários que poderão ter ficado de fora da vacinação em massa. As autarquias e a GNR vão ajudar as autoridades de saúde a identificar os idosos infoexcluídos ou isolados, confirmou Gouveia e Melo no Parlamento. “Estamos a criar mecanismos para chegar a essas bolsas, através das autarquias e através da GNR, para evitar que idosos infoexcluidos ou isolados nos escapem à malha de vacinação”, disse o militar.
“A malha é feita para a maioria, para atingir 90 ou 95% das pessoas. Os restantes 5% são processos mais complexos, que não podem ser feitos no processo massivo”, acrescentou. “De facto, havia um gap entre os 65 e os 80 anos de idade, enquanto não libertámos a vacina da AstraZeneca para cima dos 65 anos. Estamos a tentar fechar esse gap.”
Gouveia e Melo estima também que haja cerca de 40 mil pessoas acamadas ou isoladas no país que precisam de ser identificadas através de parcerias das autoridades de saúde com as autarquias, as freguesias e a GNR. Aos deputados, Gouveia e Melo sublinhou que as cinco regiões de saúde do continente já estão a lançar esforços para identificar todas estas pessoas e detalhou que o projeto da Fundação Calouste Gulbenkian, que disponibilizou meia centena de carrinhas para vacinar pessoas nos domicílios, será um elemento importante deste esforço.
“Ninguém pode ficar excluído do processo de vacinação”, explicou Gouveia e Melo. “Este esforço consome muitos recursos humanos e requer muita capacidade organizativa para ajudar estas pessoas.”
Mas o grande desafio da próxima fase será a vacinação em larga escala. Enquanto, para já, as pessoas estão a ser vacinadas pelos centros de saúde — quer nas próprias instalações médicas, quer em centros de vacinação locais estabelecidos em parceria com as autarquias —, na próxima fase a vacinação em massa deverá ocorrer, essencialmente, em 150 postos de vacinação rápida instalados por todo o país e que deverão estar completamente operacionais a partir de maio.
Já a partir de abril, numa altura em que a vacinação em massa de 200 mil membros da comunidade educativa irá simultaneamente marcar a transição entre fases e servir como teste à capacidade do sistema nacional para vacinar milhares de pessoas num só dia, estes postos vão começar a ser reforçados para que possam estar totalmente operacionais em maio. A chegada de mais vacinas a Portugal permitirá que, em abril, sejam administradas em média 60 mil vacinas por dia no país — mas o objetivo é chegar a uma média de 100 mil inoculações diárias, entre primeiras e segundas doses. Em dias de pico, o número de vacinas administradas pode chegar mesmo às 150 mil.
Para esses postos de vacinação rápida, serão necessários 2.500 enfermeiros, 400 médicos e 2.300 assistentes para o processo. Os profissionais vêm essencialmente do SNS e “a ideia é usar até 20% dos enfermeiros que estão nos cuidados primários de saúde, que são 9 mil, portanto 1.800 enfermeiros”. A estes serão acrescentados profissionais de saúde contratados.
Nos postos de vacinação rápida vão ser implementadas normas nacionais de modo a poderem vacinar o maior número de pessoas por dia. “O facto de só os enfermeiros poderem registar uma vacinação no portal é uma limitação, é um desperdício de recursos na minha opinião”, disse Gouveia e Melo. “Estamos a tentar retirar essa limitação.” Além disso, “os telefonemas são uma grande carga administrativa que muitas vezes recaem sobre os enfermeiros”, e daí a inclusão da possibilidade de autoagendamento. “Enquanto passamos de uma população mais infoexcluída e mais idosa o processo acelera”, diz.
Com a segunda fase de vacinação a decorrer ao ritmo esperado — e as vacinas a chegar a Portugal na quantidade prevista —, o vice-almirante Gouveia e Melo diz que o país terá “certamente mais de 70% da população vacinada com a primeira dose” até ao final do verão.
A AstraZeneca é uma preocupação?
Respondendo a perguntas dos deputados sobre a vacina da AstraZeneca, o vice-almirante Gouveia e Melo explicou que o universo total de vacinas que Portugal planeia receber se situa nos 35,8 milhões de doses. Destas, cerca de 6,5 milhões serão da AstraZeneca — a vacina que, depois de estar uma semana suspensa em Portugal e em quase toda a UE devido a suspeitas de causar coágulos no sangue e tromboses em algumas pessoas, volta a estar sob fogo após Canadá e Alemanha terem suspendido a sua administração a pessoas abaixo dos 55 e 60 anos de idade.
Gouveia e Melo afastou também, para já, qualquer mudança de posição em Portugal relativamente à vacina da AstraZeneca. “A Agência Europeia do Medicamento (AEM) não mudou a sua posição sobre a AstraZeneca. Há um conjunto de movimentos à volta da AstraZeneca, que não se conseguem perceber muitas vezes se são só de ordem clínica, preocupação clínica, ou se são de outra ordem”, disse Gouveia e Melo.
“O que nós decidimos é seguir as recomendações estritas da AEM. Portanto, do regulador europeu. Neste momento, o regulador europeu não cria nenhuma restrição à utilização desta vacina, continuando a afirmar que as vantagens superam muito qualquer inconveniente que possa aparecer”, terminou.
Esta semana, o Canadá decidiu suspender a administração da vacina da AstraZeneca a pessoas abaixo dos 55 anos. Depois, dois hospitais de Berlim anunciaram que não a administrariam a pessoas abaixo dos 60 anos, abrindo portas a uma decisão na mesma linha em toda a Alemanha. Depois de ter estado suspensa durante uma semana em praticamente toda a União Europeia devido a suspeitas de relação de causalidade com episódios de coágulos sanguíneos e tromboses, a vacina da AstraZeneca recebeu novamente um voto de confiança por parte da AEM e da OMS. Porém, o registo daqueles efeitos adversos em pessoas mais jovens está a levar vários países e suspenderem a vacina em pessoas abaixo dos 60 anos.
Quais os desafios que mais complexos?
O vice-almirante Gouveia e Melo reconheceu no Parlamento que a organização das convocatórias e do agendamento de uma média de 100 mil vacinas por dia no verão é “uma das maiores preocupações” da task force de vacinação.
“O agendamento e a convocatória é uma elevada preocupação em termos organizativos. Se alguém pensa que estava tudo preparado, não estava. O país não estava preparado para dar 20 milhões de vacinas em cerca de seis meses”, disse Gouveia e Melo aos deputados.
“Há um conjunto de adaptações que estão a ser feitas em ritmo acelerado. Também tem falhas, temos de viver com as falhas. Se alguém pensar que este processo vai ser isento de falhas, está a exigir coisas que são impossíveis de fazer. O país foi apanhado por uma pandemia, que obrigou a soluções rápidas. Não tivemos muito tempo para fazer um planeamento das infraestruturas”, acrescentou o militar.
O sistema de autoagendamento será um dos mecanismos para mitigar esta dificuldade, explicou o coordenador.
Ao mesmo tempo, o coordenador da task force da vacinação defende que, depois de vacinados os prioritários da primeira fase — que termina com a comunidade educativa —, o critério deverá ser exclusivamente etário.
“Todos os grupos são importantes, todos têm justificações de priorização”, reconheceu Gouveia e Melo. No entanto, não há vacinas para todos na fase prioritária, acrescentou, respondendo a uma ronda de perguntas dos deputados em que por várias vezes surgiram questões relacionadas com um ou outro grupo profissional específico. “Se não, vacinamos Portugal todo na primeira fase pelos grupos prioritários”, disse Gouveia e Melo. “O critério mais justo a partir da segunda fase é o critério etário.”
O vice-almirante salientou que existe uma correlação entre muitas doenças que agravam um quadro clínico de Covid-19 e a idade, defendendo uma vacinação “por faixas etárias decrescentes”. A exceção são doenças graves que afetam doentes “muito jovens”, que obrigam a que estes sejam “puxados para a frente”.