E ao terceiro dia aí está a resposta de Belém a São Bento: Marcelo diz que “não há por aqui nenhuma crise”, mas não disfarçou o mal-estar com o Governo. Marcelo Rebelo de Sousa lembrou este sábado a António Costa que — se tivesse sido tão rigoroso como o Governo queria que fosse na abordagem jurídica aos três diplomas sobre apoios sociais que promulgou — no passado já tinha “matado” outros orçamentos e que não o fez precisamente para garantir a estabilidade política. Na visita a um lar de idosos em Lisboa — o mesmo que ia visitar na quarta-feira e teve de adiar por Costa lhe ter feito a desfeita de enviar para o TC os diplomas que promulgara dias antes — o Presidente justificou a decisão com um novo conceito que acabou de patentear na política nacional: “Salvação preventiva do Orçamento“.
Marcelo Rebelo de Sousa diz que não contem com ele para uma nova crise, uma vez que o país já enfrenta duas: a pandémica e a crise económica e social. No entanto, alerta que “os dois [próximos] orçamentos são fundamentais para o Governo chegar a 2023. Se não, não chega”. E insiste: “O que estou a dizer, à distância de uns meses, é: atenção, vem aí um orçamento. Se me pergunta se eu também pensei nisso no momento em que decidi e vou decidir sobre determinados diplomas, também”. Já na terça-feira o Observador tinha noticiado que a grande preocupação de Belém era salvar o Orçamento para 2022 à esquerda.
O Presidente reiterou este sábado, aliás, que todos os anos ajuda a salvar orçamentos para garantir que o Governo de António Costa chega ao fim: “À medida que se aproxima o orçamento, eu todos os anos entro numa chamada salvação preventiva do orçamento. Começo a fazer preparação do clima, do ambiente, para que seja possível sem grandes problemas que o orçamento seja aprovado.”
“Podia ter matado o Orçamento (…) [Perante leis], podia ter dito: ‘Eu mato-as’”
Marcelo admite que muitas vezes promulga “leis que estão na margem, na margem política e na margem jurídica”, mas que a sua postura é sempre de “salvar as leis”. E aí atira diretamente ao Governo lembrando que muitas vezes — ele que está “acima disso”, que são as guerras entre S.Bento e as “oposições — já decidiu a favor da vontade do Executivo: “Salvei já um Orçamento de Estado que tinha mais despesas do que receitas. Era fácil matar Orçamento. mandava para o TC e era o inicio de um processo complicadíssimo. Salvei-o, sendo o meu entendimento que promulgo atendendo às receitas.”
E continuou, apontando ao coração do Governo: “Outro orçamento apareceu-me com uma série de medidas entre aquilo que a Assembleia e o Governo pode fazer. Mas, por causa de 12/15 artigos, não ia parar o país.” Isto porque no Orçamento Suplementar do verão de 2020, os partidos juntaram-se contra o PS para aumentar a despesa na especialidade em 1400 milhões, violando a lei-travão, mas o Governo aí considerou que conseguia acomodar as medidas sem prejudicar demasiado as contas públicas. Para Marcelo é, por isso, claro: “O Governo é que mudou o seu entendimento”. Ou seja: o Presidente foi coerente com o ano anterior (também em crise), o Governo não.
Marcelo lembrou ainda que salvou “várias leis da Assembleia da República de apreciação de decretos-lei do governo que potencialmente agravariam as despesas ou reduziriam as receitas. Eu podia ter dito: ‘Eu mato-as, mas era um período de crise. Salvei 4 ou 5 dessas leis por essa razão’”.
Em mais uma indireta ao primeiro-ministro, o Presidente puxou ainda dos galões de ter sido relegitimado há menos tempo do que António Costa. “Fui eleito e há pouco reeleito para resolver problemas e evitar crises. Isto aplica-se ao atual primeiro-ministro e ao atual Governo e aplicar-se-á ao governo que sairá de 2023, com o mesmo primeiro-ministro e o mesmo partido, ou com outro primeiro ministro e outro partido”. Marcelo lembra que estará no cargo durante e também para lá deste Governo. “Ainda estou no começo de um mandato de cinco anos”, atirou.
O Presidente sugeriu ainda que António Costa só tomou esta posição forçado pelo Conselho de Ministros, quando lembrou que ele, Presidente, “decide sozinho”, enquanto o Executivo é um “órgão colegial”. Com a subtileza e acidez, Marcelo tenta explorar algumas divisões que existirão no Conselho de Ministros.
Num ajuste de contas com “outros constitucionalistas” e “comentadores políticos”, Marcelo lembrou que já esteve nesses dois papéis e que, nessa altura, também tinha opiniões. Mas agora é Presidente e, portanto, tem de decidir não apenas como constitucionalista, mas também como Presidente. Aos constitucionalistas lembra especificamente, num assomo de autoridade jurídica, que muitos dos que agora o contraditam foram seus “alunos”.
Marcelo deseja que não haja “recuos”
Um dia antes do domingo de Páscoa e com o trauma do Natal bem presente, Marcelo apelou aos portugueses para que tudo façam “para que o R não suba, a transmissibilidade não suba, para que o número de casos não suba, para que o número de internados em UCI estabilize ou diminua”. Para o Presidente “abril é crucial para esse efeito: todos nós desejamos que não haja recuos que seriam dramáticos para todos.” E dá um sinal de otimismo: “Há razões para acreditar que não haverá recuos”.
Marcelo diz que é preciso “fazer tudo para evitar uma quarta vaga”, sendo essencial “aproveitar abril para manter o ritmo de controlo da pandemia antes do verão”. Sobre a crise económica e social, o Presidente lembra que “quanto mais depressa a pandemia desaparecer, menor será a crise, mais curta, menos profunda”.