Marcelo Rebelo de Sousa acredita que o Governo vai acabar por não recorrer ao Tribunal Constitucional para travar os diplomas que aumentam o custo com os  apoios sociais. O Presidente quis dar um sinal de que não estava a hostilizar o Executivo e — no dia seguinte à promulgação dos três diplomas aprovados na AR com o voto contra do PS — juntou-se ao primeiro-ministro num evento na Casa da Moeda. Marcelo, sabe o Observador, avisou Costa do que ia fazer antes de tornar pública a mensagem da promulgação, mas desde então ambos não trocaram mais do que a conversa de circunstância no day after. O chefe de Estado espera que o primeiro-ministro lhe diga o que vai fazer na reunião de quinta-feira, mas Marcelo leu nas palavras de Costa na segunda-feira — apesar dureza da declaração e dos recados, como a alusão a uma mensagem “criativa” — sinais de que o Governo não vai recorrer aos juízes do Palácio Ratton.

O Presidente da República entende que, neste caso, não pode olhar para o caso estritamente como constitucionalista, mas isso não invalida que não defenda os seus argumentos jurídicos. Marcelo Rebelo Sousa, segundo explicou ao Observador fonte de Belém, não viu no parecer de Carlos Blanco de Morais “nenhuma novidade“, uma vez que já conhecia essa “opinião” de um anterior parecer do mesmo constitucionalista sobre a lei-travão, de junho de 2020. Ou seja: o parecer que o Governo enviou para Belém foi igual a zero para a decisão do Presidente.

O que outros constitucionalistas têm defendido, como o caso de Vital Moreira, também não demovem o Presidente. “São opiniões, mas quem decide é o Presidente“, atira ao Observador fonte próxima do chefe de Estado.

Marcelo Rebelo de Sousa não pretendia fazer uma afronta ao Governo, tanto que deixou na mensagem da promulgação um ponto de fuga, como o Observador noticiou na segunda-feira, no ponto 9 do documento. O Presidente escreve, nesse ponto, que “a interpretação que justifica a promulgação dos presentes três diplomas é simples e é conforme à Constituição: podem ser aplicados, na medida em que respeitem os limites resultantes do Orçamento do Estado vigente”. É precisamente este o ponto que António Costa considerou “inovador” e “muito criativo” e — como acredita uma fonte do Governo citada na segunda-feira pelo Observador —  “dá uma carta em branco ao Governo para cumprir até ao limite do que entenda ser a capacidade orçamental”.

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Governo hesita em enviar apoios sociais para Tribunal Constitucional

Marcelo tentou pôr água na fervura antes e depois e na própria mensagem de promulgação. No documento, o Presidente deixou claro que não iria abria a porta a uma governação-sombra através das “oposições” no Parlamento. E mais: garantiu que travaria este género de diplomas (que aumentam a despesa) vindo do Parlamento caso este tipo de prática se tornasse uma “constante”.

Depois da promulgação também o fez. À Marcelo. Durante a intervenção na cerimónia de entrega do prémio de apoio à inovação IN3+, na Imprensa Nacional-Casa da Moeda, o chefe de Estado disse que “há muito poucas cerimónias em que estejam juntos o primeiro-ministro e o Presidente da República” e explica que isto acontece porque ” têm naturalmente tarefas complexas entre mãos e porque o protocolo do Estado é muito esquisito, é como é. Uma delas é o 10 de junho. Esta é outra dessas cerimónias. E há um paralelo curioso entre as duas realidades”, explicou o Presidente, já que ambos  “celebração do passado e projeção para o futuro“.

Uma declaração carregada de simbologia. Marcelo quer que a boa relação do passado continue com Costa, mas não pode deixar de olhar o futuro e considera que a melhor forma de defender a estabilidade do Governo é mesmo ter promulgado os três diplomas. À saída do evento optou por não fazer declarações aos jornalistas para não correr o risco de aumentar a tensão e até se despediu amigavelmente do primeiro-ministro: “Mantemo-nos em contacto”. Foi um ‘até quinta-feira’.

A exceção a esta tentativa de não melindrar Costa foi pela manhã de segunda-feira ainda antes do evento quando uma fonte de Belém, em declarações ao Expresso, disse que a “forma como o primeiro geriu isto foi pouco hábil”, uma vez que “ao fazer quase um ultimato em público não deixou espaço para que o Presidente fizesse outra coisa”.

A preocupação de Marcelo: o Orçamento para 2022

O Presidente considera que a divergência com o Governo está a ser demasiado “empolada”, quando o objetivo de ter promulgado os diplomas da chamada “coligação negativa” não é, de todo, enfrentar o Governo. Na mensagem da promulgação dos diplomas, Marcelo Rebelo de Sousa explica logo em parte qual é a preocupação de longo prazo: que o Governo de António Costa chegue a 2023. “Não há Governo com maioria parlamentar absoluta, sendo essencial o cumprimento da legislatura de quatro anos”, escreveu o Presidente.

O chefe de Estado escreveu ainda que “os tempos eleitorais podem levar, por vezes, as oposições a afrontamentos em domínios económicos e sociais sensíveis.” Marcelo assumia ainda estar a sensibilizar “o Governo para o diálogo com as oposições e tornando evidente às oposições que ninguém ganharia com o afrontamento sistemático, potencialmente criador de uma crise lesiva para Portugal e, portanto, para os portugueses.”

Todos estes avisos do Presidente, explicou fonte de Belém ao Observador, tem uma preocupação de médio-prazo: salvar o Orçamento para 2022 à esquerda. O Presidente, explica a mesma fonte, temia que, se vetasse estes diplomas ou os enviasse para o Tribunal Constitucional, “o Governo ficasse isolado“. Em ano eleitoral, os partidos podiam iniciar um processo de rutura que se estendesse até à data das autárquicas e colocasse em risco um eventual apoio à esquerda para “viabilizar o Orçamento para 2022”.

Marcelo Rebelo de Sousa assume assim a gestão da relação da geringonça, algo que é uma função do  Governo liderado por António Costa, por um lado, e do PS no Parlamento, por outro. O Presidente tem estado em silêncio, mas esta quarta-feira à tarde vai visitar o Lar Quinta Alegre, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Resta saber se irá continuar a meter água na fervura ou se prefere pressionar o Governo.