A instrução da Operação Marquês foi “uma grande condenação da justiça portuguesa“, em particular dos procedimentos do Ministério Público em casos de crimes de grande complexidade, afirmou o sociólogo e jurista Boaventura de Sousa Santos.
“É uma grande condenação da justiça portuguesa. Essa é que é verdadeiramente condenada e muito particularmente os procedimentos do Ministério Público neste caso“, disse à agência Lusa o também professor catedrático da Universidade de Coimbra, salientando que “há muito” denuncia “o erro de tentar juntar todos os crimes, todos os indícios de comportamento criminoso em mega-processos que depois nunca terminam porque têm demasiados casos e arguidos“. Para Boaventura de Sousa Santos, a decisão instrutória era “previsível”.
O resumo mais cruel é: A montanha pariu um rato. Dos crimes sobre os quais incidiu o inquérito, vimos que aqueles que poderiam ser politicamente mais danosos e mais graves, nomeadamente os crimes de corrupção, não se aplicam a José Sócrates. A verdade no processo judicial é sempre muito mais forte do que aquela que é meramente indiciária ou que é feita na comunicação social”, constatou.
Criticando a forte mediatização do processo, Boaventura de Sousa Santos frisou que o caso mostra as fragilidades da justiça em crimes de grande complexidade, nomeadamente a estratégia do Ministério Público.
Isto é uma caricatura cruel da justiça portuguesa nesta situação. Felizmente, não é um retrato de toda a justiça portuguesa e, aliás, o juiz Ivo Rosa deu uma imagem de credibilidade da justiça portuguesa, em que seguiu estritamente os princípios que todos nós, os juristas, aprendemos no processo penal”, salientou.
Segundo o sociólogo, é necessário haver “mudanças legislativas e processuais”. Boaventura de Sousa Santos apontou para o caso do ex-Presidente de França, Nicolas Sarkozy, em que bastaram “dois anos para ser julgado”.
“É a mesma cultura jurídica, é a mesma base dos códigos, mas há uma estratégia penal diferente em França e em Portugal. Em França, o Ministério Público incide naqueles crimes para os quais tem provas robustas”, vincou.
Dos 28 arguidos da Operação Marquês (19 pessoas e nove empresas), vão a julgamento o ex-primeiro-ministro José Sócrates e o empresário Carlos Santos Silva, ambos pronunciados por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos.
Segundo a decisão instrutória lida pelo juiz Ivo Rosa, no Campus da Justiça, em Lisboa, foram, igualmente, pronunciados o antigo ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos Armando Vara, por um crime de branqueamento de capitais, e o ex-presidente do Grupo Espírito Santo Ricardo Salgado, por três crimes de abuso de confiança.
João Perna, ex-motorista de José Sócrates, vai ser julgado por um crime de detenção de arma proibida. No processo estavam em causa 189 crimes económico-financeiros. José Sócrates foi detido em novembro de 2014. O despacho de acusação ao antigo primeiro-ministro e mais 27 arguidos foi conhecido em outubro de 2017.