“Quando quero escrever uma carta, uso o Word, se quiser um desenho, uso o Paint. Cada aplicação dentro do sistema tem um propósito, no entanto, todas estão ligadas. Esse é o conceito por detrás do WiseCrop: interligar funcionalidades, aplicações, cada uma desenhada com propósito específico, mas que permite gerir de forma centralizada a exploração agrícola.” Quem o diz é Tiago Sá, cofundador e CEO da startup, que em 2019 foi distinguido pela revista Forbes como um dos talentos sub-30 mais promissores.
Para explicar ao Observador o que é a WiseCrop, que fundou em 2013, Tiago Sá deu o exemplo do sistema operativo Windows, ou seja, criou na sua startup uma interface única para gerir vários pontos de um negócio, que, neste caso, atua no setor agrícola. Qual é o problema?
“Um dos problemas [da agricultura] é que o mercado, historicamente, não é early adopter [incorpora as tendências cedo]. Isto exige que as empresas e tecnologias, quando entram, levem tempo a convencer estes early adopters, que por sua vez levam o seu tempo a validar a solução e que, por sua vez, levam tempo a passar a palavra”, diz Tiago.
Para o empresário natural de Santa Maria da Feira — que pensou seguir carreira na Força Aérea antes de mudar o rumo –, o tempo é um fator decisivo para o mercado português de agricultura se atrasar na adoção da tecnologia, mas não é a única.
“Há uma coisa clara que distingue este setor, que são os ciclos. Se tenho uma ferramenta para otimizar a produção, só consigo saber se funcionou um ano depois. E temos também a questão etária, porque a maior parte dos negócios é gerido por pessoas mais velhas”, diz ao Observador.
O paradigma, contudo, está a alterar-se. Desde o começo que a WiseCrop tem o objetivo de tornar a tecnologia um direito e não um luxo, oferecendo soluções que vão do campo ao escritório, com preços que se adaptam consoante a necessidade. A mensagem, diz Tiago Sá, parece estar finalmente a quebrar barreiras, e isso verifica-se em números: há mais de 3.000 utilizadores inscritos na plataforma e mais de 300 culturas na base de dados.
Mas os números, apesar de em contínuo crescimento, representam apenas 1% do mercado nacional. “Portugal é o mercado berço e temos muito para crescer. Grande parte destes 3.000 utilizadores são de Portugal continental e ilhas, mas o país tem mais de 250 mil agricultores, portanto temos pouco mais de 1% do mercado.”
A nova geração de agricultores portugueses será a que vai contribuir para esta mudança, refere o empreendedor, adotando tecnologia cada vez mais rápido e, assim, alterando a forma como o negócio agrícola é visto.
“Sentimos agora uma passagem de testemunho, e os novos agricultores já são mais jovens e formados. Muitas vezes quem pega nestes negócios já vem de outras áreas de formação, com outra experiência e com uma visão de que aquilo não é um hobby ou um quintal, é um negócio. Esta visão vem mudar muita coisa”, refere o Feirense de 31 anos.
Com isto, há mais conhecimento e aptidão do mercado para a tecnologia, o que significa uma maior abertura. “Acabámos por estar na transição da Política Agrícola Comum (PAC), que acabou em 2020. Esta transição já vem muito mais assente nas tecnologias e apanha a transição geracional. Paralelamente, a questão da globalização. E com este incentivo da pandemia toda a gente está a comprar coisas remotamente, o que significa que o nosso mercado ficou muito mais competitivo.” Para Tiago, esta é uma das grandes vantagens da WiseCrop.
Este interface português assenta na ideia de que, de grosso modo, existem dois grandes blocos no negócio agrícola: o campo e o escritório. É precisamente na ligação entre as duas áreas que está a proposta de valor da empresa. “O que se passa no campo é traduzido para a linguagem de escritório em tempo real e vice-versa, potenciando o que acontece no campo. Isto é feito com recurso a várias tecnologias. Somos um software, baseado na cloud, mas existem formas de introdução de dados via telemóvel; incorporamos tecnologia de imagem aérea, incorporamos máquinas, incorporamos sensores que recolhem dados, os próprios programadores de rega podem ser acionados remotamente na mesma interface. É esta panóplia de tecnologias que interligamos”, diz.
Sobre os modelos de negócio, há três ramos estruturados, sendo o primeiro um sistema “freemium”, ou seja, software gratuito, acessível a qualquer pessoa, que pode depois passar para um modelo de subscrição, consoante o tipo de cultura que o cliente tenha, bem como o tamanho desta. Existe, também, a parte dos equipamentos, e aí, dependendo do fornecedor, há compra ou aluguer de equipamento que é depois instalado de maneira a obter dados.
Por último, existe a loja WiseCrop, descrita por Tiago como “uma espécie de canal de promoção” de outros serviços agrícolas”, isto é, “existe um laboratório de análises químicas, requisitado pelos agricultores para medir o nível de nutrientes no solo; o que fazemos é integrar esses laboratórios para que o agricultor faça o pedido do serviço através desta loja, envie a amostra para o laboratório e que depois, com o código de rastreio, será este a colocar os resultados online.”
A tecnologia não é um luxo e já há um movimento para “o agricultor fixe”
“Não queremos que o setor continue a pensar que a tecnologia agrícola é um luxo”, diz Tiago Sá. “Os preços estão acessíveis para qualquer tipo de agricultor, as tecnologias estão desenhadas para tirar proveito seja qual for a dimensão. Há soluções para tudo, já não há razão para não ter uma exploração digitalizada”, acrescenta.
Focado em descontruir esta ideia de elitismo, Tiago Sá fomentou o movimento Jovem Agricultor Nacional Orgulhosamente Com Tecnologia Agrícola (ou JANOTA), um plano que visa transformar a agricultura num setor mais informatizado, mais digital, mais competitivo e mais atraente a investimentos e novos clientes.
“O conceito pretende ir além da promoção da marca, do aspeto comercial e incentivar agricultores portugueses a adotar tecnologia agrícola”, explica Tiago, ainda que não seja um movimento com o seu cunho oficial. “O conceito da integração vai além além da tecnologia, por isso não podemos dar a WiseCrop como mentora do movimento, mas é importante perceber que JANOTA é um agricultor tecnológico, e que ser agricultor é fixe.”
A WiseCrop foi fundada em 2013 no âmbito do final do programa de acelaração da UPTEC por cinco membros, sendo atualmente composta por Tiago Sá, Sandro Vale, Flávio Ferreira e Miguel Rodas. O projeto arrancou na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, onde Tiago Sá foi professor assistente, após o término do curso. A empresa recebeu, em 2013, o primeiro financiamento da Startup Chile e, em 2014, oficializou a primeira e única ronda de investimento até à data com a 2bpartner. Segundo a base de dados Crunchbase conta com 465,5 mil euros de investimento.
*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.