A Polícia Judiciária (PJ) abriu um processo disciplinar à inspetora que admitiu em tribunal ter assinado sem ler um relatório acerca da investigação ao caso Football Leaks. A informação foi revelada esta quinta-feira, naquela que é a 35.ª sessão do julgamento de Rui Pinto, por Carlos Cabreiro, diretor da Unidade de Combate ao Cibercrime (UNC3T) da PJ. “Nunca vi uma episódio desta natureza“, disse, ouvido como testemunha.

Foi uma das preocupações do diretor nacional da PJ. Antecipou-se e informou-me que iria fazer uma averiguação disciplinar”, declarou em tribunal.

Carlos Cabreiro não estava na lista inicial de testemunhas de defesa. Foi arrolado na sessão de ontem, quarta-feira, pelo advogado do arguido Aníbal Pinto para prestar declarações na sessão desta quinta-feira como testemunha. Questionado, o diretor da UNC3T considerou a “atitude” da inspetora “pouco profissional” e disse não conseguir compreender a sua “motivação” ao assinar um documento sem ler.

Em 26 anos de atividade, fiz centenas de relatos, se calhar milhares, e nunca tive uma atuação deste tipo”, acrescentou ainda.

O responsável recordou que ele próprio avisou a inspetora Aida Freitas quando foi arrolada como testemunha, à semelhança do que é feito com outros elementos da PJ, com o intuito que ela se recordasse da sua intervenção no processo Football Leaks. “O inspetor tem de estar preparado para vir ao tribunal. Têm milhares de inquéritos e podem ter incapacidade de ser relembrar das coisas”, explicou Carlos Cabreiro. No entanto, o diretor da UNC3T garantiu que, nessa conversa, a inspetora nunca mencionou que teria assinado o relatório sem ler. Pelo contrário: “Referiu que não sabia bem se já se lembrava [da sua intervenção], mas que, se tivesse alguma dificuldade, remeteria para o auto que assinara”.

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A inspetora Aida Freitas — que agora se encontra a ser investigada pelo Ministério Público — esteve presente, secretamente, no encontro numa estação de serviço na A5 entre os representantes da Doyen e Aníbal Pinto, então advogado de Rui Pinto. O encontro, supostamente marcado para negociar quantos milhões estaria a Doyen a pagar em troca da não divulgação de documentos sobre a empresa que o alegado hacker teria em sua posse, viria a ser uma das provas mais importantes e mais sólidas para acusar Aníbal Pinto e Rui Pinto do crime de tentativa de extorsão. Em tribunal, Aida Freitas admitiu que não tinha ouvido “nada” do encontro e que assinou o RDE (Relato de Diligência Externa), sem ler. “Eu não li o que assinei. Tenho que ser muito honesta, muito sincera. Não estava a distância suficiente [para ouvir]”, confessou à data.

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O julgamento prossegue na próxima quarta-feira com a audição do antigo responsável do sistema informático da Doyen, Jake Hockley. Na sessão seguinte, quinta-feira, começam a ser ouvidas as testemunhas de defesa de Rui Pinto: nesse dia, espera-se a audição de do ex-coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã.

Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

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O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.