A investigadora do European Policy Centre Laura Rayner considera que a Cimeira Social do Porto é “muito importante” porque mostra aos estados-membros que o Pilar Europeu dos Direitos Sociais “deve ser a bússola” para recuperar da crise económica. Já o diretor do Instituto Europeu de Sindicatos, Philippe Pochet, defende que é preciso articular o combate à desigualdade com a transição climática.
“A cimeira é muito importante porque é um sinal político muito claro dado aos estados-membros de que, na recuperação (económica), o Pilar deve ser a bússola para determinar como respondem e como reagem à recuperação e, depois, à transição verde e digital”, diz, em entrevista à Lusa, a investigadora do European Policy Centre (EPC).
Considerando que, relativamente à resposta à crise da zona euro em 2010, houve uma “clara mudança de direção” da parte da Comissão Europeia que, desta vez, “fez um esforço para se assegurar que os indivíduos em todo o continente não pagam o preço da pandemia”, Laura Rayner relembra que “as instituições europeias têm pouca capacidade” para atuar em termos de política social e que “as alavancas” permanecem do lado dos estados-membros.
“Precisamos que os estados-membros atuem com eficácia na implementação de todos os princípios e direitos do Pilar. Atualmente, há discrepâncias enormes entre os estados-membros, e entre regiões dos estados-membros, sobre os diferentes temas e princípios do Pilar”, sublinha.
Nesse sentido, Laura Rayner reitera que o “melhor que pode esperar” da Cimeira Social do Porto, organizada pela presidência portuguesa do Conselho da UE nos dias 7 e 8 de maio, é “relembrar aos estados-membros que são eles que têm as alavancas” e “empurrá-los” a implementar os princípios “que já tinham assinado em Gotemburgo, em 2017”, aquando da adoção do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
Mas claro que tenho as minhas reservas sobre o sucesso que poderá daí advir, quando (a cimeira) servirá para relembrar os estados-membros a comprometerem-se com algo com que já tinham concordado. Não se estão a comprometer com nada de novo”, sublinha.
A investigadora recusa, no entanto, atribuir a dificuldade dos estados-membros em implementar o Pilar à “falta de vontade política”, alertando antes que a maioria dos 20 princípios que dele constam “englobam todos os aspetos da vida” e implicam “uma nova maneira de olhar para a forma como se faz política e se governa”.
“Não se pode simplesmente dizer, ‘vamos trabalhar para implementar apenas um, dois, ou três princípios do Pilar’. Cada um dos princípios engloba imensas áreas políticas e irá requerer um trabalho constante e interminável para conseguir implementá-lo totalmente. Mas acho que é justo dizer que mais pode ser feito”, aponta.
Até porque, segundo a investigadora, “se as pessoas não sentirem verdadeiramente os benefícios da integração europeia”, o projeto europeu ficará “completamente minado”.
Não interessa de onde é que vem a Europa social, se surge através de ações ao nível europeu, nacional, regional ou local. O ponto mais importante é que precisa de ser implementada (…) para que as pessoas consigam perceber que as suas vidas estão a melhorar”, refere.
Tanto a apresentação do plano de ação do Pilar como a ideia de que transição “verde” e digital “tem de ser justa”, fez com que “as expectativas de ação ao nível europeu” tenham ficado “tão elevadas” que, caso “não se cumpra agora essa ambição”, podem surgir “sérias consequências” no apoio à UE.
Especialmente no que se refere à juventude atual, que é normalmente mais favorável ao projeto europeu. Se essa juventude sentir que Bruxelas não está a trabalhar, de maneira nenhuma, em prol dos seus interesses, acho que isso poderá ser potencialmente muito devastador para o apoio da UE no futuro”, conclui.
Pilar Social deve ligar combate à desigualdade e transição verde, diz investigador
Também o diretor do Instituto Europeu de Sindicatos, Philippe Pochet, em entrevista à Lusa, defendeu que, para que o Pilar Europeu dos Direitos Sociais crie uma “dinâmica nova” na política social europeia, precisa de articular o combate à desigualdade com a transição climática.
Penso que o Pilar Social criará um novo paradigma se conseguir juntas duas coisas: em primeiro lugar, fazer com que o objetivo seja o (combate à) desigualdade. (…) Em segundo lugar, inscrever (esse combate) claramente na transição climática”, diz Pochet.
O politólogo, que em 2019 escreveu o livro “À procura da Europa social”, onde retrata a política social europeia desde a criação da União Europeia (UE), considera que o atual Pilar Europeu dos Direitos Sociais “parece-se muito” com a Estratégia de Lisboa, um plano estratégico desenvolvido em março de 2000 pela UE, que tinha como objetivo “modernizar o modelo social europeu através do investimento nos recursos humanos e da luta contra a exclusão social”.
“Voltamos a ver uma mistura (de mecanismos) mais fortes e mais fracos, há objetivos, indicadores, etc… Voltamos a encontrar aquilo que começou a ser teorizado em Lisboa”, aponta Philippe Pochet.
O diretor do Instituto Europeu de Sindicatos (ETUI, na sigla em inglês) adianta assim que, tendo em conta que as alterações climáticas “mostram-nos todos os dias que estamos a encaminhar-nos para outra sociedade”, o Pilar Social deve “ter em consideração toda a série de mudanças que estão a ocorrer nos ambientes” e estar ligado a uma “visão” que “articula a redução das desigualdades” com a “agenda ‘verde'”.
Apesar disso, Philippe Pochet diz concordar “na generalidade” com os 20 princípios estabelecidos no Pilar, mas relembra que, aquando da sua adoção em Gotemburgo em 2017, não “estavam previstas” toda uma “série de medidas” que se tornaram necessárias com a atual pandemia de Covid-19.
Nesse sentido, o investigador espera que a Cimeira Social do Porto “envie um sinal forte” em termos de política social europeia e “dê um mandato à Comissão para tomar uma série de medidas”.
Entre essas medidas, uma que vai ser importante seguir, é a redução da pobreza, porque a Covid-19 acentuou evidentemente as desigualdades e, por isso, a saída da crise vai ser extremamente importante para as questões de desigualdade e de pobreza”, aponta.
Fazendo um balanço da ação da atual Comissão Europeia em termos de política social, o investigador considera que o executivo comunitário tem “apresentado novas discussões”, que têm alterado o debate sobre a política social europeia, que deixou de se centrar na “questão da pobreza, que já encontrávamos em Lisboa” para passar a abordar também a “questão da desigualdade”.
A discussão sobre o salário mínimo, por exemplo, implica perceber qual é a convergência que se quer ao nível europeu, qual é o nível de desigualdade que desejamos… Claro que não vamos resolver isso tudo apenas através do salário mínimo, mas são questões que são extremamente importantes por si só, e já é um sucesso que sejam abordadas”, aponta.
Referindo-se ao facto de a presidência portuguesa ter identificado a política social como uma prioridade, o investigador diz que a “vantagem de Portugal é que é um pequeno país que, no passado, conseguiu ter boas relações com um conjunto de países maiores”.
Porque as presidências precisam de “capacidades diplomáticas para fazer com que, entre as prioridades (identificadas), haja um consenso que dura mais do que uma presidência”.
“O que é importante neste tipo de agenda (social) é estabelecer um pilar ao qual, mais tarde, podemos regressar. Ou seja, enraizamos algo que permite dar, se se quiser, outro passo. Acho que Portugal conseguiu pôr-se nas condições apropriadas para lançar o Pilar. Agora vamos ver depois da cimeira…”, ressalva o investigador.
A agenda social é uma das grandes prioridades da presidência portuguesa do Conselho da UE, que espera conseguir a aprovação do plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, apresentado pela Comissão Europeia em março, e que estabelece três objetivos.
Além de procurar garantir que, até 2030, pelo menos 78% da população europeia está empregada, o Plano de Ação em questão pretende ainda que haja menos 15 de milhões de pessoas em risco de pobreza, e que 60% dos adultos europeus participem anualmente em ações de formação.
Na Cimeira Social do Porto, a presidência portuguesa quer ver aprovado um programa com medidas concretas baseadas no Pilar Social Europeu, um texto não vinculativo de 20 princípios com o intuito de promover os direitos sociais na Europa.
O texto defende um funcionamento mais justo e eficaz dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social, nomeadamente ao nível da igualdade de oportunidades, acesso ao mercado de trabalho, proteção social, cuidados de saúde, aprendizagem ao longo da vida, equilíbrio entre vida profissional e familiar e igualdade salarial entre homens e mulheres.