Clássicos são clássicos e sempre que alguém lhes tenta mexer é sempre arriscado. Ainda assim há raros casos onde a mudança é bem-vinda, faz sentido e o resultado final é de facto um melhoramento do que já vinha de trás. O restaurante/casa de fados/bar Povo, ponto incontornável no coração da “Rua Cor de Rosa”, no lisboeta Cais do Sodré, é um exemplo disso.
A partir de 21 de abril, quarta-feira, este Povo reabre depois de um mês de obras que foi também aproveitado para mudar a chefia de cozinha: Bernardo Agrela, membro do coletivo New Kids On Te Block, cozinheiro do projeto A Praça e antigo responsável do East Mambo foi o cozinheiro escolhido pelos proprietários deste espaço (a empresa CTL, que também é dona do clube Musicbox) para idealizar a nova carta, que será implementada no dia-a-dia pelo jovem chef Vítor Charneca (ex-Taberna do Sal Grosso), também ele um rosto novo no Povo.
Criado em 2012 com o objetivo de ser uma casa de fados mais aberta e contemporânea, o Povo rapidamente se transformou num poiso frequente dos notívagos que desaguavam na zona do Cais do Sodré, quer fosse para comer alguma coisa, para beber uns copos ou para ouvir jovens fadistas no seu início de carreira (foi sempre política da casa dar palco, literalmente, a quem começava a aventurar-se nestes meandros). Desde então foi sendo atualizada ao longo dos tempos — uma das últimas terá sido em 2017 — mas só agora, com o período de pausa forçado pela pandemia, é que tiveram oportunidade de fazer mudanças mais profundas. Isso traduz-se então numa nova área de balcão, nova decoração e até melhorias de condições para as atuações — por exemplo: a partir de agora, sempre que se fizer silêncio para se ouvir o fado, uma cortina de veludo azul cobrirá a zona do bar, automaticamente, para reforçar o ambiente intimista que o momento exige.
A parte gastronómica foi também privilegiada com estas mudanças, com os novos chefs a criarem uma carta do zero que procura homenagear a comida típica portuguesa, de uma forma geral, e as especificidades mais tradicionais do imaginário das casas de fado clássicas. Tudo de um ponto de vista mais atualizado e trabalhado. Na prática, o novo menu divide-se em sete partes: entradas, “a toda a hora”, peixe, carne, vegetais, acompanhamentos e sobremesas. No “a toda a hora” encontra sugestões mais simples, ideais para acompanhar umas cervejas descontraídas: a sandes de ovas fritas (8,50€) é ponto forte, mas também não lhe ficam atrás as bifanas à moda do Porto (6€) ou os “salgadinhos” como o pastel de massa tenra de camarão picante, o croquete de carne de alguidar ou o delicioso e bem recheado rissol de polvo (todos a 2€/uni.).
Quem procurar uma refeição mais completa pode seguir pelo reino dos mares, nomeadamente com pratos como a deliciosa favada de bacalhau (fresca e avinagrada com o contraste quente do bacalhau assado, 13€), a surpreendente tainha curada (de inspiração meio asiática, que se faz acompanhar de uma maionese de wasabi e custa 13€) ou até a gulosa açorda de polvo com filetes do mesmo (13€). No capítulo das carnes brilham o xerém com língua (11€) ou a espetada de borrego com salteado de abóbora (reminiscente de sabores do médio oriente, 12€). E para os adeptos do vegetarianismo ou veganismo há também sugestões como a couve queimada com hummus e sultanas (7€) ou a salada de batata doce com queijo de cabra (9€). Finalmente, para as sobremesas, só grandes clássicos: torta de laranja (3,50€), tarte de amêndoa (3,50€) e as levíssimas farturas com chocolate, malagueta e amendoim (4,50€).
Bernardo Agrela é já um nome estabelecido no meio gastronómico português, tendo chegado a Lisboa vindo de Londres (onde trabalhou com o chef Nuno Mendes) para liderar o Cave 23 — que chegou a ser apontado às estrelas Michelin. Depois dessa passagem inaugurou a sua própria “casa de kebabs”, que foi um sucesso. A pandemia pôs um ponto final nessa aventura mas Agrela começou a colaborar com outros projetos da mesma CTL como a Casa do Capitão, no HUB Creativo do Beato — foi lá que se cruzou com o jovem Vítor Charneca que agora acabou por escolher para ser o líder residente deste Povo.
Em termos de programação e atividade artística, os planos são ambiciosos, mas sempre dependentes da evolução da pandemia e das medidas restritivas que a têm acompanhado. A base do Povo vai permanecer intacta, ou seja, vai-se manter a procura e destaque a artistas emergentes para que não só tenham um palco onde começar mas também possam ter a oportunidade de fazer uma residência artística que permita não só desenvolver repertório mas também, no final desse período criativo, gravarem e lançarem o seu primeiro disco.
Também está previsto um desafio, lançado a vários DJs, para que apostem na recolha de música tradicional e popular lusófona para que sejam feitas playlists que, por sua vez, serão o acompanhamento das refeições dos clientes do Povo.
Já aos sábados à tarde — outra vez algo dependente das medidas de combate à Covid-19 — deverá ser lançada a rubrica “TACHADA”, projeto que pretende ser um espaço de partilha aberto a intervenções musicais ou torneios de dominó. Até tudo isto ficar disponível, pode sempre ir petiscando qualquer coisa.