A pandemia de Covid-19, as comissões praticadas pelos restaurantes, os motoristas assalariados no Reino Unido, o futuro da Uber, mas também o passado. Na conferência de imprensa virtual que Sundeep Jain — executivo de topo e responsável pelos produtos globais da tecnológica — deu logo após o CEO Dara Khosrowshahi ter apresentado as novidades da empresa para este ano, uma coisa tornou-se clara: a empresa está a preparar-se para eventuais alterações legislativas que possam ocorrer noutros países europeus que queiram replicar o cenário atual no Reino Unido, onde os motoristas são assalariados da empresa, recebem pelo menos o salário mínimo e têm direito a férias pagas.

Quando o Observador, que era o único meio de comunicação social português presente, perguntou se imaginava este cenário britânico a acontecer noutro país, Sundeep Jain não descartou essa hipótese.

“É sempre muito difícil prever o que os governos fazem nos diferentes países em que operamos e as leis de cada país podem ser muito diferentes entre si. A legislação na Califórnia, nos EUA, é muito diferente da britânica e as classes de trabalhadores no Reino Unido são diferentes das dos EUA e acho que são também um pouco diferentes entre várias nações europeias. Vamos tendo conversas com governos e muitos destes países e estamos a trabalhar em parceria com eles. Estamos preparados para qualquer mudança que possa ocorrer noutro país europeu. Temos o desejo de cumprir com isto, de fazer a coisa certa, país a país, e vamos continuar a colaborar com os governos nesses países”, respondeu ao Observador.

Sundeep Jain é vice-presidente de tecnologia na Uber, sendo responsável pelos produtos globais de partilha de viagens da empresa e por supervisionar funções como a ciência dos dados, experimentação, serviços de mapas, segurança, entre outros. Antes de ir trabalhar para a tecnológica, foi vice-presidente de gestão de produtos na Google, no grupo de Search Ads, vice-presidente da Zynga e fundador de uma startup de tecnologia, que depois foi adquirida pela empresa pública FIS, que vale cerca de 100 mil milhões de dólares.

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Aos cerca de sete jornalistas presentes naquela conferência de imprensa, Sundeep Jain explicou que, agora, o objetivo da empresa é o de levar os utilizadores de diferentes formas para qualquer lado e que estes consigam adquirir de tudo um pouco num só sítio. Se conseguirem fazer as duas coisas ao mesmo tempo — adquirir produtos enquanto viajam pela Uber — melhor.

Quando o Observador lhe perguntou se a recente aposta em novos produtos na Uber Eats — no evento foram anunciadas algumas novidades no segmento de entrega — se iria traduzir em mudanças nas comissões que a Uber cobra aos restaurantes (e que foram alvo de críticas, queixas e de uma intervenção do Governo em Portugal), a resposta foi no mesmo sentido — que a empresa está preparada para cumprir com a legislação.

“A pandemia virou o mundo do avesso. Entendo que são colocadas comissões de serviços em vários países e que as leis e governos vão evoluir e nós vamos cumprir com as leis. Estamos muito focados em que os nossos parceiros de margem tenham sucesso e adicionámos uma grande número de ferramentas e serviços de análise. Temos inúmeros programas que ajudam a fornecer algum alívio [aos parceiros] durante a pandemia”, respondeu o executivo.

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Ainda sobre as comissões cobradas pelos serviços da tecnológica — que podem ir até aos 30% — Sundeep Jain explicou que são “apenas um de muitos vetores” da relação da Uber com os restaurantes. “Há muitos outros itens que estamos a explorar. Achamos que não podemos ter sucesso sem os nossos parceiros de margens e é muito importante para nós que eles tenham sucesso. É a nossas forma de também contribuirmos para a sociedade. Devem esperar ver mais coisas neste sentido da nossa parte”, acrescentou.

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Na semana passada, a Uber apresentou várias novidades para 2021, no evento Uber Go Get. Sabe-se assim que a tecnológica vai permitir que os utilizadores reservem um motorista em específico por uma hora, com o qual podem fazer várias viagens e também vai ser possível reservar serviços da Uber com 30 dias de antecedência, selecionando o motorista. No segmento das entregas, a app vai permitir também que os utilizadores que estão a efetuar uma viagem pela Uber saibam que restaurantes ficam a caminho. Assim, podem pedir ao motorista para parar num deles para irem buscar uma refeição.

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Além disso, vai ser possível fazer encomendas aos restaurantes parceiros, mesmo quando eles estão encerrados, estando assim na fila da frente quando o restaurante abrir; e efetuar vários pedidos de diferentes lojas e restaurantes numa só compra. Ou seja, o utilizador só finaliza o pedido quando estiverem todas as compras asseguradas, mesmo que isso implique pedir cinco coisas em cinco parceiros diferentes, por exemplo. Isto não acarreta o custo de uma taxa de entrega adicional.

Confrontado com a decisão de a empresa ter desinvestido em algumas áreas do negócio (como as trotinetes ou os carros autónomos), o futuro da plataforma e o eventual caminho em direção aos lucros, Sundeep Jain explicou que, apesar do desinvestimento, fizeram “grandes apostas” nestes negócios, conseguindo lugares em vários conselhos de administração.

“Vemo-nos como estando muito interessados nesses negócios e como sendo uma parte do futuro, mas dentro das quatro paredes da Uber estamos a navegar com um foco incrível nisto de irmos a qualquer lado e adquirir qualquer coisa”, concluiu o executivo.