O ministro dos Negócios Estrangeiros considera um “erro” a decisão do governo espanhol de passar a exigir um teste negativo ou um certificado de vacinação a quem entrar em Espanha por via terrestre a partir de Portugal. E vai mais longe: caso o país vizinho não corrija a situação, Portugal terá mesmo de tomar “medidas de reciprocidade”.
Em declarações à agência Lusa, Augusto Santos Silva salientou que já foram pedidos esclarecimentos às autoridades espanholas e que aguarda por uma resposta, referindo que a resolução da Direção Geral de Saúde de Espanha, “viola” as boas práticas que têm presidido na coordenação da gestão comum da fronteira terrestre.
“Pedimos esclarecimentos sobre esta questão às autoridades espanholas, aguardamos que sejam prestados o mais rapidamente possível, porque, se não, teríamos de adotar, da nossa parte, medidas de reciprocidade equivalentes, tendo em conta que a situação epidemiológica de Espanha é, desde logo, pior do que a vivida em Portugal”, afirmou Santos Silva.
“Esperemos que se trate de um equívoco da DGS de Espanha, que esse erro, esse equívoco, seja corrigido rapidamente, sob pena de termos de tomar medidas de reciprocidade”, insistiu. E o Governo não está sozinho nesta avaliação: também Marcelo Rebelo de Sousa reagiu à decisão, dizendo considerar a decisão “estranha”, por ter sido tomada sem “uma palavra” ao Executivo português.
Já André Ventura tinha esta segunda-feira pedido explicações sobre o caso ao Governo, perguntando precisamente se Portugal iria aplicar medidas recíprocas a Espanha e criticando o que diz parecer “um boicote ao povo português”, na sequência da decisão do Reino Unido de retirar Portugal da lista de países considerados seguros. E o Governo diz estar disposto a tomar essas medidas, caso a situação não seja alterada.
Ventura questiona Governo se também vai exigir teste a quem viaja de Espanha
Governo pediu explicações “com urgência”
Esta segunda-feira, Augusto Santos Silva também falou sobre o caso à TVI24, dizendo que Portugal está a aguardar os esclarecimentos que foram pedidos “com urgência” às autoridades espanholas.
O ministro disse ainda que ficou surpreendido com a decisão, uma vez que havia sido informado da intenção espanhola de facilitar a entrada de turistas estrangeiros — e não de dificultar o processo. Santos Silva acrescentou que a informação que recebeu de Espanha era a de que a entrada de turistas no país seria facilitada de dois modos: dispensando os vacinados de restrições na fronteira e ainda aceitando o teste de antigénio como válido. Porém, não foi isso que aconteceu: as restrições foram alargadas também à fronteira terrestre.
Salientando que a norma também se aplica à fronteira com França, Santos Silva disse que cuida dos interesses dos portugueses — e lamentou que a decisão, que admite ter sido um “equívoco técnico”, tenha sido aplicada numa fronteira que tem sido gerida de modo exemplar pelos dois governos.
O ministro distinguiu o caso espanhol do caso inglês, depois de Londres ter retirado Portugal da famosa “lista verde” apenas 15 dias depois de ter incluído o país na lista de destinos válidos. “Os dois argumentos usados pelas autoridades britânicas para justificarem o facto de terem removido Portugal da lista verde são os dois inválidos”, disse Santos Silva.
“O ministro dos Transportes disse que Portugal tinha duplicado a taxa de positividade à Covid”, lembra. “Passar de 1% para 1,2% não é duplicar em nenhuma matemática do mundo.”
“Bem abaixo dos 4% que servem de limiar mínimo” para o Centro Europeu de Controlo de Doenças, asseverou Santos Silva: “1,2 não é o dobro de 1.”
“Em relação à presença de variantes de preocupação em Portugal, foi usado o caso da variante nepalesa. 12 casos registados em Portugal. São 78 casos da variante indiana, dos quais 12 são dessa mutação. Não há nenhum estudo que demonstre que a vacinação completa não seja eficaz no combate a todas as mutações e variantes que até agora foram identificadas”, disse o ministro.
“Eu ouvi hoje o ministro da Saúde britânico. Que disse duas coisas que são verdades elementares, mas muito importantes. A primeira é que a vacinação significa o corte da ligação entre novas infeções e novas hospitalizações, cuidados intensivos ou mesmo novas mortes. Em segundo lugar, disse que a vacinação só com uma dose não demonstra os efeitos totais que nós queremos em relação às novas variantes, mas a vacinação completa”, lembrou.
O ministro comparou o Reino Unido a uma “mãe extremosa” que vê o filho militar marchar na direção contrária do pelotão e diz “o pelotão está errado” — evocando um ditado popular do Porto.
“Todas as pessoas que chegam a Portugal por via aérea ou marítima têm de demonstrar que estão negativas à Covid-19”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, sublinhando que no caso dos ingleses que vieram ao Porto os testes feitos na cidade foram “controlos adicionais” — e que todos chegaram ao país com um teste negativo. Depois, para alguns países específicos, como o Brasil, África do Sul e Índia, é exigida uma quarentena — devido às variantes.
“Parece-me mais humilhante para a tradição britânica de decisões racionais”, disse Santos Silva, respondendo a um comentário do entrevistador, Miguel Sousa Tavares, que considerou que a decisão britânica de retirar Portugal da lista verde três dias depois da final da Liga dos Campeões, disputada no Porto entre duas equipas inglesas, foi humilhante para Portugal.
Santos Silva foi também questionado sobre se a UE não perdeu uma oportunidade, na cimeira com a Índia, em maio, de tomar uma posição sobre o levantamento das patentes das vacinas contra a Covid-19, depois de os EUA o terem proposto.
“A administração Biden fez um gesto politicamente bastante eficaz, não duvido disso, que foi propor o levantamento, a suspensão temporária dos direitos de propriedade intelectual sobre as vacinas. Num momento em que a UE era, dos grandes produtores ocidentais, o único que exportava para fora da UE. O Reino Unido não o fazia, os EUA não o faziam. A UE era o único produtor ocidental — não estou a contar com a China e a Rússia — que, praticamente metade das vacinas que produz, as exporta. E é também o principal doador internacional para os mecanismos de partilha da vacina no mundo”, disse Santos Silva.
“Estamos num ponto das relações bilaterais entre a UE e a Rússia dos mais baixos que alguma vez vivemos”
Augusto Santos Silva falou também sobre a sua recente viagem a Moscovo, onde foi para estabelecer diálogos bilaterais com a Rússia num duplo sentido: representando Portugal e representando a União Europeia.
“O canal político-diplomático é muito importante, designadamente quanto temos de falar de coisas muito difíceis”, disse Santos Silva, sublinhando que não quebrou a tradição de, em todos os semestres, a presidência da UE (que está agora nas mãos de Portugal) participar num seminário com a Rússia para analisar as relações entre os dois blocos.
“Estamos num ponto das relações bilaterais entre a UE e a Rússia dos mais baixos que alguma vez vivemos”, assumiu o ministro. “Por isso, é muito importante que possamos discutir os temas difíceis face a face.”
“Nós temos hoje uma relação com os EUA muito mais estreita e muito menos ambígua no que toca ao relacionamento com a Rússia”, disse Santos Silva. “Como sabe, havia, legitimamente, algumas dúvidas sobre o tipo de relacionamento que a administração Trump tinha com o Presidente Putin. Essas dúvidas, ninguém as tem relativamente ao relacionamento Joe Biden/Vladimir Putin.”
“O que nós estamos a fazer é a estreitar a nossa cooperação, EUA/UE, também no nosso relacionamento com outros atores globais, como a China e a Rússia”, acrescentou Santos Silva.
Santos Silva foi também questionado sobre as relações com o Brasil. Após um segmento sobre o normalizar das relações com os EUA, Miguel Sousa Tavares perguntou a Santos Silva se também as relações com o Brasil de Bolsonaro se encontram “no frigorífico”.
Dizendo que não, Santos Silva sublinhou que “a vinda do ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil”, marcada para 1 de julho, “permitirá avançarmos na preparação da cimeira”.
“As cimeiras não são atos administrativos”, argumentou Santos Silva. “Diria que há um nível de relacionamento de Portugal com o Brasil que é, por natureza, bom. E depois há momentos mais dinâmicos e momentos menos dinâmicos. Por acaso neste momento vivemos um momento dinâmico. Por causa da nossa responsabilidade como presidência da UE e do trabalho que lá estamos a fazer para avançar com a parte final do acordo do Mercosul.”
Texto atualizado às 6h51 de 8 de junho.