O ministro do Ambiente considera que os “recursos minerais não são de nenhum município“, embora a nova lei das minas lhes dê poder de chumbar a maioria das propostas para exploração mineira, exceto as de interesse nacional, como o lítio.

“Os recursos minerais não são de nenhum município, os recursos minerais são de todos nós, são do país todo. Mas [a nova lei das minas] estabelece, sim, o parecer vinculativo por parte das autarquias, no fundo, naquilo que são a maioria dos casos. Que são quais? Aqueles em que um promotor se propõe de motu proprio explorar algum recurso mineral”, afirmou o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, em entrevista à Lusa.

A nova lei das minas publicada no início de maio esteve um mês em consulta pública, e foi promulgada no passado dia 30 de abril pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que não deixou de assinalar, no texto da promulgação, os “pareceres reticentes, designadamente de órgãos de governo próprio das regiões autónomas, da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e de outras entidades associativas”.

O diploma define que, no caso dos pedidos de atribuição de direitos de prospeção e pesquisa, “a pronúncia dos municípios quando, total ou parcialmente, desfavorável é vinculativa”.

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Questionado sobre a possibilidade de acontecer com os projetos do lítio o que aconteceu com o aeroporto do Montijo, em que o parecer negativo de alguns municípios levou a Autoridade Nacional da Aviação Civil a indeferir o pedido para a construção de um aeroporto naquela localização, Matos Fernandes afastou essa hipótese, uma vez que a nova lei “distingue bem” a “promoção a partir do Governo“, em que o parecer das autarquias não é vinculativo.

“Sempre que o Estado entender que há recursos minerais ou metais que merecem o interesse do país, aí obviamente que haverá comissões de acompanhamento, obviamente que haverá sempre pareceres municipais que nos podem ajudar a dizer não vão por aqui, vão mais por ali no plano de lavra, mas não têm as autarquias esse poder de veto”, sublinhou o governante com a pasta da energia.

O ministro do Ambiente lembrou que, antes da nova lei, os municípios não podiam chumbar qualquer pedido de prospeção mineira, porque, “sendo recursos do país, era sempre o Estado central que dizia sim ou dizia não“, ao passo que agora “podem chumbar em 90% dos casos”, ou seja, aqueles em que é um promotor que, por sua iniciativa, demonstra interesse em determinada exploração.

Há, de facto, projetos que não são de interesse municipal, são de interesse nacional. Têm que existir sempre em qualquer sítio e esse qualquer sítio será sempre um município ou mais do que um. Envolveremos muito as autarquias, as populações locais […] Mas não têm o poder de poder chumbar aquilo que é um projeto nacional, como não têm o poder de poder chumbar um traçado de uma autoestrada, senão ainda hoje não havia autoestrada entre Lisboa e Porto”, salientou o ministro.

Matos Fernandes reiterou não entender “porque é que há pessoas que estão tão apostadas em que não se extraia lítio“, embora reconheça que faltam bons exemplos de atividade mineira na Europa.

“O lítio é essencial para a transição digital e essencial para a descarbonização, é essencial. […] Aqueles que acham que tudo pode vir de longe, certamente não se aperceberam de uma coisa que todos se aperceberam menos eles, que se chama Covid e que mostra à saciedade que, quanto mais curtas forem as cadeias de produção e consumo, menor é a pegada ambiental, por outro lado, e mais seguros estamos todos nós”, defendeu.

Governo acredita estar perto do consenso com Espanha para interligação elétrica

O ministro disse querer acreditar que Portugal e Espanha estão “muito perto do consenso” para a construção de uma interligação elétrica no Alto Minho, que ligará a Península Ibérica ao centro da Europa.

“A interligação no Alto Minho é da maior importância para [o projeto] poder avançar e quero acreditar que já estamos muito perto do consenso entre Portugal e Espanha”, afirmou João Pedro Matos Fernandes.

Em 2018, responsáveis de Portugal, Espanha e França comprometeram-se, numa cimeira em Lisboa, a ter “rapidamente” uma interligação elétrica a ligar os três países, num projeto que vai receber “o maior apoio financeiro europeu de sempre” dado a uma infraestrutura energética.

Este projeto envolve Portugal, Espanha e França e tinha o intuito de cumprir a meta europeia de 10% do nível de interligações elétricas até 2020, prevendo ligações entre Portugal e Espanha (pela Galiza) e Espanha e França (pelo Golfo da Biscaia e pelos Pirenéus).

“Espanha foi mesmo um problema na ligação do Alto Minho, […] porque, em Monção, andou a dançar com o corredor para a esquerda e para a direita, quando já havia um corredor que estava definido e, por isso, neste momento, voltaram ao corredor inicial e o projeto tem todas as condições para se poder concretizar”, explicou o ministro com a pasta da energia. “É verdade que existem os Pirenéus e isso torna muito mais difícil as interligações entre Espanha e França”, acrescentou.

Para o governante, a Europa tem necessidade de uma interligação elétrica entre a Península Ibérica e França, para poder usufruir de energia produzida a partir de fontes renováveis em Portugal, a preços mais baixos.

“Com eletricidade produzida a partir de fontes renováveis a muito mais baixo custo na Península Ibérica do que no centro da Europa, quem vai, afinal, acabar por querer e muito estas interligações é mesmo o centro da Europa, porque quanto menos interligações existirem mais protegido está o nosso sistema, no sentido de a eletricidade em Portugal ser muito mais barata do que no centro da Europa”, defendeu o ministro.

Matos Fernandes lembrou que quanto mais interligações houver, mais tendência haverá para que os preços da eletricidade dos vários países se igualizem.

“Essas interligações são da maior importância, mas, neste momento, não são menos importantes para Portugal do que para o centro da Europa, não tenho a mais pequena dúvida, senão a vantagem competitiva de Portugal e também de Espanha, para atrair indústrias, vai ser muito superior à dos países da Europa central”, acrescentou.

Governo “não perdeu o interesse” no cabo submarino para Marrocos

O Governo mantém o interesse na construção de um cabo submarino para transportar eletricidade entre Portugal e Marrocos, embora os prazos tenham sido ultrapassados devido a hesitações do lado marroquino, afirmou o ministro do Ambiente e da Ação Climática.

Questionado sobre o ponto de situação da proposta apresentada em 2016, João Pedro Matos Fernandes garantiu que “o Estado português não perdeu o interesse nesse projeto”.

O cabo submarino para ligar o Algarve ao norte de África tem um custo estimado de 600 a 700 milhões de euros e, para a sua construção, foi promovido um estudo técnico-económico pela REN — Redes Energéticas Nacionais e a sua homóloga marroquina, que devia ter sido apresentado no início de 2019, mas cujas conclusões não são ainda conhecidas.

O Jornal Económico avançou, em 24 de maio, que, segundo fonte oficial da REN, o “tema tem sido analisado, poderá fazer sentido em algumas circunstâncias, mas neste momento não está prevista a sua execução”. O ministro do Ambiente disse que o estudo está a ser concluído e que “não é do lado português que a coisa tem andado devagar”.

“É um facto que os prazos já foram ultrapassados, mas nós temos feito tudo direitinho. Tem havido do lado de Marrocos algumas hesitações, mas o estudo vai avançando”, afirmou o governante, não arriscando, porém, adiantar uma nova data para a sua conclusão.

Matos Fernandes sublinhou a relevância das interligações, num mundo que utilizará cada vez mais fontes renováveis para a produção de eletricidade. “Sabemos bem a importância que a armazenagem tem e, por isso, também a importância dos gases renováveis, mas não só, das baterias a lítio, para provocar essa mesma armazenagem, mas queremos fomentar o maior número de interligações possíveis e a partir de Portugal é fácil perceber que são a Espanha ou a Marrocos”, acrescentou.

Acionistas da central do Pego perderam direito ao ponto de injeção na rede, diz ministro

O ministro considera que os acionistas da central a carvão do Pego, em Abrantes, perderam o direito ao ponto de injeção à rede elétrica, que será atribuído por concurso público.

Questionado sobre o desacordo em relação à conversão da central, que será desativada em novembro, Matos Fernandes disse que “a partir do momento em que os acionistas se separam, aquele ponto de ligação à rede é perdido e, portanto, nenhum dos acionistas tem direito sobre ele”.

“Os acionistas desagregaram-se e, portanto, não podemos deixar essa matéria para os acionistas”, afirmou, adiantando que já está a trabalhar com as autarquias “na procura de uma solução”. “Já estamos em reuniões, nomeadamente com as autarquias. Sabemos o que queremos fazer, mas não queremos anunciar agora”, acrescentou.

O ministro explicou que “uma coisa é a central”, e essa matéria “é um problema” dos acionistas, mas “o grande ativo ali é o ponto de injeção [de eletricidade] à rede”, isto é, a capacidade de ligação entre um centro produtor e a rede que permite transportar a energia até ao consumidor final.

“Não é um qualquer ponto de injeção à rede, é um ponto de injeção na rede de enorme capacidade. E esse é vosso, meu, é de todos nós. E é o grande ativo que está aqui. A partir do momento em que os acionistas se desentenderam perderam o direito a esse ativo”, prosseguiu.

Referindo que o processo ainda está “numa fase inicial”, o governante garante que “o ponto de injeção à rede” não se vai perder. “O ativo que é público é o ponto de injeção na rede e esse posso garantir que não vamos perder. Se há bem que é escasso em Portugal são os pontos de injeção na rede”, declarou.

O plano passa por um concurso “absolutamente público e transparente”, a que os acionistas da central do Pego podem concorrer, mas que não estará limitado às duas partes. Os dois acionistas da central a carvão do Pego, a TrustEnergy e a Endesa, estão em desacordo em relação ao futuro da estrutura, após a suspensão da atividade em 30 de novembro.

A TrustEnergy, acionista maioritária, quer reconverter a central num Centro Renovável de Produção de Energia Verde, projeto que, de forma faseada, implicará um investimento de 900 milhões de euros, considerando que “a melhor opção não será o desmantelamento da estrutura”.

O presidente executivo da TrustEnergy, José Grácio, explicou à Lusa, em meados de maio, que o projeto passa pela “eletricidade, hidrogénio e outros gases renováveis a partir de diversas fontes primárias de energia local, como a solar, eólica e resíduos florestais”, sendo que no curto prazo a aposta é na biomassa.

A Endesa, segunda maior acionista da central a carvão do Pego, discorda da decisão de uma reconversão baseada na biomassa (queima de resíduos florestais) e quer que o Governo lance novo concurso e propõe um projeto de 600 milhões de euros.

Em declarações à Lusa, em 28 de maio, Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal, explicou que a empresa espanhola não se entendeu com o seu atual sócio na Tejo Energia, a TrustEnergy, e contrapõe com um investimento de 600 milhões de euros que “inclui a construção de uma central solar fotovoltaica de 650 megawatts (MW), o desenvolvimento de 100 megawatts (MW) de capacidade de armazenamento com baterias e a instalação de um eletrolisador com capacidade de produção de 1.500 toneladas/ano de hidrogénio verde”.

A central do Pego — a única central a carvão atualmente em atividade em Portugal — é detida pela TrustEnergy, um consórcio constituído pelos franceses da Engie e os japoneses da Marubeni, que detém 56% da central do Pego, e pela Endesa (com 44%).

 Fragmentação do H2Sines vai fazer “com que surjam mais projetos”

Matos Fernandes desvaloriza a fragmentação do consórcio H2Sines, que reunia a EDP, Galp, Martifer, Vestas e REN, com o objetivo de implementar um cluster de produção de hidrogénio verde, considerando que vai fazer “com que surjam mais projetos”.

O ministro defendeu que “esta fragmentação do consórcio vai fazer com que surjam mais projetos e haja ainda uma maior produção de hidrogénio verde”, comentando assim a saída da EDP, REN e Galp do grupo de empresas que em julho do ano passado se propôs “estudar a viabilidade da criação de uma cadeia de valor para a exportação do hidrogénio de Sines para o Norte da Europa”.

“Passou um ano e foi um ano muito animado do lado dos projetos que apareceram, mais animado do que estimávamos à partida”, declarou o governante, realçando que “só em Sines estão previstos seis grandes projetos”. Questionado sobre os outros projetos previstos, o Ministério adiantou à Lusa o da Fusion Fuel, referindo que os outros quatro pedem reserva.

O ministro com a tutela da Energia disse que a indicação que tem é que, apesar da saída de alguns ‘pesos pesados’, o consórcio se mantém — com a Vestas, Engie e a Martifer —, contrapondo que o H2Sines “não era o maior projeto” de hidrogénio em curso. Esse está previsto para Estarreja, liderado pela Bondalti (antigo grupo químico CUF, que pertence ao Grupo José de Mello), e tem um investimento previsto de 2.400 milhões de euros.

Ainda sobre o desmantelamento do consórcio para o hidrogénio verde em Sines, o governante disse que, no caso da Galp, “a razão é muito simples, é porque tem de andar mais depressa. É absolutamente crucial para a Galp a descarbonização da atividade de refinação”.

O que a Galp veio dizer é que não tinha tempo para esperar. Tem que andar muito mais depressa”, acrescentou. Já em relação à saída da REN, Matos Fernandes justificou com a necessidade de a empresa gestora das redes ter de ter “uma posição mais neutra”.

“Há um ano estávamos num grau de conhecimento muito mais fácil do que temos hoje, mas a REN a partir do momento em que percebeu que o número de projetos de injeção na rede — já há um no Seixal, que já está a começar a injetar hidrogénio na rede —, e como a REN tem o exclusivo da distribuição dos gases em Portugal, […] tem de se por numa posição neutral”, declarou.

Para o ministro, neste novo cenário, a empresa liderada por Rodrigo Costa “não pode ser promotora de nenhum projeto em concreto”. “Tem é que encontrar tarifas justas para que esse hidrogénio possa chegar a casa das pessoas e às indústrias”, disse.

Também a EDP decidiu abandonar o consórcio H2Sines, lançado no ano passado para estudar a viabilidade de um mega-projeto de hidrogénio verde em Sines, afirmando que “a sua estratégia e futuros investimentos em hidrogénio verde deverão aplicar-se a outros projetos com os quais espera, de igual forma, continuar a contribuir para a descarbonização da economia”, segundo noticiou o Expresso.

Matos Fernandes vincou que não dá um valor diferente ao projeto H2Sines, face aos outros, reconhecendo o papel que teve de promotor, quando, sabendo do interesse da Holanda na importação de hidrogénio, decidiu ouvir os presidentes das três maiores empresas portuguesas – EDP, Galp e REN – para “saber com que contava do lado português”.

“Este é certamente um projeto importante, mas, repito, em Sines existem já seis grandes projetos em que o consórcio era apenas um deles. Haver consórcio ou não era uma decisão das empresas”, afirmou. Em relação ao destino do hidrogénio a ser produzido, o governante defende pensar na exportação, “mesmo sabendo que o mercado português é suficientemente grande para absorver o hidrogénio que vai ser produzido em Portugal”.

“Queremos quebrar o paradigma de um país eternamente importador de energia para um país que passe a ser exportador da energia. Isto deve criar muitas comichões a muitas pessoas, mas acho que não faz qualquer sentido”, lançou. O ministro defende que os propósitos do Governo em relação ao hidrogénio verde “são exatamente os mesmos, mas a dimensão dos projetos é muito maior do que a estimada há um ano”.

Em 21 de maio de 2020, o Governo aprovou a estratégia nacional para o hidrogénio, que prevê investimentos de 7.000 milhões de euros no horizonte 2030, levando a uma redução da importação de gás natural de 300 a 600 milhões de euros.