À entrada, os convidados quase poderiam pensar que se tinham enganado e entrado num casamento ao acaso. Fossem as cadeiras douradas dispostas de metro em metro, a piscina a aquecer debaixo do sol ou a quantidade de pessoas reunidas à volta do bar — para pedir águas geladas, pedido menos comum quando o convite é para um casamento –, quase tudo indicava que o dia era de celebração familiar, na quinta em Caminha que o PS escolheu para realizar mais umas jornadas parlamentares.

E, até certo ponto, foi mesmo: os deputados, acompanhados pelo Governo, reuniram-se na abertura para celebrarem a falta de alternativas à direita — uma “tristeza” — e concluírem que se arriscam a “ser o futuro do país durante muito tempo”. Com avisos para dentro: para se confirmarem como a tal opção política única, os socialistas não podem perder o foco… nem dedicar-se a ataques internos fora de tempo, antecipando uma corrida à sucessão que está longe de começar.

Foi um arranque bem político: ao lado da piscina e da zona das bebidas, cartazes anunciavam não o nome dos noivos, mas antes os milhões que cada medida tomada pelo Governo valeu à Saúde, ao setor social, à Cultura; no palco, desfilavam figuras do PS para traçar um panorama político com uma conclusão comum: a direita política é um deserto, o PS tem a “responsabilidade em dobro” de se ocupar do país e de defender os seus de ataques externos (Azeredo Lopes ou Eduardo Cabrita, por exemplo).

O “populismo” da direita, à espera do salvador de Massamá

A ideia de que o PS tem praticamente a responsabilidade de garantir a estabilidade do sistema nas suas mãos só foi reforçada a cada intervenção. Do palco, José Luís Carneiro ‘malhou’ forte na direita, do “radicalismo defensivo” em que o PSD entrou à vontade do CDS de adotar os lemas “antiéticos” da direita espanhola. Aproveitou para fazer a defesa de Azeredo Lopes por causa do caso de Tancos — suspendendo o discurso oficial que entrega temas da Justiça à Justiça para acusar de “populismo” quem fez de Azeredo “vítima de um julgamento na praça pública com danos pessoais e políticos graves e irreparáveis” — e de Eduardo Cabrita. Tudo, frisou, vítimas de um objetivo maior: atacar António Costa e o PS.

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Dos casos do procurador europeu às críticas ao PRR, Carneiro defendeu, ponto por ponto, o PS contra a “guerrilha” da direita, a mesma direita que se reuniu (no Movimento Europa e Liberdade) para falar da sua “vontade de desconstruir”.

Momento de improviso, em modo animador: Carneiro saiu do discurso escrito para garantir que a direita espera um dom Sebastião de Bruxelas ou de Massamá — leia-se, uma liderança de Paulo Rangel ou um regresso de Pedro Passos Coelho — e arrancou risos à audiência. Gargalhadas sobre a direita, seriedade na “defesa do interesse do país” contra “demagogia e populismo” — mais uma vez, um PS como salvador do regime.

PS tem de “agarrar as oportunidades que criou”

A sessão ainda contou com a presença do Governo na figura do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, já o calor obrigava a distribuir águas geladas pelos convidados e a procurar sombras. Foi assim que os deputados ouviram Cordeiro, que não resistiu a comentar que estava bem resumida a “incapacidade da direita” — “as pessoas olham até com tristeza” — e a dar o seu contributo para explicar porque é que o PS é, então, uma espécie de alternativa única para o desenvolvimento do país.

Partindo do já quase longínquo primeiro excedente orçamental de Mário Centeno e das boas memórias da geringonça, o governante elogiou a resposta do PS a tempos difíceis e traçou, mais uma vez, a fronteira com a direita: o PS contra a austeridade,  aposta no Estado social, uma direita que “ficou presa às suas respostas à crise do passado”, que soma agora à agenda da “divisão e xenofobia”.

Será, por isso, “à esquerda” que terá de se assegurar a estabilidade, por um lado em diálogo, para aprovar o próximo Orçamento, e a seguir avançando com “o processo de recuperação económica e social”. Numas jornadas com o mote virado para a frente — “O Estado presente para lançar o futuro” –, Cordeiro pediu foco para resolver os problemas estruturais e de competitividade: “Temos de saber agarrar as oportunidades que criámos”. Estava pintado o cenário para colocar o PS como o único partido que conseguirá assegurar esse futuro. 

O aviso: só o PS pode prejudicar-se

O guião político tinha começado a ser traçado logo de início por Miguel Alves, presidente da Federação do PS de Viana do Castelo e da Câmara de Caminha, que não se limitou a fazer apenas papel de anfitrião. Incentivando o PS a ter “orgulho” no caminho que fez durante a pandemia, atacou os “modernos gladiadores da arena da internet” que criticam, mas não “resolvem os problemas de Roma”: “Mais de metade do que é comentado, escrito ou opinado não interessa patavina ao comum dos portugueses”.

O PS não deve, por isso, deixar-se enredar em “debates que interessam muito pouco”; precisa antes de “focar o discurso”. O plano: assumir plenamente o papel de partido do Governo, abraçar essa “responsabilidade” e… tornar-se quase a única garantia do sistema político, que tem à esquerda “desistência e intransigência”, só salva pelo “institucionalismo ou pragmatismo do PCP”, e à direita “indigência ou deserção”. “O PS tem de ser poder e oposição, o equilíbrio que falta ao atual panorama”.

O PS aparece assim como uma espécie de salvador, até porque se “arrisca a ser o futuro do nosso país durante muito tempo” — e para isso não pode, alertou Miguel Alves, perder-se em “vaidades” e “protagonismos” para um “campeonato que ainda não começou”. Com a líder parlamentar sentada à sua frente, avisou para o perigo das competições internas — e isto semanas depois de Ana Catarina Mendes ter criticado publicamente Pedro Nuno Santos, num embate que voltou a trazer ao de cima a (precoce) discussão sobre a sucessão no PS.